domingo, 14 de novembro de 2021

Nação e Estado-nação, Dois Estandartes da Esquerda Burguesa


                                                

Capítulo 1

           Questão Nacional e revolução

            proletária       

 

Robert Bibeau

 

 

 

 

          Nação e Estado-nação, Dois Estandartes da Esquerda Burguesa

 

 

Nação e Estado-nação são as formas singulares das relações de producção geradas pelo modo de producção capitalista (MPC). Quando este modo de producção atingiu o seu apogeu e a contradição fundamental que rege este sistema começou a entravar a valorização do capital; quando as relações de producção nacionais pareceram demasiado estreitas para permitirem a reprodução alargada do capital e o desenvolvimento das forças produtivas sociais, nação e Estado-nação tornaram-se entraves de que o MPC procurou desembaraçar-se, esperando assim gerar uma nova era de prosperidade mundializada. Em 1971, a revogação dos acordos de Bretton Woods pôs fim aos entraves monetários perante a imperiosa urgência de liberalizar e democratizar as trocas internacionais. Os esforços para transformar o dólar americano em divisa do comércio internacional, da mesma maneira que, em consequência das malversações para fazer emergir o euro como divisa alternativa do comércio mundial, ou ainda, as maningâncias para com ele substituir o yuan nacional chinês ou os direitos de saque especiais (DTS), demonstram as dificuldades do sistema financeiro mundializado. 

  Nem a preservação nem a conversão das relações de producção nacionais poderão assegurar a perenidade deste modo de producção moribundo. A contradição fundamental que rege este sistema não se situa entre as forças produtivas internacionais e as relações de producção nacionais, mas no próprio seio das forças produtivas sociais, entre o capital morto – constante - robotizado e digitalizado, - já valorizado absorvendo o capital vivo – variável – a força de trabalho social geradora da mais-valia, mas ainda não validada pela colocação em marcha dos produtos, eis todo o drama deste modo de producção e o limite da sua expansão.

A classe proletária internacional não deve meter-se a reboque das burguesias nacionais para tentar preservar as relações de producção nacionais submetidas às vicissitudes das crises sistémicas do capitalismo mundializado. As estruturas nacionais burguesas desusadas são inoperantes perante a crise sistémica do modo de produção capitalista. Todas as estruturas nacionais e ou multinacionais do capitalismo GNU, CPI, FMI, BM, OCDE, OTAN/NATO, União Europeia, Organização de Cooperação de Shangai, Comunidade dos Estados Independentes, são obsoletas e devem ser destruídas pela insurreição popular. Em caso algum, o Estado nacional burguês pode tornar-se um agente da emancipação da classe operária. Ao contrário, o Estado nacional burguês e a ideologia nacionalista burguesa que pretende legitimá-lo são os alienadores da opressão da classe operária, única classe revolucionária sob o capitalismo decadente. Depois da emergência do imperialismo moderno, fase última do modo de producção capitalista, as lutas ditas de “libertação nacional anti-imperialista“ são guerras reaccionárias conduzidas pelas burguesias nacionais chauvinistas para assegurar o seu estatuto de guardiães dos interesses de uma aliança imperialista contra outra.

 

APOGEU E DECLÍNIO DO IMPERIALISMO AMERICANO

 

Os Estados Unidos da América, primeira potência imperialista do séc. XX, foram inexoravelmente empurrados contra a França (com a aquisição da Luisiana em 1803), contra o Canadá (guerra de 1812), contra os restos do Império espanhol (1819), contra o México (1845-1853), e depois duas facções do capital americano viraram-se uma contra a outra, a Confederação esclavagista do Sul contra a União Capitalista do Norte (1861-1865). Mais de 620.000 trabalhadores-soldados perderam a vida nesta guerra nacional, pois, refeita a unidade, a marcha  sanguinária para o Norte foi retomada. Mais tarde, ambas atacaram o Império comercial e industrial britânico e o segundo império francês, que desintegraram a fim de impor o imperialismo moderno – financeiro - no lugar do imperialismo colonial-comercial, antigo, que não podia seguir porque provocava a ira e sublevações constantes das burguesias nacionais coloniais, desejando-se libertar politicamente das metrópoles opressivas, a fim de pôr como intermediários nacionais da exploração da força de trabalho, local, entregando eles mesmos a mais-valia ao imperialismo mundializado, globalizado. Todas as guerras ditas de libertação nacional apoiam-se neste ponto crucial: qual a parte da exploração de trabalho assalariado local que será entregue aos capitalistas estrangeiros? É o que o presidente americano Teodoro Roosevelt compreendeu antes de Lenine e dos bolchevistas, sentimento nacionalista chauvinista que os EU exploraram para desalojar as ex-potências coloniais comerciais concorrentes e aí substituir  o  imperialismo financeiro, sobre o qual Lenine escreveu brilhantemente,  explicando que mesmo quando oposto ao capitalismo colonial e comercial, o imperialismo financeiro não explora  menos a classe proletária, única  produtora da mais-valia  e inimiga jurada do capitalismo mundializado.

Quando parecia evidente que os bolcheviques não entendiam partilhar os frutos da exploração do proletariado nacional soviético com o imperialismo ocidental, o conflito degenerou em guerra total  entre  o império dos sovietes  e o império ocidental, dirigido primeiramente pela Europa  e em seguida pela América. A guerra a acabar entra então numa fase em que, após muitas desventuras, se concluiu em 1991, com o triste Sr. Boris Eltsine,  inimigo lambe-botas (lisonjeador, bajulador) mortuário da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Durante um século, os Estados Unidos foram os aliados das burguesias nacionalistas terceiro-mundistas (pseudo não-alinhadas), desejosas de partilhar com os negociantes de guerra ocidentais uma parte da mais-valia produzida localmente.

E todos vimos Mandela pavonear-se sobre as estradas do anti-apartheid onusino  (que os sul-africanos percorrem ainda hoje). Ho Chi Minh, Chou Enlai, Pol Pot, Ceausescu, Tito, Nasser, Gandhi, e os outros, todos felizes de colaborar com o capital americano para obter a sua pitança nacional, mais abundante do que a que lhes propunha Estaline, Krouchov e Brejnev, dirigindo a partir de um império industrial ultrapassado, pré-financeiro. Hoje vemos Castro – o irmão do outro - que empreende a sua viagem a Canossa a fim de obter um salvo conduto dos Estados Unidos para a sua integração no modo de producção capitalista.

Não se pode conduzir uma guerra anti-imperialista que não seja também uma guerra anti-capitalista, anti-nacionalista e anti-burguesa. Todas e cada uma destas lutas ditas de libertação política nacional conduziram à consolidação de facções capitalistas nacionalistas e à alienação da classe proletária nacional. Seja a URSS, a China, a Coreia do Norte, o Vietname, o Cambodja, a Argélia, Cuba, Angola, a Nicarágua, a Etiópia, os países de Leste, a Albânia, a África do Sul, o Nepal ou a Palestina, etc., outras tantas experiências nacionalistas que sem a eliminação do modo de producção capitalista, fonte de todas as alienações, se tornaram um desastre para a classe proletária alienada desses países gangrenados e que devem hoje libertar-se das suas novas algemas.

                                                 Reforma ou Revolução?      

É todavia verdade que nas vãs tentativas para salvar o seu capital e o seu modo de produção moribundo, a classe capitalista internacionalista tenta desmantelar as antigas relações de producção e as antigas estruturas de governação nacional para as transformar em qualquer coisa de multinacional, mas tendo as mesmas funções económicas, políticas, jurídicas, diplomáticas e militares exploradoras e repressivas. Estas transformações do aparelho de governação imperialista não visam transformar a essência do modo de producção capitalista, mas adaptá-las às exigências novas da economia política imperialista moderna. Os esforços dos populistas e dos esquerdistas para orientar estas reformas não constituem contribuições à substituição do capitalismo, como também não sucedia com os artesãos luddistas que destruíam as máquinas de fiar na Inglaterra do século XIX o que não contribuíu para emancipar o proletariado britânico. Assim, o Brexit não é uma resistência ao imperialismo estadunidense, mas uma adesão ao imperialismo chinês, ou um pedido de renegociação das entidades com o imperialismo europeu que, tanto uma como outra não trarão nada ao proletariado britânico. Estes fúteis esforços da parte da oligarquia reformista não fazem senão prolongar a agonia deste modo de producção moribundo, da mesma maneira que os cânticos da direita nacionalista e as lamúrias da direita reaccionária para preservar as velhas castas (coquilles) nacionais.

É o modo de producção que deve ser substituido. A única solução consiste em criar um novo modo de producção não socialista mas proletário comunista. Deste novo modo de producção surgirão novas relações de producção adaptadas a esta nova maneira de produzir, de comunicar, de distribuir as trocas, de repartir não as mercadorias, substituidas pela mais valias espoliadas, mas dos bens sociais que servem à reprodução colectiva da  vida em sociedade, pois é preciso nunca  esquecer que  a finalidade de o todo o modo de producção é assegurar as condições de reprodução da vida humana. Sabemos muito poucas coisas a propósito deste novo modo de producção proletário comunista e do nome da classe que o fará surgir das suas mãos, da sua experiência e dos seus conhecimentos. As únicas coisas que sabemos com certeza é que este modo de producção será internacional, global, ao serviço do Homem – sem classe social – não mercantil (adeus mercadoria, mais-valia, lucro, moeda, capital, propriedade privada, salariato e Estado). Este novo modo de producção não se assemelhará sobretudo ao que nós conhecemos sob o capitalismo nas suas declinações ocidental, soviética, chinesa, cubana, coreana, vietnamita, albanesa, ou terceiro-mundista. Nós sabemos igualmente que este novo modo de producção proletário, que não responderá às finalidades de reprodução alargada do capital como modo de luta  contra a escassez, virá a preencher todas as necessidades sociais e humanas, finalidade última de um modo de producção socializado.

 

Marx Escreveu

 

Marx pôs em guarda o proletariado internacional contra o nacionalismo burguês reaccionário e inscreveu no Manifesto estas duas máximas: “O proletariado não tem pátria” e “Proletários de todos os países uni-vos!” Para introduzir a insurreição popular, e depois a revolução proletária, Marx não apelou  aos “povos oprimidos, às nações exploradas”, aos camponeses empobrecidos, nem aos pequeno-burgueses esfomeados. Quando Marx constatou que as condições objectivas da revolução proletária não estavam de modo nenhum reunidas no princípio do capitalismo triunfante, apelou à dissolução da Primeira Internacional evitando-lhe tornar-se uma oficina de caciques reformistas -  e de pequeno-burgueses parasitas, estipendiados pelo poder burguês alimentado pelas cotizações da classe operária espoliada.

Eis um extracto da correspondência de Marx  justamente relativa a estas  divisões nacionalistas chauvinistas manipuladas pelo capital vitoriano para dividir as forças do proletariado internacional no seio do Império Britânico: a Inglaterra tem agora uma classe operária cindida em dois campos inimigos: proletários ingleses e proletários irlandeses. O operário inglês ordinário detesta o operário irlandês como um concorrente que baixa o seu nível de vida. Sente-se ao seu lado como membro de uma nação dominadora, tornado, por esse facto, um instrumento dos seus aristocratas e capitalistas contra a Irlanda e consolida assim o seu poder sobre si mesmo. Os preconceitos religiosos,  sociais e nacionais erguem-no contra o operário irlandês. Conduz-se  em relação a ele mais ou menos como os “brancos pobres” em relação aos negros dos antigos Estados esclavagistas da União Americana. O irlandês devolve-lhe largamente a parada.  Vê nele ao mesmo tempo o cúmplice e o instrumento cego da dominação inglesa na Irlanda. Este antagonismo é entretido artificialmente e espicaçado pela imprensa, pelos sermões e pelas revistas humoristicas, em suma, por todos os meios de que dispõem as classes no poder. Este antagonismo constitui o segredo da impotência da classe operária inglesa a despeito da sua boa organização. É também o segredo da força persistente da classe capitalista, que se dá disso perfeitamente conta.”

Lenine e os bolcheviques fizeram exactamente o contrário do que Marx recomendava. Na Rússia czarista feudal – pré-capitalista – constituíram-se em partido político nacionalista russo – em seita militar secreta russa – sob directório pequeno-burguês russo; apoderaram-se da direcção da revolução democrática burguesa sustentada pelas massas camponesas analfabetas, apressadas em expropriar e partilhar a terra e os meios de producção agrícolas, a fim de erigir o modo de producção capitalista mercantil, depois industrial sob o nome de Nova Economia Política (NEP). De facto não podia haver aí nova economia política socialista, intermediária entre o capitalismo e o comunismo, e a Rússia czarista feudal não podia gerar senão o modo de producção capitalista prévio à revolução proletária do futuro. O modo de producção socialista fez apelo às modalidades da edificação do capitalismo de Estado na União Soviética. Para a Revolução de Outubro, os bolcheviques colocaram o pequeno proletariado russo, fraco e inexperimentado, a reboque do campesinato ávido e da pequena burguesia cupida, e não podia ser de outro modo, dado o estado lamentável da economia czarista.

Lembremos que a revolução proletária não é uma revolta da miséria e da pobreza contra as desigualdades, as injustiças ou contra a opulência e a riqueza dos milionários, como o crê todo o pequeno burguês, amargo por não receber o que considera a sua justa parte social. A insurreição popular será a substituição pela população espoliada do modo de producção capitalista paralisado, e não a tomada socialista do aparelho de Estado capitalista como o praticaram as esquerdas burguesas nos diferentes países socialistas, todos tornados capitalistas. A revolução proletária que a seguirá assegurará a edificação do modo de producção proletário comunista. A revolução nacionalista bolchevique e as outras revoluções anti-coloniais demonstram que um modo de producção não pode ser escamoteado nem contornado. Para conduzir uma revolução anti-capitalista é preciso viver sob o modo de producção capitalista. Para conduzir uma revolução proletária, é preciso uma classe proletária, plenamente desenvolvida, educada, experimentada na luta de classe anti-capitalista, em primeiro lugar na frente económica, depois na frente política e enfim na frente ideológica da luta de classes. Na Rússia, a revolução democrática nacional burguesa derrubou a ordem feudal e assegurou a edificação de uma sociedade capitalista que Estaline realizou com mão de mestre, para além de toda a esperança sob a maneira como o capital alemão iria aprendê-lo, provando assim que o nacional-bolchevismo russo era mais eficiente que o nacional-socialismo alemão.

Setenta anos mais tarde, a obra nacionalista bolchevique – estaliniana - russa iria conhecer o seu carma na Perestroika-Glasnost; no afundamento da aliança imperialista soviética e do seu centro nacional russo paralisado nas relações de producção do capitalismo de Estado industrial, mas sobretudo incapaz de assegurar a reprodução alargada do capital do Estado sovietizado e de passar ao  capitalismo financeiro. É na emergência do capital financeiro privado, liberalizado, em concorrência no mercado mundial com o capital ocidental, que o capitalismo russo encontrou o seu segundo sopro. A China maoista, sob o governo de Deng Xiaoping e dos seus interpretes, seguiu a mesma via nacionalista burguesa, sem que o Estado chinês se afundasse, mas simplesmente dando lugar ao capital financeiro nacional e internacional. Hoje, observa-se a emergência da Associação de Cooperação de Sanghai à volta da China nacionalista e da Rússia nacionalista, cada uma destas potências capitalistas estando convencida do seu papel no seio desta aliança imperialista, à qual a Índia nacionalista e o Paquistão nacionalista se juntaram recentemente. Esta nova aliança imperialista fez face à aliança imperialista Atlântica, de que a  OTAN é o braço armado. Voltaremos ao assunto.

 

Libertação Nacional ou Libertação Proletária

 

            Em 1955, para o proletariado revolucionário não havia nada de esquisito nestas manigâncias internacionais e nestes preparativos de guerra saídos do chauvinismo nacional dos países não alinhados. Este espírito chauvinista de Bandung foi a prova de que a classe proletária devia rejeitar toda a associação com os burgueses terceiro-mundistas que, depois de setenta anos, fizeram dos proletários carne para canhão para as suas malversações e o finca-pé das suas ambições com a cumplicidade da esquerda aburguesada. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, observaram-se 215 conflitos armados no terceiro-mundo, todos suscitados ou desencadeados pelas potências capitalistas com a cumplicidade das burguesias nacionalistas locais e constatou-se que nenhuma destas lutas trouxe a liberdade aos alienados proletários.

     Tal como a pequena burguesia, o campesinato rural , rico ou pobre, nem por isso é uma classe mais revolucionária. O campesinato esteve no coração do modo de producção feudal terceiro-mundista e uma das forças motrizes para a passagem das relações de producção feudais às relações de producção capitalistas mercantis, depois industrial, para a criação de um domínio fundiário privado, primeiramente parcelizado, visto que o desenvolvimento do modo de producção capitalista forçou ao reagrupamento de imensas explorações agrícolas mecanizadas e irrigadas, onde o campesinato foi progressivamente transformado em proletariado rural. É este proletariado agrícola empobrecido, privado de toda a propriedade, não tendo nada senão a sua força de trabalho para vender e poder sobreviver, que o proletariado revolucionário urbano mobilizará para conduzir a revolução proletária internacional, não para se apoderar da governação do Estado burguês, não para fazer dele “o Estado socialista de todo o Povo “ mas para o erradicar.

Hoje, um século após o prognóstico de Lenine, as condições objectivas da revolução social proletária estão enfim reunidas. A primeira destas condições é o pleno desenvolvimento dos meios de producção, a existência de uma imensa classe proletária mundializada, educada, formada, limpa, experimentada, na guerra de classe, pauperizada e ameaçada na sua sobrevivência, mas consciente dos seus interesses de classe e obrigada a reverter as suas condições de alienação para evitar a sua destruição. Eis a alternativa que se apresenta ao proletariado internacional, ao qual se juntam 350 milhões de proletários chineses, e quase outro tanto de proletários indianos, na grande marcha das forças da fome. A emancipação da classe proletária será obra da própria classe.

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário