21 de Janeiro de
2023 Robert Bibeau
Moon of Alabama – 14 de Janeiro de 2023
O Le Figaro publicou uma entrevista com
o famoso antropólogo Emmanuel Todd.
Emmanuel Todd:
"Começou a Terceira Guerra Mundial"
"A III Guerra Mundial começou" é a sua nova tese. Todd ficou
bastante famoso por prever correctamente o desmantelamento da União Soviética
muito antes dele acontecer. Estava sozinho a prever na altura.
Já publiquei um artigo sobre as previsões anteriores de Todd sobre os Estados Unidos e a Europa, que ainda parecem ser exactas. Citei-o também num artigo sobre o declínio social como uma questão de segurança nacional.
Infelizmente, o artigo no Le Figaro é a pagar. Mas Arnaud Bertrand fez-nos
o favor de traduzir o essencial. Aqui está o seu texto ligeiramente modificado:
Arnaud Bertrand @RnaudBertrand
– 15:42 UTC – 13 Jan 2023
Emmanuel Todd, um dos maiores intelectuais franceses
de hoje, afirma que "a III Guerra Mundial começou.«
Tradução curta dos pontos mais
importantes desta fascinante entrevista.
Segundo ele, "é óbvio que o conflito, que
começou como uma guerra territorial limitada e está agora a transformar-se num
confronto económico mundial entre todo o Ocidente, por um lado, e a Rússia e a
China, por outro, tornou-se uma guerra mundial.«
Acredita que" Putin cometeu um grande erro
logo no início, que foi que, nas vésperas da guerra, [todos viam a Ucrânia] não
como uma democracia nascente, mas como uma sociedade em decadência e um
"Estado falhado" em formação. [...] Acho que o cálculo do Kremlin era
que esta sociedade em decadência entraria em colapso ao primeiro choque. Mas o
que descobrimos, pelo contrário, é que uma sociedade em decadência, se
alimentada por recursos financeiros e militares externos, pode encontrar na
guerra um novo tipo de equilíbrio, e até mesmo um horizonte, uma esperança.«
Diz que partilha a análise de Mearsheimer sobre o
conflito: Mearsheimer diz-nos que a Ucrânia, cujo exército foi tomado por soldados da
NATO (americanos, britânicos e polacos) desde pelo menos 2014, era, portanto,
um membro de facto da NATO, e que os russos tinham anunciado que nunca
tolerariam a Ucrânia na NATO. Do seu ponto de vista, os russos estão, portanto,
numa guerra defensiva e preventiva. Mearsheimer acrescenta que não teríamos
motivos para nos regozijarmos com as possíveis dificuldades dos russos, porque
como esta é uma questão existencial para eles, quanto mais difícil for, mais
difícil serão as dificuldades. Esta análise parece ser verdadeira. »
No entanto, tem algumas críticas a Mearsheimer:
« Mearsheimer, como um bom
americano, sobrestima o seu país. Considera que, se para os russos a guerra na
Ucrânia é existencial, para os americanos é basicamente apenas um
"jogo" de poder entre outros. Depois do Vietname, do Iraque e do
Afeganistão, o que mais é um desastre? O axioma básico da geo-política
americana é: "Podemos fazer o que quisermos porque estamos seguros, longe,
entre dois oceanos, nada nos acontecerá." Nada seria existencial para a
América.
Uma análise insuficiente que hoje leva Biden a avançar sem pensar. A
América é frágil. A resiliência da economia russa está a empurrar o sistema
imperial americano para o abismo. Ninguém previu que a economia russa
resistiria ao "poder económico" da NATO. Penso que os próprios russos
não previram isto.
Se a economia russa
resistisse indefinidamente às sanções e conseguisse esgotar a economia
europeia, mantendo-se, apoiada pela China, os controlos monetários e
financeiros dos EUA sobre o mundo entrariam em colapso, e com eles a
possibilidade de os EUA financiarem sem esforço o seu enorme défice comercial.
Esta guerra tornou-se, portanto, existencial para os Estados Unidos. Não mais
do que a Rússia pode retirar-se do conflito, não podem deixar passar. É por
isso que estamos agora numa guerra interminável, num confronto cujo resultado
deve ser o colapso de um ou outro. »
Ele acredita firmemente que os Estados Unidos estão em
declínio, mas vê isto como uma má notícia para a autonomia dos Estados
vassalos:
« Acabei de ler um livro de S.
Jaishankar, Ministro dos Negócios Estrangeiros indiano (The India Way),
publicado pouco antes da guerra, que vê a fraqueza americana, que sabe que o
confronto entre a China e os Estados Unidos não terá vencedor, mas dará espaço
a um país como a Índia, e muitos outros. Gostaria de acrescentar: mas não aos
europeus. Em todo o lado vemos o enfraquecimento dos Estados Unidos, mas não na
Europa e no Japão, porque um dos efeitos da retracção do sistema imperial é que
os Estados Unidos reforçam a sua aderência aos seus protectorados originais. À
medida que o sistema americano encolhe, pesa cada vez mais sobre as elites dos
protectorados (e incluo aqui toda a Europa). O primeiro a perder toda a
autonomia nacional será (ou já são) os ingleses e australianos. A Internet
produziu interacção humana com os Estados Unidos, na Anglosfera, de tal
intensidade que as suas elites académicas, mediáticas e artísticas estão, por
assim dizer, anexadas. No continente europeu, estamos um pouco protegidos pelas
nossas línguas nacionais, mas a queda da nossa autonomia é considerável e
rápida. Recordemos a guerra no Iraque, quando Chirac, Schröder e Putin se
atreveram a realizar conferências de imprensa conjuntas contra a guerra.«
Ele sublinha a importância das competências e da
educação: " Os Estados Unidos são agora duas vezes mais
populosos do que a Rússia (2,2 vezes mais populosa em grupos etários
estudantis). Mas nos Estados Unidos, apenas 7% dos estudantes fazem cursos de
engenharia, enquanto na Rússia são 25%. Isto significa que, com 2,2 vezes menos
estudantes, a Rússia treina mais 30% de engenheiros. Os EUA preenchem o vazio
com estudantes internacionais, mas são na sua maioria indianos e ainda mais
chineses. Trata-se de um problema de segurança e, em todo o caso, o seu número
já está a diminuir. Este é um dos dilemas da economia norte-americana: só pode
competir com a China importando mão-de-obra chinesa qualificada.«
Sobre os aspectos ideológicos e culturais da guerra:
" Quando vemos a Duma russa a aprovar legislação ainda mais repressiva sobre
a "propaganda LGBT", sentimo-nos superiores. Posso senti-lo como um
ocidental comum. Mas, do ponto de vista geo-político, se pensarmos em termos de
poder, isto é um erro. Em 75% do planeta, a organização do parentesco é
patrilineal e pode-se sentir uma forte compreensão das atitudes russas. Para o
colectivo não ocidental, a Rússia afirma um conservadorismo moral reconfortante. »
Continua: " A URSS tinha alguma forma de poder suave
[mas] o comunismo horrorizou fundamentalmente todo o mundo muçulmano com o seu
ateísmo e não inspirou nada em particular na Índia, fora de Bengala Ocidental e
Kerala. Mas hoje, a Rússia, que se reposicionou como o arquétipo da grande
potência, não só anti-colonialista, mas também patrilinear e conservadora dos costumes
tradicionais, pode ser muito mais apelativa. [Por exemplo, é óbvio que a Rússia
de Putin, que se tornou moralmente conservadora, tornou-se solidária com os
sauditas, que tenho a certeza que têm alguns problemas com os debates dos EUA
sobre o acesso das mulheres transgénero às casas de banho.)
Os meios de comunicação ocidentais são tragicamente engraçados, continuam a
repetir: "A Rússia está isolada, a Rússia está isolada". Mas quando
olhamos para os votos na ONU, vemos que 75% do mundo não segue o Ocidente, o
que depois parece muito pouco.
Uma leitura
antropológica desta [clivagem entre o Ocidente e o resto] permite-nos ver que
os países ocidentais têm muitas vezes uma estrutura familiar nuclear com
sistemas bilaterais de parentesco, ou seja, onde o parentesco masculino e
feminino é equivalente na definição do estatuto social da criança. [No resto do
mundo], com a maior parte da massa afro-euro-asiática, encontramos organizações
familiares comunitárias e patrilineares. Vemos então que este conflito,
descrito pelos nossos meios de comunicação social como um conflito de valores
políticos, está a um nível mais profundo de conflito de valores antropológicos.
É este aspecto inconsciente da clivagem e esta profundidade psíquica que torna
o confronto perigoso. »
Aqui tens. Tem ele razão em tudo? Não sei, mas Emmanuel
Todd ainda é certamente um pensador muito singular e interessante, com uma
análise muito diferente das visões deprimentes e previsíveis que normalmente
dominam os meios de comunicação franceses.
O pensamento de Todd rima bem com o de Radhika Desai e Michael Hudson, como
reproduzido no Capitalismo Nu.
Os economistas Radhika Desai e
Michael Hudson explicam a multipolaridade e o declínio da hegemonia americana –
O original aqui
Yves Smith apresenta-o:
Yves aqui. Um
fim-de-semana emocionante de ouvir! Radhika Desai e Michael Hudson lançam um
talk show quinzenal, Hora da Economia Geo-política. O primeiro segmento dá o
panorama geral, a começar pelo colapso do domínio americano e como foi
acelerado, ironicamente, por esforços auto-destrutivos para preservar o sistema.
Parece trivial, neste momento, observar que a defesa dos EUA da sua hegemonia
ajudou a forjar uma forte aliança entre a Rússia e a China. Mas esta parceria
não acabará por dominar outros países e impedir o desenvolvimento de uma ordem
verdadeiramente multipolar?
Boas pistas de reflexão...
Moon of
Alabama
Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.
Fonte: . Emmanuel Todd : «La Troisième Guerre mondiale a commencé» – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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