Capítulo 1
Questão Nacional e revolução
proletária
Robert
Bibeau
Nação e Estado-nação, Dois Estandartes
da Esquerda Burguesa
Nação
e Estado-nação são as formas singulares das relações de producção geradas pelo
modo de producção capitalista (MPC). Quando este modo de producção atingiu o
seu apogeu e a contradição fundamental que rege este sistema começou a entravar
a valorização do capital; quando as relações de producção nacionais pareceram
demasiado estreitas para permitirem a reprodução alargada do capital e o desenvolvimento
das forças produtivas sociais, nação e Estado-nação tornaram-se entraves de que
o MPC procurou desembaraçar-se, esperando assim gerar uma nova era de
prosperidade mundializada. Em 1971, a revogação dos acordos de Bretton Woods pôs fim aos entraves
monetários perante a imperiosa urgência de liberalizar e democratizar as trocas
internacionais. Os esforços para transformar o dólar americano em divisa do
comércio internacional, da mesma maneira que, em consequência das malversações
para fazer emergir o euro como divisa alternativa do comércio mundial, ou
ainda, as maningâncias para com ele substituir o yuan nacional chinês ou os
direitos de saque especiais (DTS), demonstram as dificuldades do sistema
financeiro mundializado.
Nem a preservação nem a conversão das
relações de producção nacionais poderão assegurar a perenidade deste modo de
producção moribundo. A contradição fundamental que rege este sistema não se
situa entre as forças produtivas internacionais e as relações de producção
nacionais, mas no próprio seio das forças produtivas sociais, entre o capital
morto – constante - robotizado e digitalizado, - já valorizado absorvendo o capital
vivo – variável – a força de trabalho social geradora da mais-valia, mas ainda não validada
pela colocação em marcha dos produtos, eis todo o drama deste modo de producção
e o limite da sua expansão.
A classe proletária internacional não deve meter-se a reboque das
burguesias nacionais para tentar preservar as relações de producção nacionais
submetidas às vicissitudes das crises sistémicas do capitalismo mundializado.
As estruturas nacionais burguesas desusadas são inoperantes perante a crise
sistémica do modo de produção capitalista. Todas as estruturas nacionais e ou
multinacionais do capitalismo GNU, CPI, FMI, BM, OCDE, OTAN/NATO, União Europeia, Organização de Cooperação de Shangai,
Comunidade dos Estados Independentes, são obsoletas e devem ser destruídas pela
insurreição popular. Em caso algum, o Estado nacional burguês pode tornar-se um
agente da emancipação da classe operária. Ao contrário, o Estado nacional
burguês e a ideologia nacionalista burguesa que pretende legitimá-lo são os alienadores
da opressão da classe operária, única classe revolucionária sob o capitalismo
decadente. Depois da emergência do imperialismo moderno, fase última do modo de
producção capitalista, as lutas ditas de “libertação
nacional anti-imperialista“ são guerras reaccionárias conduzidas pelas
burguesias nacionais chauvinistas para assegurar o seu estatuto de guardiães
dos interesses de uma aliança imperialista contra outra.
APOGEU E DECLÍNIO DO IMPERIALISMO AMERICANO
Os Estados Unidos da América, primeira potência imperialista do séc. XX,
foram inexoravelmente empurrados contra a França (com a aquisição da Luisiana
em 1803), contra o Canadá (guerra de 1812), contra os restos do Império
espanhol (1819), contra o México (1845-1853), e depois duas facções do capital
americano viraram-se uma contra a outra, a Confederação esclavagista do Sul
contra a União Capitalista do Norte (1861-1865). Mais de 620.000 trabalhadores-soldados
perderam a vida nesta guerra nacional, pois, refeita a unidade, a marcha sanguinária para o
Norte foi retomada. Mais tarde, ambas atacaram o Império
comercial e industrial britânico e o segundo império francês, que desintegraram
a fim de impor o imperialismo moderno – financeiro - no lugar do imperialismo colonial-comercial,
antigo, que não podia seguir porque provocava a ira e sublevações constantes
das burguesias nacionais coloniais, desejando-se libertar politicamente das
metrópoles opressivas, a fim de pôr como intermediários nacionais da exploração
da força de trabalho, local, entregando eles mesmos a mais-valia ao
imperialismo mundializado, globalizado. Todas as guerras ditas de libertação nacional apoiam-se neste
ponto crucial: qual a parte da exploração de trabalho assalariado local que
será entregue aos capitalistas estrangeiros? É o que o presidente americano
Teodoro Roosevelt compreendeu antes de Lenine e dos bolchevistas, sentimento nacionalista
chauvinista que os EU exploraram para desalojar as ex-potências coloniais
comerciais concorrentes e aí substituir
o imperialismo financeiro, sobre
o qual Lenine escreveu brilhantemente,
explicando que mesmo quando oposto ao capitalismo colonial e comercial,
o imperialismo financeiro não explora
menos a classe proletária, única produtora da mais-valia e inimiga jurada do capitalismo mundializado.
Quando parecia evidente que os bolcheviques não entendiam partilhar os
frutos da exploração do proletariado nacional soviético com o imperialismo
ocidental, o conflito degenerou em guerra total
entre o império dos sovietes e o império ocidental, dirigido primeiramente
pela Europa e em seguida pela América. A
guerra a acabar entra então numa fase em que, após muitas desventuras, se
concluiu em 1991, com o triste Sr. Boris Eltsine, inimigo lambe-botas (lisonjeador, bajulador) mortuário
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Durante um século, os Estados Unidos foram os aliados das burguesias
nacionalistas terceiro-mundistas (pseudo não-alinhadas), desejosas de partilhar
com os negociantes de guerra ocidentais uma parte da mais-valia produzida
localmente.
E todos vimos Mandela pavonear-se
sobre as estradas do anti-apartheid onusino (que os sul-africanos percorrem ainda hoje). Ho Chi Minh, Chou Enlai, Pol Pot, Ceausescu, Tito, Nasser, Gandhi, e os outros, todos felizes de
colaborar com o capital americano para obter a sua pitança nacional, mais abundante
do que a que lhes propunha Estaline, Krouchov e Brejnev, dirigindo a partir de um império industrial ultrapassado, pré-financeiro.
Hoje vemos Castro – o irmão do outro -
que empreende a sua viagem a Canossa a fim de obter um salvo conduto dos Estados Unidos para a sua integração
no modo de producção capitalista.
Não se pode conduzir uma guerra anti-imperialista que não seja também
uma guerra anti-capitalista, anti-nacionalista e anti-burguesa. Todas e cada
uma destas lutas ditas de libertação política nacional conduziram à consolidação
de facções capitalistas nacionalistas e à alienação da classe proletária
nacional. Seja a URSS, a China, a Coreia
do Norte, o Vietname, o Cambodja, a Argélia, Cuba, Angola, a Nicarágua,
a Etiópia, os países de Leste, a
Albânia, a África do Sul, o Nepal ou a Palestina, etc., outras tantas experiências nacionalistas que sem
a eliminação do modo de producção capitalista, fonte de todas as alienações, se
tornaram um desastre para a classe proletária alienada desses países gangrenados
e que devem hoje libertar-se das suas novas algemas.
Reforma
ou Revolução?
É todavia verdade que nas vãs tentativas para salvar o seu capital e o
seu modo de produção moribundo, a classe capitalista internacionalista tenta
desmantelar as antigas relações de producção e as antigas estruturas de
governação nacional para as transformar em qualquer coisa de multinacional, mas
tendo as mesmas funções económicas, políticas, jurídicas, diplomáticas e
militares exploradoras e repressivas. Estas transformações do aparelho de
governação imperialista não visam transformar a essência do modo de producção
capitalista, mas adaptá-las às exigências novas da economia política
imperialista moderna. Os esforços dos populistas e dos esquerdistas para orientar
estas reformas não constituem contribuições à substituição do capitalismo, como
também não sucedia com os artesãos luddistas
que destruíam as máquinas de fiar na Inglaterra do século XIX o que não
contribuíu para emancipar o proletariado britânico. Assim, o Brexit
não é uma resistência ao imperialismo estadunidense, mas uma adesão ao
imperialismo chinês, ou um pedido de renegociação das entidades com o
imperialismo europeu que, tanto uma como outra não trarão nada ao proletariado
britânico. Estes fúteis esforços da parte da oligarquia reformista não fazem
senão prolongar a agonia deste modo de producção moribundo, da mesma maneira
que os cânticos da direita nacionalista e as lamúrias da direita reaccionária para
preservar as velhas castas (coquilles) nacionais.
É o modo de producção que deve ser substituido. A única solução consiste
em criar um novo modo de producção não socialista mas proletário comunista.
Deste novo modo de producção surgirão novas relações de producção adaptadas a
esta nova maneira de produzir, de comunicar, de distribuir as trocas, de
repartir não as mercadorias, substituidas pela mais valias espoliadas, mas dos
bens sociais que servem à reprodução colectiva da vida em sociedade, pois é preciso nunca esquecer que a finalidade de o todo o modo de producção é
assegurar as condições de reprodução da vida humana. Sabemos muito poucas
coisas a propósito deste novo modo de producção proletário comunista e do nome
da classe que o fará surgir das suas mãos, da sua experiência e dos seus
conhecimentos. As únicas coisas que sabemos com certeza é que este modo de
producção será internacional, global, ao serviço do Homem – sem classe social –
não mercantil (adeus mercadoria, mais-valia, lucro, moeda, capital, propriedade
privada, salariato e Estado). Este novo modo de producção não se assemelhará
sobretudo ao que nós conhecemos sob o capitalismo nas suas declinações
ocidental, soviética, chinesa, cubana, coreana, vietnamita, albanesa, ou
terceiro-mundista. Nós sabemos igualmente que este novo modo de producção proletário,
que não responderá às finalidades de reprodução alargada do capital como modo
de luta contra a escassez, virá a
preencher todas as necessidades sociais e humanas, finalidade última de um modo
de producção socializado.
Marx Escreveu
Marx pôs em guarda o proletariado internacional contra o nacionalismo
burguês reaccionário e inscreveu no Manifesto estas duas máximas: “O proletariado
não tem pátria” e “Proletários de todos os países uni-vos!”
Para introduzir a insurreição popular, e depois a revolução proletária, Marx
não apelou aos “povos oprimidos, às nações
exploradas”, aos camponeses
empobrecidos, nem aos pequeno-burgueses esfomeados. Quando Marx
constatou que as condições objectivas da revolução proletária não estavam de
modo nenhum reunidas no princípio do capitalismo triunfante, apelou à
dissolução da Primeira Internacional evitando-lhe tornar-se uma oficina de caciques reformistas
- e de pequeno-burgueses parasitas, estipendiados
pelo poder burguês alimentado
pelas cotizações da classe operária espoliada.
Eis um extracto da correspondência de Marx justamente relativa a estas divisões nacionalistas chauvinistas manipuladas
pelo capital vitoriano para dividir as forças do proletariado internacional no
seio do Império Britânico: “a Inglaterra tem agora uma classe operária
cindida em dois campos inimigos: proletários ingleses e proletários irlandeses.
O operário inglês ordinário detesta o operário irlandês como um concorrente que
baixa o seu nível de vida. Sente-se
ao seu lado como membro de uma nação dominadora, tornado, por esse facto, um
instrumento dos seus aristocratas e capitalistas contra a Irlanda e consolida
assim o seu poder sobre si mesmo. Os
preconceitos religiosos, sociais e
nacionais erguem-no contra o operário irlandês. Conduz-se em relação a ele mais ou menos como os
“brancos pobres” em relação aos negros dos antigos Estados esclavagistas da
União Americana. O irlandês devolve-lhe largamente a
parada. Vê nele ao mesmo tempo o
cúmplice e o instrumento cego da dominação inglesa na Irlanda. Este antagonismo
é entretido artificialmente e espicaçado pela imprensa, pelos sermões e pelas
revistas humoristicas, em suma, por todos os meios de que dispõem as classes no
poder. Este antagonismo constitui o segredo da impotência da classe operária
inglesa a despeito da sua boa organização. É também o segredo da força
persistente da classe capitalista, que se dá disso perfeitamente conta.”
Lenine e os bolcheviques fizeram exactamente o contrário do que Marx
recomendava. Na Rússia czarista feudal – pré-capitalista – constituíram-se em
partido político nacionalista russo – em seita militar secreta
russa – sob directório pequeno-burguês russo; apoderaram-se da direcção da
revolução democrática burguesa sustentada pelas massas camponesas analfabetas, apressadas
em expropriar e partilhar a terra e os meios de producção agrícolas, a fim de
erigir o modo de producção capitalista mercantil, depois industrial sob o nome
de Nova Economia Política (NEP). De
facto não podia haver aí nova economia política socialista, intermediária entre
o capitalismo e o comunismo, e a Rússia czarista feudal não podia gerar senão o
modo de producção capitalista prévio à revolução proletária do futuro. O modo
de producção socialista fez apelo às
modalidades da edificação do capitalismo de Estado na União Soviética. Para a
Revolução de Outubro, os bolcheviques colocaram o pequeno proletariado russo,
fraco e inexperimentado, a reboque do campesinato ávido e da pequena burguesia cupida, e não podia ser de outro modo, dado o estado
lamentável da economia czarista.
Lembremos que a revolução
proletária não é uma revolta da miséria e da pobreza contra as desigualdades,
as injustiças ou contra a opulência e a riqueza dos milionários, como o crê
todo o pequeno burguês, amargo por não receber o que considera a sua justa parte
social. A insurreição popular será a
substituição pela população espoliada do modo de producção capitalista paralisado,
e não a tomada socialista do aparelho
de Estado capitalista como o praticaram as esquerdas burguesas nos diferentes países
socialistas, todos tornados
capitalistas. A revolução proletária
que a seguirá assegurará a edificação do modo de producção proletário
comunista. A revolução nacionalista bolchevique e as outras revoluções
anti-coloniais demonstram que um modo de producção não pode ser escamoteado nem
contornado. Para conduzir uma revolução anti-capitalista
é preciso viver sob o modo de producção capitalista. Para conduzir uma revolução
proletária, é preciso uma classe proletária, plenamente desenvolvida, educada,
experimentada na luta de classe anti-capitalista, em primeiro lugar na frente
económica, depois na frente política e enfim na frente ideológica da luta de
classes. Na Rússia, a revolução democrática nacional burguesa derrubou a ordem
feudal e assegurou a edificação de uma sociedade capitalista que Estaline realizou com mão de mestre, para além de toda a esperança sob
a maneira como o capital alemão iria aprendê-lo, provando assim que o
nacional-bolchevismo russo era mais eficiente que o nacional-socialismo alemão.
Setenta anos mais tarde, a
obra nacionalista bolchevique – estaliniana -
russa iria conhecer o seu carma na
Perestroika-Glasnost; no afundamento da aliança imperialista soviética e do seu
centro nacional russo paralisado nas relações de producção do capitalismo de
Estado industrial, mas sobretudo incapaz de assegurar a reprodução alargada do
capital do Estado sovietizado e de passar ao capitalismo financeiro. É na emergência do
capital financeiro privado, liberalizado, em concorrência no mercado mundial com o capital ocidental, que o
capitalismo russo encontrou o seu segundo sopro. A China maoista, sob o governo
de Deng Xiaoping e dos seus interpretes, seguiu a mesma via nacionalista
burguesa, sem que o Estado chinês se afundasse, mas simplesmente dando lugar ao
capital financeiro nacional e internacional. Hoje, observa-se a emergência da
Associação de Cooperação de Sanghai à volta da China nacionalista e da Rússia
nacionalista, cada uma destas potências capitalistas estando convencida do seu papel
no seio desta aliança imperialista, à qual a Índia nacionalista e o Paquistão
nacionalista se juntaram recentemente. Esta nova aliança imperialista fez face
à aliança imperialista Atlântica, de que a OTAN é o braço armado. Voltaremos ao assunto.
Libertação
Nacional ou Libertação Proletária
Em 1955, para o proletariado revolucionário não havia
nada de esquisito nestas manigâncias internacionais e nestes preparativos de
guerra saídos do chauvinismo nacional dos países não alinhados. Este espírito
chauvinista de Bandung foi a prova de que a classe proletária devia rejeitar
toda a associação com os burgueses terceiro-mundistas que, depois de setenta
anos, fizeram dos proletários carne para canhão para as suas malversações e o
finca-pé das suas ambições com a cumplicidade da esquerda aburguesada. Depois
do fim da Segunda Guerra Mundial, observaram-se 215 conflitos armados no
terceiro-mundo, todos suscitados ou desencadeados pelas potências capitalistas
com a cumplicidade das burguesias nacionalistas locais e constatou-se que
nenhuma destas lutas trouxe a liberdade aos alienados proletários.
Tal como a pequena burguesia, o
campesinato rural , rico ou pobre, nem por isso é uma classe mais
revolucionária. O campesinato esteve no coração do modo de producção feudal
terceiro-mundista e uma das forças motrizes para a passagem das relações de producção
feudais às relações de producção capitalistas mercantis, depois industrial,
para a criação de um domínio fundiário privado, primeiramente parcelizado,
visto que o desenvolvimento do modo de producção capitalista forçou ao
reagrupamento de imensas explorações agrícolas mecanizadas e irrigadas, onde o
campesinato foi progressivamente transformado em proletariado rural. É este
proletariado agrícola empobrecido, privado de toda a propriedade, não tendo
nada senão a sua força de trabalho para vender e poder sobreviver, que o
proletariado revolucionário urbano mobilizará para conduzir a revolução
proletária internacional, não para se apoderar da governação do Estado burguês,
não para fazer dele “o Estado socialista
de todo o Povo “ mas para o erradicar.
Hoje, um século após o
prognóstico de Lenine, as condições objectivas da revolução social proletária
estão enfim reunidas. A primeira destas condições é o pleno desenvolvimento dos
meios de producção, a existência de uma imensa classe proletária mundializada,
educada, formada, limpa, experimentada, na guerra de classe, pauperizada e
ameaçada na sua sobrevivência, mas consciente dos seus interesses de classe e
obrigada a reverter as suas condições de alienação para evitar a sua
destruição. Eis a alternativa que se apresenta ao proletariado internacional,
ao qual se juntam 350 milhões de proletários chineses, e quase outro tanto de
proletários indianos, na grande marcha das forças da fome. A emancipação da
classe proletária será obra da própria classe.
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