Líbano-Memórias de guerra 2/3 : O Pacto nacional
René Naba / 10 DE aBril DE 2018 / EM Décryptage, Liban
Última actualização a 5 de Fevereiro de
2024
O Pacto nacional, uma mentira da qual a
componente muçulmana da população libanesa foi vítima.
O discurso soberanista da liderança
maronita esconde, na verdade, uma postura de lealdade aos países ocidentais e
de conivência com Israel, e isso muito antes da proclamação unilateral da
independência do Estado hebraico, com a conclusão de um pacto secreto entre a
Igreja maronita e a entidade judaica.
«O Pacto Nacional, um acordo tácito
celebrado em 1943 entre os líderes cristãos e muçulmanos para uma repartição
confessional do poder, constituiu uma «mentira» da qual a componente muçulmana
da população foi vítima».
... «Todos os presidentes da República
Libanesa (maronita) que se sucederam no poder desde a independência, em 1943,
colaboraram em segredo com Israel, incitando regularmente os Estados Unidos, a
França e até mesmo Israel a uma intervenção militar directa no Líbano a seu
favor.
A guerra do Líbano apenas confirmou esta
forte tendência, como revela a aventura suicida das milícias cristãs e a sua
aliança anti-natural com um Estado antagónico à composição do sistema político
libanês, baseado no pluralismo e na diversidade, mesmo que os cristãos árabes
tenham sido os que mais sofreram com as manobras ocidentais contra o Mundo
árabe.
Em 1969, o presidente Charles Hélou
enviou uma mensagem secreta aos líderes israelitas, assegurando-lhes, em
relação à presença dos Fedayin em solo libanês: «Compreendo perfeitamente os
problemas que os Fedayin representam para Israel, mas o governo libanês não
está em condições de impedir as suas infiltrações no Estado hebreu.
Numa segunda mensagem, Charles Hélou
consentia os ataques israelitas contra os palestinianos no Líbano, desde que os
israelitas respeitassem certas regras. Uma atitude idêntica foi observada
durante a guerra destrutiva de Israel contra o Líbano, em 2006, quando o
ministro da Defesa Elias El Murr recomendou aos israelitas que poupassem as
zonas cristãs, a fim de não colocar a população contra eles e forçá-la a
unir-se ao Hezbollah por solidariedade.
Como recompensa pela sua traição, o Sr. El Murr foi promovido ao cargo de
presidente da Interpol. Para saber mais sobre Elias El Murr:
· http://www.renenaba.com/corruption-le-liban-un-pays-du-lait-et-du-miel-et-du-fiel/
2- As Falanges Libanesas (Hizb Al Kataeb):
Bachir Gemayel, um «canalha».
As Falanges Libanesas simbolizam melhor
do que ninguém essa tendência. Embora esse partido tenha conseguido levar dois
dos seus membros, os dois filhos do fundador, Bachir e Amine Gemayel, à
Presidência da República, teve de lamentar o assassinato de dois membros do clã
Gemayel.
A aliança forçada com Israel, uma
«grande mentira» da guerra.
«O partido falangista mantinha laços
extremamente estreitos com os Estados Unidos. A ideia de que o partido foi
obrigado a aliar-se ao diabo, Israel, devido ao seu isolamento político, é uma
fábula, uma das grandes mentiras da guerra do Líbano»....
«Os falangistas beneficiavam do apoio colectivo
da Jordânia, dos Estados Unidos e das monarquias petrolíferas do Golfo.
... A liderança maronita (Camille
Chamoun, Pierre Gemayel, Raymond Eddé) pressionou o presidente da República
Charles Hélou para que não rompesse as relações diplomáticas do Líbano com os
países ocidentais, em sinal de solidariedade com os países árabes, após a
derrota de Junho de 1967.
«Grande vencedor das eleições
legislativas de 1968, após a derrota árabe, o trio maronita beneficiou da ajuda
financeira directa dos Estados Unidos.
... «Na sequência do triunfo eleitoral
do trio, toda uma literatura política defendendo a neutralidade do Líbano e a
sua garantia através de protecção internacional floresceu no discurso político
dos líderes cristãos», acrescenta James Sotcker na sua obra. Um refrão repetido
durante a guerra sempre que o campo cristão se encontrava em dificuldades.
Num excesso de zelo, destinado a atrair
as boas graças americanas, os líderes falangistas propuseram à embaixada
americana garantir a sua protecção pelos milicianos do partido, bem como do
bairro judeu de Wadi Abou Jamil, onde o partido obtinha todos os votos dos
libaneses de confissão judaica em cada eleição legislativa. A proposta de
destacar a milícia falangista em torno do bairro judeu no centro de Beirute foi
feita quando nenhum incidente anti-semita havia sido relatado.
Os líderes falangistas argumentaram aos
seus interlocutores americanos que, na época, dispunham de uma milícia de 5.000
membros, além de uma tropa de choque de 50 a 70 membros.
Recusando-se a armar directamente o
Partido Falangista, Henry Kissinger, secretário de Estado de Richard Nixon,
recomendou reforçar o equipamento militar do exército libanês: «O equipamento
do exército libanês equivale ao armamento da milícia falangista, pois os
oficiais do exército libanês são simpatizantes dos falangistas», argumentou.
Partido político essencialmente cristão
fundado em 1936 por Pierre Gemayel, Georges Naccache, fundador do jornal
L'Orient, e Charles Hélou, futuro presidente da República, as falanges
libanesas são um partido fortemente nacionalista e militarizado desde 1975.
Durante muito tempo opostas a outras
correntes cristãs, nomeadamente ao Partido Nacional Liberal do presidente
maronita Camille Chamoun, acabaram por celebrar alianças pontuais com os seus
rivais, nomeadamente no seio das Forças Libanesas, durante a guerra civil.
As Falanges estiveram envolvidas em inúmeros actos de guerra e massacres durante esse período, nomeadamente o massacre dos campos palestinianos da Quarentena, em Janeiro de 1976, e o dos campos palestinianos de Sabra-Chatila, em Agosto de 1976. O partido sofreu dissensões internas sobre o papel a atribuir à Síria (rivalidades entre Elias Hobeika e Samir Geagea, os dois tenentes de Bachir Gemayel). Isso enfraqueceu o partido.
Richard Murphy, embaixador dos Estados Unidos na Síria, em funções na região no final da década de 1970, considerava Bachir Gemayel, chefe militar dos falangistas e fundador das «Forças Libanesas», um «canalha».
O tropismo pró-Israel não é apanágio da liderança maronita. O clã Hariri demonstrou a mesma solicitude em relação ao «inimigo oficial do mundo árabe». Assim, o ministro do Interior sunita Ahmad Fatfat ordenou ao quartel da gendarmerie de Marjeyoun (sul do Líbano) que oferecesse hospitalidade a soldados israelitas perseguidos pelo Hezbollah, durante a guerra de destruição do Líbano, em 2006, e o ministro druso das telecomunicações, Marwane Hamadé revelou ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, um conhecido filo-sionista, a rede de telecomunicações do Hezbollah para que fosse desmantelada durante essa ofensiva.
Versão árabe neste site
· http://www.al-akhbar.com/node/264864
3 – A estratégia da tensão
A – As milícias cristãs receberam armas
dos Estados Unidos, de Israel, da Jordânia e do Irão do Xá do Irão. A liderança
maronita estava determinada a precipitar o país numa confrontação generalizada
com os seus adversários, enquanto a esquerda libanesa e os palestinianos
ganhavam tempo, fazendo o possível para evitar lançar o Líbano no precipício.
B – A França e a Jordânia apelaram tanto
aos Estados Unidos como a Israel a favor de uma intervenção militar síria no
Líbano, com vista a estabilizar a situação.
C- A OLP assegurou a protecção da
embaixada dos Estados Unidos durante esse período através do Exército Árabe do
Líbano, então comandado pelo tenente Ahmad Al Khatib, e providenciou a
evacuação dos cidadãos americanos. A central palestiniana só envolveu
verdadeiramente as suas tropas na guerra em Setembro de 1976, após a queda do
campo palestiniano de Tall Al Zaatar, ou seja, 17 meses após o início da
guerra.
D – Para conquistar o apoio dos seus interlocutores à sua causa, os líderes maronitas iniciaram uma estratégia de tensão, multiplicando as emboscadas contra os palestinianos, uma das mais sangrentas das quais foi a emboscada de Dekouaneh, nos subúrbios industriais de Beirute, no Verão de 1974, seguida, em Fevereiro de 1975, pelo assassinato de Maarouf Saad, deputado nacionalista pró-nasserista de Saida (sul do Líbano), que liderava uma manifestação de pescadores que protestavam contra a gestão da empresa «proteína», encarregada de reciclar os produtos da pesca, cujo presidente do Conselho de Administração não era outro senão Camille Chamoun, líder do Partido Nacional Liberal e da milícia dos «tigres».
1- O incêndio no centro da cidade
O incêndio no centro da cidade (Junho de 1975) foi resultado de uma «prova de força» entre Camille Chamoun, na época ministro do Interior, e os seus rivais na liderança maronita. Ao alargar deliberadamente o conflito ao centro da cidade, onde se situavam os famosos souks, na intersecção das zonas cristã e muçulmana da capital, Chamoun pretendia «forçar o exército a intervir e a tomar posição na guerra».
2- A batalha dos Hotéis
Ao levar a batalha
para o bairro dos grandes hotéis (Hôtel Saint Georges, Holliday Inn), em Setembro
de 1975, os falangistas tinham como objectivo tomar o Banco Central, o nervo da
guerra.
Sobre a importância estratégica e a função do Hôtel Saint Georges, clique neste link.
· http://www.renenaba.com/le-tribunal-special-sur-le-liban-a-lepreuve-de-la-guerre-de-lombre/
Versão árabe desta sequência neste link:
· http://www.al-akhbar.com/node/264864
Para aprofundar a questão dos cristãos
árabes, a sua aventura suicida durante a guerra, a instrumentalização do
martirológio e essas ligações:
- http://www.renenaba.com/france-vatican-les-deux-francois-et-la-chretiente-d-orient/
- http://www.renenaba.com/al-qods-pelerinage-la-normalisation-par-la-theologie/
O martirológio libanês entre o culto à
memória e o benefício da situação ½
A família Gemayel, Samir Geagea, Nayla Mouawad
· http://www.renenaba.com/le-martyrologe-libanais/
Walid Joumblatt e o Clã Hariri
· http://www.renenaba.com/le-martyrologe-libanais-2/
A aventura suicida dos falangistas e seus aliados
· http://www.renenaba.com/chretiens-dorient-le-singulier-destin-des-chretiens-arabes-2/
A versão árabe destes extractos nestes
links:
·
https://histoiredesforceslibanaises.files.wordpress.com/2012/09/1980-amine-gemayel.jpg
René Naba
Jornalista-escritor, ex-chefe do mundo
árabe e muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, chefe de informação, membro do grupo
consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos e da Associação de Amizade
Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório regional
da Agence France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu a guerra civil
jordaniano-palestiniana, o "Setembro Negro" de 1970, a nacionalização
de instalações petrolíferas no Iraque e na Líbia (1972), uma dúzia de golpes de
Estado e sequestros de aviões, bem como a Guerra do Líbano (1975-1990) a 3ª
guerra árabe-israelita de Outubro de 1973, as primeiras negociações de paz
egípcio-israelitas na Mena House Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável
pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995.
Autor de "Arábia Saudita, um reino das trevas" (Golias), "De
Bougnoule a selvagem, uma viagem ao imaginário francês" (Harmattan),
"Hariri, de pai para filho, empresários, primeiros-ministros"
(Harmattan), "As revoluções árabes e a maldição de Camp David"
(Bachari), "Media e democracia, a captura do imaginário, um desafio do
século XXI" (Golias). Desde 2013, ele é membro do grupo consultivo do
Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Ele
também é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT),
Genebra; Presidente da instituição de caridade LINA, que opera nos bairros do
norte de Marselha, e Presidente Honorário do 'Car tu y es libre', (Bairro
Livre), trabalhando para a promoção social e política das áreas periurbanas do
departamento de Bouches du Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do
Instituto Internacional para a Paz, Justiça e Direitos Humanos (IIPJDH), com
sede em Genebra. Desde 1 de setembro de 2014, é responsável pela coordenação
editorial do site https://www.madaniya.info e apresentador de uma
coluna semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.
Fonte: Liban-Mémoires de guerre 2/3 : Le Pacte national - Madaniya
Este artigo foi traduzido para Língua
Portuguesa por Luis Júdice

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