terça-feira, 23 de novembro de 2021

Questão Nacional e Revolução Proletária Sob o Imperialismo Moderno

 


Capítulo 2

Ferguson, Minneapolis, Dallas,

        O mesmo combate

 

Robert Bibeau

 

Tomemos alguns instantes para observar, a partir de um exemplo concreto, a maneira como a burguesia, através dos média a seu soldo e com a cumplicidade da pequena burguesia esquerdista, transforma uma luta de resistência de classe- contra- classe num conflito inter-racial reaccionário. É falso pretender que o assassinato de cidadãos negros pela policia americana constitui um lapso, ou erro de um polícia demasiado zeloso, inexperiente ou aterrorizado, ou ainda uma agressão racista. Não é a população americana que aterroriza a polícia, é a polícia que aterroriza os proletários americanos de todas as raças, de todas as cores e de todas as origens étnicas.

Mais de 500 cidadãos americanos caíram sob as balas da polícia em 2016, e a hecatombe prosseguiu em cada ano com o aval implícito, senão a recomendação explícita, das autoridades americanas. Nos Estados Unidos, além da pena de morte judiciária, o Estado pratica também a pena de morte extra-judiciária, preventiva, repressiva, exactamente como o exército americano no estrangeiro a aplica nas diferentes frentes dos seus empenhamentos mortíferos. Khadafi e Ben Laden foram duas vítimas célebres, como outras menos conhecidas. No tempo do presidente Obama, em cada terça-feira no gabinete oval, eram condenados à morte indivíduos, sem processo, pelo chefe da Casa Branca, receptário do prémio Nobel da Paz!

Esta política sistemática de repressão policial, especialmente contra o proletariado negro, mas também contra os latinos, contra os SDF, contra os Autoctones, contra os escravos asiáticos das lojas de doces da miséria e contra os emigrantes clandestinos, faz-se sem discriminação racial, contrariamente às mentiras que propagam os média do capital. Esta repressão visa não esta ou aquela raça, etnia ou minoria, mas tem por alvo sobretudo a classe social proletária, o lúmpen proletariado, os SDF sacrificados, a fim de aparecer exemplar às populações locais e aterrorizá-las. A mensagem subjacente a estas milhares de mortes policiais é a seguinte: “ Povo de miséria, proletário em cólera cada vez mais pobre, não resisteis às vossas condições de existência e de alienação, senão nós vos mataremos sem remissão, para vos aterrorizar, como podeis observar nestes vídeos difundidos nas redes sociais”.

Em resumo, a morte policial de Minneapolis participa de um plano estadual terrorista, visando aterrorizar a população americana resistente… qualquer que seja a raça ou a cor das pessoas assassinadas na rua.

Como sempre escrevemos, o proletariado americano é o mais evoluído, o proletariado mais avançado, o que vive sob a ditadura capitalista mais degenerada, a mais depravada, a mais desesperada e a mais terrorista, porque a mais amedrontada e a mais consciente da sua pertença de classe. A situação económica do imperialismo americano é catastrófica – o que obriga o capital ianque a acrescer as suas pressões sobre o proletariado estaduniense além do imaginável e isso simplesmente para se manter à tona, a cabeça acima da crise sistémica que o capital dos Estados Unidos já perdeu às mãos dos seus concorrentes imperialistas estrangeiros (a China, nomeadamente), a Alemanha e a Europa igualmente.

O que os capitalistas americanos acabam de aprender há dois anos em Ferguson e em Dallas (5 polícias mortos e 7 feridos) é que o proletariado americano está armado e é perigoso, e que se eles não se deixam enganar pelas fábulas racistas do tipo: negros – contra latinos – contra brancos – contra autóctones – contra a pantera negra  e outras estupidezes racistas como os media a soldo propagam, então a burguesia americana poderá estar em perigo face à subida da resistência de classe do proletariado estaduniense, sem distinção de raça nem de  etnia. Não são os negros que são visados pelos assassinatos policiais, mas sim os resistentes proletários em cólera. Mas atenção: o proletariado não é terrorista, nem anarquista, nem individualista, e responderá, enquanto classe consciente e organizada, colectivamente solidária, às provocações do capital  americano deteriorado.

 

 

Capítulo 3

Os marxistas e a questão nacional

                      Pierre Souyri

 

Neste capítulo, apresentamos as Notas de leitura de Pierre Souyri, publicadas nos Anais de Julho de 1979, no volume de Georges Haupt, Michel Lowy, Claudie Weill, intitulado The Marxists and the National Question, 1848-1914. Integramos os nossos comentários  nas suas anotações,  identificando-os com as letras NDLR.

Pierre Souyri escreveu aqui, a propósito do marxismo e da questão nacional "Ao elaborar este dossier que reúne alguns dos textos cuja publicação marcou as tomadas de posição, por sua vez complementares e opostas, os teóricos da II Internacional sobre a questão nacional, G. Haupt, M. Lowy e C. Weill tiveram o cuidado de não privilegiar as concepções dos bolcheviques. Essa escolha não teve apenas a vantagem de dar a conhecer aos leitores os pontos de vista que a hegemonia do marxismo russo havia atirado para o esquecimento; permite, também, romper com uma representação banal e portanto insustentável que ordena a história das teorias marxistas, como se existisse um marxismo constituindo um sistema coerente e completo, do qual os bolcheviques teriam recapturado a metodologia e os conceitos para desbloquear, finalmente, aquilo em que todos os outros teóricos da época da II Internacional, haviam consecutivamente errado , sobre a solução justa e necessária da questão nacional, como de resto de todas as outras.

Quando os teóricos que se reclamam de Marx são constrangidos pelas circunstâncias - a ascensão do nacionalismo na Europa Oriental e depois na Ásia - a repensar a questão das nacionalidades das quais Marx e, acima de tudo, Engels, estavam preocupados principalmente na época das revoluções de 1848, eles encontram nos escritos dos "pais fundadores" apenas indicações fragmentárias, às vezes contraditórias e, em qualquer caso, muito fortemente datadas. Marx e Engels, que pensavam que o antagonismo entre capital e trabalho era a fonte essencial do processo histórico da sociedade moderna, haviam concedido à questão nacional apenas um estatuto marginal e subordinado.

Este último apenas os interessou na medida em que a questão nacional interferisse na luta de classes e que a formação de grandes nações pudesse favorecer o crescimento do capitalismo ao mesmo tempo que a recusa proletária da sociedade burguesa. Não levando em consideração as aspirações nacionais senão sob a perspectiva das suas possíveis consequências para a luta de classes, Marx e Engels não consideraram legitimas senão as lutas nacionais que pudessem enfraquecer a contra-revolução europeia. Daí o apoio ao nacionalismo polaco contra o poder do czarismo e, mais tarde, ao nacionalismo irlandês, cuja vitória, acreditavam, promoveria tanto a intensificação das lutas sociais em Inglaterra quanto na Irlanda. Daí também a hostilidade furiosa contra os eslavos do sul que foram usados ​​pela contra-revolução em 1848 e o ódio ao pan-eslavismo, que consideravam ser o instrumento da expansão russa. Engels, especialmente, multiplicou contra os eslavos do sul os epítetos ofensivos. Lowy, que apontou algumas das previsões mais infelizes de Engels sobre o futuro das nações eslavas e outras, mostra, no entanto, que a fúria de Engels é a fúria de um revolucionário, e não a de um chauvinista alemão e um Slavophobe cego. Conduzindo uma análise superficial e errónea das causas da contra-revolução, Engels enjeita injustamente toda a responsabilidade para os eslavos, sem perceber que o fracasso das revoluções de 1848-49 tem raízes de classe mesmo no coração das nações revolucionárias. "

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     “Quanto a nós, contrariamente a Souyri, não vemos nações revolucionárias proletárias. E, se existem nações revolucionárias, serão necessariamente nações revolucionárias burguesas, aspirando ao capitalismo como modo de producção, assegurando o seu pleno desenvolvimento nacional, até à sua negação e até à sua ultrapassagem. Durante dois séculos, a esquerda foi incapaz de compreender que as derrotas das revoluções proletárias do século XIX e do século XX se explicam não por erros tácticos, mas pelo sub-desenvolvimento do modo de produção capitalista, que não tinha atingido o seu estádio último – imperialista - e, em consequência ao subdesenvolvimento demográfico, económico, político e ideológico do seu coveiro, a classe proletária. É impossível conduzir uma revolução proletária anti-capitalista numa sociedade camponesa feudal ou numa sociedade capitalista em pleno desenvolvimento. O que a sociedade alemã post-espartaquista provou, estrebuchando e tomando relevo  até à época moderna, quando enfim atingiu a maturidade revolucionária proletária” NDLR

Pierre Souyri continua "Além disso, o mesmo Engels que atribuiu  na ocasião uma essência reaccionária aos povos eslavos, contudo, não deixou de apelar, em 1848, ao derrube do Império dos Habsburgo, que era um obstáculo à libertação dos eslavos e dos italianos. O facto é que Engels analisou problemas nacionais usando repetidamente o conceito hegeliano e estranho ao materialismo histórico de "povo sem história", sem que Marx formulasse a menor crítica ao hegelianismo pré-marxista do seu companheiro. Quando as gerações posteriores são compelidas a actualizar a questão das nacionalidades na teoria marxista, elas partem de um legado que é dos mais incertos e G. Haupt sublinha todas as dificuldades com que as suas inciativas se vão deparar. "

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O leitor terá notado aqui a posição intelectual pequeno-burguesa que adopta Pierre Souyri que põe o problema em termos do reactualizar a questão das nacionalidades na teoria marxista, como se um revolucionário proletário tivesse de se preocupar com uma postura teórica marxista face a um problema que é posto pela revolução. Um revolucionário proletário tem o dever de encontrar uma resposta revolucionária proletária para um problema prático posto pela organização da revolução proletária. Veremos mais adiante o que um proletário deve fazer a propósito da questão nacional burguesa. Não é o enriquecimento teórico do marxismo que nos preocupa, mas o avanço da revolução” N.D.L.R.

Pierre Souyri acrescenta: "Antes do mais, dificuldades ligadas à terminologia e aos conceitos que nem sempre permitem diferenciar claramente os Estados, nações e nacionalidades e que fazem surgir incertezas e controvérsias tanto mais vivas, quanto mais os marxistas estão captivos dos modelos ocidentais da formação das nações que não lhes permite compreender o que está prestes a acontecer na Europa central e sul-oriental no final do século XIX. Aí, ao contrário do que havia acontecido nos países ocidentais, onde os estados tinham sido os instrumentos para agrupar e unificar as nações, os estados só aparecem na última etapa, muito depois de que as nações começaram a afirmar-se lentamente tomando consciência de si mesmas como comunidades de língua e cultura. Além disso, os marxistas frequentemente tinham que violentar os seus próprios hábitos de pensamento para admitir que não havia apenas, como disse J. Guesde, "duas nações; a nação dos capitalistas, da burguesia, da classe dos possuidores, de um lado, e do outro a nação dos proletários, da massa dos deserdados, da classe trabalhadora "e que o proletariado poderia sentir-se preocupado por reivindicações nacionais, e não apenas as suas camadas mais recuadas e mal libertas da ideologia burguesa. G. Haupt mostra como, no final do século XIX, o progresso da industrialização no Império de Habsburgo perturbou a composição social e nacional do proletariado e trouxe sob a bandeira dos trabalhadores alemães qualificados uma massa de manobras resultantes das várias nacionalidades do Império  que se sentem social e nacionalmente oprimidas."Ser checo em Viena é ser proletário". Portanto, recusar ter em consideração as aspirações nacionais ou a prestar-lhes apenas uma atenção relutante em nome de um rigoroso internacionalismo de princípio equivale a confinar o socialismo  a posições petrificadas que correm o risco de torná-lo estranho ao proletariado real. À medida que o socialismo se espalha para a Europa Oriental e depois para países não europeus, os marxistas vêem-se forçados a reformular a sua problemáticas da questão nacional e a reconsiderar a sua visão do movimento histórico. É necessário que"desocidentalizem" o marxismo, admitir que não é verdade que a crescente internacionalização da vida económica seja suficiente para produzir uma homogeneização da civilização e das culturas, abrindo a perspectiva de ir além das peculiaridades nacionais e que existem, pelo menos, contradições que fazem com que a penetração do capitalismo nos "povos sem história" resulta não só na sua assimilação, mas no seu despertar nacional. "

 

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À força de pesquisar para justificar o nacionalismo chauvinista, Souyri acaba por encontrar alguns esqueletos no armário.

Não faz aqui nada de original. Todos os nacionalistas chauvinistas vos dirão que é preciso ser nacionalista, visto que o proletariado está empedernido – contaminado- de ideias nacionalitas– tal como de ideias religiosas -de aspirações burguesas – de cultura burguesa- mesmo quando muitas vezes o proletariado creia que não existe, enquanto classe social- visto que toda a propaganda dos média burgueses nega a sua existência. “ Numa sociedade de classes, as  dominantes são as da classe dominante”. Numa sociedade capitalista nacionalista burguesa, as ideias dominantes são as da classe burguesa, até ao dia em que a própria burguesia se veja forçada a repudiar a sua própria ideologia nacionalista, para a fazer evoluir em direcção ao internacionalismo imperialista, a fim de se conformar às necessidades dos mercados internacionais; às migrações dos proletários, em marcha para os novos locais de exploração; às necessidades e expropriação das riquezas naturais; e às necessidades de importação de mercadorias e de capitais vindos de horizontes internacionais. Souyri não teria escrito isto se tivesse simplesmente compreendido que os frutos internacionalistas amadurecem entre as burguesias ex-nacionalistas que se tornam mundialistas. Assim, qual é a importância que nos países do Oeste, os Estados tivessem os instrumentos de junção e de unificação das nações, enquanto que a Leste, os Estados não aparecem senão na última etapa, muito tempo depois que as nações tenham começado a afirmar-se, tomando lentamente consciência de si mesmas como comunidades de “língua e de cultura”?  Hoje, o império soviético foi balcanizado – fragmentado em Estados-nações libertados, dominados – espoliados por um punhado de monopólios imperialistas gigantes representados por marionetas políticas nacionalistas. Por vezes, é suficiente esperar que a roda da história complete o seu ciclo para ver o mundo sob uma luz diferente. Houve um tempo em que o capital era nacional, hoje tornou-se internacional como o proletariado, a classe que o derrubará. Para os proletários revolucionários é reaccionário amantizar-se com a pequena burguesia reformista e com o pequeno capital nacional para tentar travar a marcha da história mundial pela emergência e depois o afundamento do imperialismo declinante.” NDLR.

Pierre Souyri, prosseguindo a sua crítica escreve "Nesta evolução histórica do marxismo, a contribuição dos austríacos, especialmente Otto Bauer, é um marco. Sem dúvida, os austro-marxistas estão especialmente preocupados em impedir o colapso do império multinacional reunido pelos Habsburgos e em conter as forças centralistas que ameaçam desintegrar o seu próprio partido. Essa preocupação levou Otto Bauer a desenvolver uma concepção de nacionalidade que amputa o problema da sua dimensão política e ignora o carácter de classe das producções culturais. O. Bauer também será atacado pela extrema esquerda do movimento socialista - A. Pannekoek e Strasser, que persistem em considerar que não pode haver interesses nacionais específicos para o proletariado – a não ser para Kautsky, que não admite que o advento do socialismo possa ser acompanhado por um aprofundamento das diferenças nacionais e pelos bolcheviques que questionarão as concepções "psicoculturais" da nação desenvolvidas pelos austro-marxistas e as soluções que proclama a social-democracia austríaca para resolver a questão nacional. No entanto, os teóricos vienenses ajudaram a abalar a inércia da II Internacional. A sua pesquisa abriu o caminho para a ideia de que o nascimento das nações não pertencia necessariamente ao passado da Europa e do mundo, e que o internacionalismo proletário não poderia virar as costas às aspirações das nacionalidades oprimidas. 

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Perdoar-nos-ão (Relevar-se-nos-á) esta repetição, mas o argumento é recorrente. O que são as aspirações das nações oprimidas? Que nações oprimem as nações oprimidas? Uma certa esquerda burguesa do Quebec foi  ao ponto de inventar a “classe nação quebequense francófona oprimida” (sic), ficando a pertença de classe fixada pela língua dominante em cada uma dessas comunidades. Esta mística fascista provinha dos social-fascistas alemães, austríacos, franceses e outros. Uma nação é composta por uma comunidade humana que antes de ter semelhanças linguísticas, morais e culturais é em primeiro lugar movida por antagonismos de classe. Uma pequena porção (burguesa) da nação explora uma grande porção (proletária) da nação e esta é a maior de todas as contradições sociais. Uma porção da nação está disposta a conduzir a guerra nacional, até ao último proletário se necessário, enquanto que uma outra porção da nação aspira à paz até ao último burguês. Assim, uma pequena porção quebequense francófona tornou-se rica, próspera, explorando o trabalho assalariado dos proletários quebequenses e exigindo sempre mais ajudas do Estado burguês. Nos dias de hoje, esta porção da nação é proprietária de grandes conglomerados internacionais, enquanto que uma grande parte da nação quebequense francófona e anglófona está crivada de dívidas, vende quotidianamente a sua força de trabalho a preço vil – recebe sempre menos do serviço do Estado nacional quebequense e migra para fora do lar nacional para achar emprego em inglês ou em francês. Os proletários abandonaram toda a região e desinteressam-se da política burguesa demagógica. A situação é idêntica entre as duas classes antagónicas que compõem o resto do conjunto canadiano maioritariamente de língua inglesa. A situação é idêntica entre as nações ameríndias. Que nações são oprimidas e que nações oprimem no Quebec e no Canadá? Nenhuma. Podemos identificar uma classe social oprimida – independentemente da língua de uso dos seus membros e podemos identificar uma classe social opressora – independentemente da língua de uso dos seus aderentes. Um capitalista anglófono canadiano explora os proletários canadianos, não explora os capitalistas da nação quebequense com os quais cruza negócios, e inversamente para os capitalistas quebequenses com negócios com os capitalistas do resto do Canadá e do mundo inteiro. Os interesses dos capitalistas quebequenses não têm nada em comum com os dos proletários do Quebec. Voltaremos a estas questões”. NDLR

Voltemos às notas de leitura de Pierre Souyri: "Quando, na véspera da guerra, Lenine aborda a questão nacional, a sua reflexão pode basear-se em toda a pesquisa realizada desde Marx, que expandiu e transformou bastante o campo socialista teórico. Mas consegue retomar quase completamente o problema das relações entre as aspirações nacionais e o socialismo, porque o considera em função do tema das desigualdades de crescimento que o capitalismo imprime ao processo histórico e às incompatibilidades que ocorrem nos países mais atrasados entre as tarefas democráticas burguesas e as tarefas proletárias da revolução. A eliminação das peculiaridades nacionais pelo desenvolvimento do capitalismo, que Kautsky havia enfatizado há muito tempo, está a tornar-se uma realidade, mas no século XX  torna-se contemporâneo de um despertar nacional causado pela expansão do capital imperialista em direcção aos países atrasados. Esses dois movimentos não são necessariamente contraditórios, na medida em que cabe ao movimento proletário levar a revolução democrática até ao fim, cujas aspirações nacionais são apenas um elemento. No sistema teórico de Lenine, o nacionalismo dos povos oprimidos é assim integrado numa estratégia coerente da revolução. Faz parte de um processo mais geral através do qual a realização das aspirações nacionais prepara o declínio dos particularismos nacionais e é até a condição. Tanto como para  Marx ou Rosa Luxemburgo, as aspirações nacionais não têm para Lenine um interesse intrínseco. Eles não são reconhecidos senão para serem utilizados com a finalidade de um movimento que implica a sua superação. No entanto, é impossível não notar hoje que a concepção leninista não resistiu ao teste dos acontecimentos. Lowy mostra que a história nega constantemente as concepções e previsões de Engels. Mas, por razões diferentes, o mesmo se aplica a Lenine. A maioria das nações que se formaram após 1918 e após a desintegração dos impérios coloniais não se baseou na subordinação das aspirações nacionais ao movimento proletário. O inverso costuma ser o caso: mesmo em países onde havia um movimento operário, este deixou-se integrar na luta nacional e tornou-se uma mera força de reforço do nacionalismo que redundou na formação de estados burgueses ou de estados burocráticos que encontraram o seu principal apoio na guerrilha camponesa. A grande estratégia concebida pelos bolcheviques é coerente apenas no abstrato ou no imaginário dos teóricos: não encontrou na prática uma correspondência. " 

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“A grande estratégia concebida pelos bolcheviques como o escreve aqui Pierre Souyri, não sofre de incoerência nem de falta de correlação prática. Os bolcheviques encontraram-se à cabeça de uma revolução democrática burguesa antifeudal conduzida pela burguesia russa dirigida por Kerenski e apoiando-se num imenso campesinato submetido e esfomeado ao qual os bolcheviques carrearam o apoio do pequeno proletariado russo nascente, tão nascente como era o modo de producção capitalista industrial na Rússia czarista. Os bolcheviques arrancaram a direcção desta revolução burguesa a Kerenski, ligando-se ao campesinato graças ao slogan reformista “Pão, Paz, Terra”. Como excelente táctico, Lenine forjou uma teoria adaptada a esta prática da luta de classes num contexto de guerra de libertação nacional burguesa que ele empandeirou com os epítetos de “anti-imperialista e socialista”, imaginando mesmo um novo modo de producção a cavalo entre o capitalismo e o comunismo, que chamou de socialismo da Nova Economia Política (NEP). A revolução russa era efectivamente uma revolução anti-imperialista, mas não contra o imperialismo moderno, fase última do modo de producção capitalista, mas contra o imperialismo feudal decadente, que terminava a sua existência e devia deixar o lugar, como o havia feito vários anos antes nos países da velha Europa, ao modo de producção capitalista emergente – uma tarefa revolucionária talhada por medida pela burguesia revolucionária, mas não certamente pelo proletariado nascente, que deveria esperar ainda um século. É aí que estamos hoje. O imperialismo moderno capitalista completou a sua expansão até nas planícies do Ganges e do Ianqusé. Eis a rosa proletária do mundo inteiro: cabe-vos a vós dançar. NDLR.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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