sábado, 6 de novembro de 2021

FILOSOFIA PARA OS PENSADORES DA VIDA COMUM (Paul LaurendEAU)

 


 6 de Novembro de 2021  Ysengrimus 

YSENGRIMUS — O desenvolvimento histórico não é linear, nem ondulatório, nem pendular, nem cíclico. Avança por vastas fases, em enormes saltos e de forma robusta e irreversível. Grandes mudanças qualitativas estão a ocorrer e o progresso (reconfigurações sociais, avanços tecnológicos, refinamentos intelectuais) está a criar novos estados históricos radicalmente novos.

Surge inevitavelmente uma questão. Existe uma deterioração ou melhoria nas condições históricas? Questiono, entre outras coisas, neste livro, a insuficiência do pessimismo militante. Este último é uma tendência instável que não desarma facilmente. Ele acredita, de boa-fé, dominar a análise de uma situação sociológica pelo simples facto de dizer mal sobre isso, num tom camuflado ou angustiado. Nunca se escapa completamente a tal propensão. E para que o som de uma militância séria e muito envolvida se alinhe na melhor das hipóteses, muitas vezes imaginamos que devemos declamar a situação que estamos a combater em vez de a descrever. Declamar para descrever, não é forte. E esta é toda a ilusão crítica que a depreciação cultiva, como um método de análise barato. O pessimismo militante contemporâneo vegeta numa piscina moralista ilusória. As suas opções ideológicas obrigam-nos a levantar firmemente a questão da sua relevância como verdade. O mau humor social prossegue com uma apreensão adequada do mundo? Ele serve-nos uma espécie de análise ardente que teria refinado a sua raiva, esta versão mal dominada da sua revolta ou a sua missão de revolta? Sinto-me compelido a duvidar fortemente disto.

O enviesamento filosófico que apresentei neste livro, sobre o desenvolvimento histórico, é antes o de avançar com um optimismo militante, baseado numa descrição sólida do factual. A nossa luta pela verdade e a adequação das relações sociais não é uma batalha desesperada. Lutamos por uma causa porque apostamos que esta causa prevalecerá. Numa dinâmica, o pessimismo militante desmoraliza e, como resultado, serve, fundamentalmente, apenas os opositores da nossa visão de mundo. Este último, numeroso e poderoso, adora desespero e pânico silencioso, especialmente entre aqueles que procuram manter em sujeição.

O facto é que o mundo está a melhorar e pode ficar ainda melhor. Melhor ainda. Muito melhor. Em 1870, 70% da população de Londres (a capital do então Império Vitoriano, a primeira do mundo) vivia abaixo do limiar da pobreza. Em 1914, era perfeitamente viável enviar milhões de homens para a morte para apoiar causas nacionais das quais, pessoalmente, não retiravam grande coisa, nem para eles nem para os seus filhos. E estes últimos alistaram-se de novo em 1939. E quase voltámos a alistar-nos pela terceira vez em 1962, durante a Guerra Fria, mas uma espécie de grande travagem planetária aconteceu. E duvido muito que hoje estejamos a recaír... para a história não é apenas o desenvolvimento das massas, é também uma memória colectiva. É também nisto que o filósofo deve pensar, quando pensa.

Ora justamente, queríamos muito que a filosofia fosse um assunto de especialistas. Isso tornou-a suspeita por duas razões. Suspeita primeiro, porque o pensador comum disse a si mesmo que a filosofia não era para eles e gradualmente abandonaram a ideia de que eles também eram geradores de grandes noções cruciais. Em segundo lugar, porque esta filosofia supostamente para especialistas acabou por ser o que realmente é, no final, uma força subversiva e crítica de grande alcance que se prefere encerrar cuidadosamente nas academias em vez de deixá-la inflamar e iluminar as massas da sua visão e luz.

Na realidade, a filosofia está em todo o lado. Todos a praticamos e a mobilizamos sempre que refletimos sobre um problema, grande ou pequeno. Todos procuramos o determinante, o fundamental, a generalização, a verdade. Mas, as coisas da divisão do trabalho intelectual sendo o que são, no nosso pequeno mundo social, não nos encontramos nem mais nem menos do que um tipo de Monsieur Jourdains do pensamento geral: praticamos a filosofia sem o saber.

O meu objectivo neste livro é falar sobre tudo isto, abertamente. Eu aspiro a promover uma racionalidade metódica, comum, usual, não muito complicada, não muito especializada, honesta, directa, sem truques... e que já está muito presente em nós. Observar o mundo filosoficamente é mobilizar um tipo particular de abstracção intermediária. Não devemos permanecer demasiado concretos, mas também não devemos tornar-nos demasiado gerais. Temos de nos manter afastados da realidade que pretendemos apreender. Apenas alto o suficiente para produzir generalizações coerentes e apenas baixo o suficiente para voltar ao concreto e envolver firmemente a acção que o pensamento exige e enquadra. Abstracção intermediária. Isto é algo que é doseado e que emerge, através de observações, reflexões e conversas que nos definem.

Esta obra cultiva, da forma mais simples possível, a forte propensão filosófica que é a dos pensadores da vida comum. É também um propósito que assume explicitamente as suas tomadas de posição. A filosofia nunca é neutra. Não sou um pensador sem corpo, coxo  e macilento. Estou mais com os filósofos modernos do que com os filósofos antigos ou medievais. Estou com filósofos progressistas mais do que com filósofos reaccionários. Estou com filósofos materialistas mais do que com filósofos idealistas. Estou com a Razão mais do que com o Misticismo, mais com o método Socrático  do que com a Didáctica. Sou apenas o modesto organizador das correntes de pensamento que são o lote comum de segmentos importantes de homens e mulheres na sociedade contemporânea.

Hoje, as pessoas querem viver. Querem que os seus filhos e os seus velhos pais estejam bem. As pessoas querem que a riqueza seja devidamente distribuída, que os países emergentes se estabilizem, que a água potável humedeça os lábios de todos, que cesse a sabotagem climática, e que as injustiças, a extorsão, a agiotagem, os abusos de poder de todas as tonalidades terminem. Além disso, se há, sem dúvida, razões para questionar a honestidade de algumas pessoas privilegiadas, é irrelevante duvidar da boa fé colectiva. As massas tendem para configurações sociais ideais. E, uma vez que só se dão os problemas que podem resolver, os das referidas configurações sociais ideais, elas vão resolvê-los. Na hora.

Temos que reconstruir a vida e um dia chegará.

Paul Laurendeau, FILOSOFIA PARA OS PENSADORES DA VIDA COMUM, na ÉLP éditeur, 2021, ePub, Mobi, formatos em papel.

 


 

Fonte: PHILOSOPHIE POUR LES PENSEURS DE LA VIE ORDINAIRE (Paul Laurendeau) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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