6 de Novembro de 2021 Ysengrimus
YSENGRIMUS — O desenvolvimento histórico não é linear, nem ondulatório, nem pendular, nem cíclico. Avança por vastas fases, em enormes saltos e de forma robusta e irreversível. Grandes mudanças qualitativas estão a ocorrer e o progresso (reconfigurações sociais, avanços tecnológicos, refinamentos intelectuais) está a criar novos estados históricos radicalmente novos.
Surge inevitavelmente uma questão. Existe uma deterioração ou melhoria nas
condições históricas? Questiono, entre outras coisas, neste livro, a
insuficiência do pessimismo militante. Este último é uma tendência instável que
não desarma facilmente. Ele acredita, de boa-fé, dominar a análise de uma
situação sociológica pelo simples facto de dizer mal sobre isso, num tom
camuflado ou angustiado. Nunca se escapa completamente a tal propensão. E para
que o som de uma militância séria e muito envolvida se alinhe na melhor das
hipóteses, muitas vezes imaginamos que devemos declamar a situação que estamos
a combater em vez de a descrever. Declamar para descrever, não é forte. E esta é
toda a ilusão crítica que a depreciação cultiva, como um método de análise barato.
O pessimismo militante contemporâneo vegeta numa piscina moralista ilusória. As
suas opções ideológicas obrigam-nos a levantar firmemente a questão da sua
relevância como verdade. O mau humor social prossegue com uma apreensão
adequada do mundo? Ele serve-nos uma espécie de análise ardente que teria
refinado a sua raiva, esta versão mal dominada da sua revolta ou a sua missão
de revolta? Sinto-me compelido a duvidar fortemente disto.
O enviesamento filosófico que apresentei neste livro, sobre o
desenvolvimento histórico, é antes o de avançar com um optimismo militante,
baseado numa descrição sólida do factual. A nossa luta pela verdade e a
adequação das relações sociais não é uma batalha desesperada. Lutamos por uma
causa porque apostamos que esta causa prevalecerá. Numa dinâmica, o pessimismo
militante desmoraliza e, como resultado, serve, fundamentalmente, apenas os
opositores da nossa visão de mundo. Este último, numeroso e poderoso, adora
desespero e pânico silencioso, especialmente entre aqueles que procuram manter
em sujeição.
O facto é que o mundo está a melhorar e pode ficar ainda melhor. Melhor
ainda. Muito melhor. Em 1870, 70% da população de Londres (a capital do então
Império Vitoriano, a primeira do mundo) vivia abaixo do limiar da pobreza. Em
1914, era perfeitamente viável enviar milhões de homens para a morte para
apoiar causas nacionais das quais, pessoalmente, não retiravam grande coisa,
nem para eles nem para os seus filhos. E estes últimos alistaram-se de novo em
1939. E quase voltámos a alistar-nos pela terceira vez em 1962, durante a
Guerra Fria, mas uma espécie de grande travagem planetária aconteceu. E duvido
muito que hoje estejamos a recaír... para a história não é apenas o
desenvolvimento das massas, é também uma memória colectiva. É também nisto que
o filósofo deve pensar, quando pensa.
Ora justamente, queríamos muito que a filosofia fosse um assunto de especialistas.
Isso tornou-a suspeita por duas razões. Suspeita primeiro, porque o pensador
comum disse a si mesmo que a filosofia não era para eles e gradualmente
abandonaram a ideia de que eles também eram geradores de grandes noções
cruciais. Em segundo lugar, porque esta filosofia supostamente para especialistas
acabou por ser o que realmente é, no final, uma força subversiva e crítica de
grande alcance que se prefere encerrar cuidadosamente nas academias em vez de
deixá-la inflamar e iluminar as massas da sua visão e luz.
Na realidade, a filosofia está em todo o lado. Todos a praticamos e a
mobilizamos sempre que refletimos sobre um problema, grande ou pequeno. Todos
procuramos o determinante, o fundamental, a generalização, a verdade. Mas, as
coisas da divisão do trabalho intelectual sendo o que são, no nosso pequeno
mundo social, não nos encontramos nem mais nem menos do que um tipo de Monsieur
Jourdains do pensamento geral: praticamos a filosofia sem o saber.
O meu objectivo neste livro é falar sobre tudo isto, abertamente. Eu aspiro
a promover uma racionalidade metódica, comum, usual, não muito complicada, não
muito especializada, honesta, directa, sem truques... e que já está muito
presente em nós. Observar o mundo filosoficamente é mobilizar um tipo
particular de abstracção intermediária. Não devemos permanecer demasiado
concretos, mas também não devemos tornar-nos demasiado gerais. Temos de nos
manter afastados da realidade que pretendemos apreender. Apenas alto o
suficiente para produzir generalizações coerentes e apenas baixo o suficiente
para voltar ao concreto e envolver firmemente a acção que o pensamento exige e
enquadra. Abstracção intermediária. Isto é algo que é doseado e que emerge,
através de observações, reflexões e conversas que nos definem.
Esta obra cultiva, da forma mais simples possível, a forte propensão
filosófica que é a dos pensadores da vida comum. É também um propósito que
assume explicitamente as suas tomadas de posição. A filosofia nunca é neutra.
Não sou um pensador sem corpo, coxo e
macilento. Estou mais com os filósofos modernos do que com os filósofos antigos
ou medievais. Estou com filósofos progressistas mais do que com filósofos reaccionários.
Estou com filósofos materialistas mais do que com filósofos idealistas. Estou
com a Razão mais do que com o Misticismo, mais com o método Socrático do que com a Didáctica. Sou apenas o modesto
organizador das correntes de pensamento que são o lote comum de segmentos
importantes de homens e mulheres na sociedade contemporânea.
Hoje, as pessoas querem viver. Querem que os seus filhos e os seus velhos pais
estejam bem. As pessoas querem que a riqueza seja devidamente distribuída, que os
países emergentes se estabilizem, que a água potável humedeça os lábios de
todos, que cesse a sabotagem climática, e que as injustiças, a extorsão, a
agiotagem, os abusos de poder de todas as tonalidades terminem. Além disso, se
há, sem dúvida, razões para questionar a honestidade de algumas pessoas
privilegiadas, é irrelevante duvidar da boa fé colectiva. As massas tendem para
configurações sociais ideais. E, uma vez que só se dão os problemas que podem
resolver, os das referidas configurações sociais ideais, elas vão resolvê-los. Na
hora.
Temos que reconstruir a vida e um dia chegará.
Paul Laurendeau, FILOSOFIA PARA OS PENSADORES DA VIDA COMUM, na ÉLP éditeur, 2021, ePub, Mobi, formatos em papel.
Fonte: PHILOSOPHIE POUR LES PENSEURS DE LA VIE ORDINAIRE (Paul Laurendeau) – les 7
du quebec
Este
artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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