domingo, 7 de dezembro de 2025

Líbano-Memórias de guerra 2/3 : O Pacto nacional

 


Líbano-Memórias de guerra 2/3 : O Pacto nacional

René Naba / 10 DE aBril DE 2018  / EM DécryptageLiban

Última actualização a 5 de Fevereiro de 2024

O Pacto nacional, uma mentira da qual a componente muçulmana da população libanesa foi vítima.

O discurso soberanista da liderança maronita esconde, na verdade, uma postura de lealdade aos países ocidentais e de conivência com Israel, e isso muito antes da proclamação unilateral da independência do Estado hebraico, com a conclusão de um pacto secreto entre a Igreja maronita e a entidade judaica.

«O Pacto Nacional, um acordo tácito celebrado em 1943 entre os líderes cristãos e muçulmanos para uma repartição confessional do poder, constituiu uma «mentira» da qual a componente muçulmana da população foi vítima».

... «Todos os presidentes da República Libanesa (maronita) que se sucederam no poder desde a independência, em 1943, colaboraram em segredo com Israel, incitando regularmente os Estados Unidos, a França e até mesmo Israel a uma intervenção militar directa no Líbano a seu favor.

A guerra do Líbano apenas confirmou esta forte tendência, como revela a aventura suicida das milícias cristãs e a sua aliança anti-natural com um Estado antagónico à composição do sistema político libanês, baseado no pluralismo e na diversidade, mesmo que os cristãos árabes tenham sido os que mais sofreram com as manobras ocidentais contra o Mundo árabe.

Em 1969, o presidente Charles Hélou enviou uma mensagem secreta aos líderes israelitas, assegurando-lhes, em relação à presença dos Fedayin em solo libanês: «Compreendo perfeitamente os problemas que os Fedayin representam para Israel, mas o governo libanês não está em condições de impedir as suas infiltrações no Estado hebreu.

Numa segunda mensagem, Charles Hélou consentia os ataques israelitas contra os palestinianos no Líbano, desde que os israelitas respeitassem certas regras. Uma atitude idêntica foi observada durante a guerra destrutiva de Israel contra o Líbano, em 2006, quando o ministro da Defesa Elias El Murr recomendou aos israelitas que poupassem as zonas cristãs, a fim de não colocar a população contra eles e forçá-la a unir-se ao Hezbollah por solidariedade.

Como recompensa pela sua traição, o Sr. El Murr foi promovido ao cargo de presidente da Interpol. Para saber mais sobre Elias El Murr:

·         http://www.renenaba.com/corruption-le-liban-un-pays-du-lait-et-du-miel-et-du-fiel/

2- As Falanges Libanesas (Hizb Al Kataeb): Bachir Gemayel, um «canalha».

As Falanges Libanesas simbolizam melhor do que ninguém essa tendência. Embora esse partido tenha conseguido levar dois dos seus membros, os dois filhos do fundador, Bachir e Amine Gemayel, à Presidência da República, teve de lamentar o assassinato de dois membros do clã Gemayel.

A aliança forçada com Israel, uma «grande mentira» da guerra.

«O partido falangista mantinha laços extremamente estreitos com os Estados Unidos. A ideia de que o partido foi obrigado a aliar-se ao diabo, Israel, devido ao seu isolamento político, é uma fábula, uma das grandes mentiras da guerra do Líbano»....

 «Os falangistas beneficiavam do apoio colectivo da Jordânia, dos Estados Unidos e das monarquias petrolíferas do Golfo.

... A liderança maronita (Camille Chamoun, Pierre Gemayel, Raymond Eddé) pressionou o presidente da República Charles Hélou para que não rompesse as relações diplomáticas do Líbano com os países ocidentais, em sinal de solidariedade com os países árabes, após a derrota de Junho de 1967.

«Grande vencedor das eleições legislativas de 1968, após a derrota árabe, o trio maronita beneficiou da ajuda financeira directa dos Estados Unidos.

... «Na sequência do triunfo eleitoral do trio, toda uma literatura política defendendo a neutralidade do Líbano e a sua garantia através de protecção internacional floresceu no discurso político dos líderes cristãos», acrescenta James Sotcker na sua obra. Um refrão repetido durante a guerra sempre que o campo cristão se encontrava em dificuldades.

Num excesso de zelo, destinado a atrair as boas graças americanas, os líderes falangistas propuseram à embaixada americana garantir a sua protecção pelos milicianos do partido, bem como do bairro judeu de Wadi Abou Jamil, onde o partido obtinha todos os votos dos libaneses de confissão judaica em cada eleição legislativa. A proposta de destacar a milícia falangista em torno do bairro judeu no centro de Beirute foi feita quando nenhum incidente anti-semita havia sido relatado.

Os líderes falangistas argumentaram aos seus interlocutores americanos que, na época, dispunham de uma milícia de 5.000 membros, além de uma tropa de choque de 50 a 70 membros.

Recusando-se a armar directamente o Partido Falangista, Henry Kissinger, secretário de Estado de Richard Nixon, recomendou reforçar o equipamento militar do exército libanês: «O equipamento do exército libanês equivale ao armamento da milícia falangista, pois os oficiais do exército libanês são simpatizantes dos falangistas», argumentou.

Partido político essencialmente cristão fundado em 1936 por Pierre Gemayel, Georges Naccache, fundador do jornal L'Orient, e Charles Hélou, futuro presidente da República, as falanges libanesas são um partido fortemente nacionalista e militarizado desde 1975.

Durante muito tempo opostas a outras correntes cristãs, nomeadamente ao Partido Nacional Liberal do presidente maronita Camille Chamoun, acabaram por celebrar alianças pontuais com os seus rivais, nomeadamente no seio das Forças Libanesas, durante a guerra civil.

As Falanges estiveram envolvidas em inúmeros actos de guerra e massacres durante esse período, nomeadamente o massacre dos campos palestinianos da Quarentena, em Janeiro de 1976, e o dos campos palestinianos de Sabra-Chatila, em Agosto de 1976. O partido sofreu dissensões internas sobre o papel a atribuir à Síria (rivalidades entre Elias Hobeika e Samir Geagea, os dois tenentes de Bachir Gemayel). Isso enfraqueceu o partido.

Richard Murphy, embaixador dos Estados Unidos na Síria, em funções na região no final da década de 1970, considerava Bachir Gemayel, chefe militar dos falangistas e fundador das «Forças Libanesas», um «canalha».

O tropismo pró-Israel não é apanágio da liderança maronita. O clã Hariri demonstrou a mesma solicitude em relação ao «inimigo oficial do mundo árabe». Assim, o ministro do Interior sunita Ahmad Fatfat ordenou ao quartel da gendarmerie de Marjeyoun (sul do Líbano) que oferecesse hospitalidade a soldados israelitas perseguidos pelo Hezbollah, durante a guerra de destruição do Líbano, em 2006, e o ministro druso das telecomunicações, Marwane Hamadé revelou ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, um conhecido filo-sionista, a rede de telecomunicações do Hezbollah para que fosse desmantelada durante essa ofensiva.

Versão árabe neste site

·         http://www.al-akhbar.com/node/264864 

3 – A estratégia da tensão

A – As milícias cristãs receberam armas dos Estados Unidos, de Israel, da Jordânia e do Irão do Xá do Irão. A liderança maronita estava determinada a precipitar o país numa confrontação generalizada com os seus adversários, enquanto a esquerda libanesa e os palestinianos ganhavam tempo, fazendo o possível para evitar lançar o Líbano no precipício.

B – A França e a Jordânia apelaram tanto aos Estados Unidos como a Israel a favor de uma intervenção militar síria no Líbano, com vista a estabilizar a situação.

C- A OLP assegurou a protecção da embaixada dos Estados Unidos durante esse período através do Exército Árabe do Líbano, então comandado pelo tenente Ahmad Al Khatib, e providenciou a evacuação dos cidadãos americanos. A central palestiniana só envolveu verdadeiramente as suas tropas na guerra em Setembro de 1976, após a queda do campo palestiniano de Tall Al Zaatar, ou seja, 17 meses após o início da guerra.

D – Para conquistar o apoio dos seus interlocutores à sua causa, os líderes maronitas iniciaram uma estratégia de tensão, multiplicando as emboscadas contra os palestinianos, uma das mais sangrentas das quais foi a emboscada de Dekouaneh, nos subúrbios industriais de Beirute, no Verão de 1974, seguida, em Fevereiro de 1975, pelo assassinato de Maarouf Saad, deputado nacionalista pró-nasserista de Saida (sul do Líbano), que liderava uma manifestação de pescadores que protestavam contra a gestão da empresa «proteína», encarregada de reciclar os produtos da pesca, cujo presidente do Conselho de Administração não era outro senão Camille Chamoun, líder do Partido Nacional Liberal e da milícia dos «tigres».

1- O incêndio no centro da cidade

O incêndio no centro da cidade (Junho de 1975) foi resultado de uma «prova de força» entre Camille Chamoun, na época ministro do Interior, e os seus rivais na liderança maronita. Ao alargar deliberadamente o conflito ao centro da cidade, onde se situavam os famosos souks, na intersecção das zonas cristã e muçulmana da capital, Chamoun pretendia «forçar o exército a intervir e a tomar posição na guerra».

2- A batalha dos Hotéis

Ao levar a batalha para o bairro dos grandes hotéis (Hôtel Saint Georges, Holliday Inn), em Setembro de 1975, os falangistas tinham como objectivo tomar o Banco Central, o nervo da guerra.

Sobre a importância estratégica e a função do Hôtel Saint Georges, clique neste link.

·         http://www.renenaba.com/le-tribunal-special-sur-le-liban-a-lepreuve-de-la-guerre-de-lombre/

Versão árabe desta sequência neste link:

·         http://www.al-akhbar.com/node/264864

Para aprofundar a questão dos cristãos árabes, a sua aventura suicida durante a guerra, a instrumentalização do martirológio e essas ligações:

O martirológio libanês entre o culto à memória e o benefício da situação ½

A família Gemayel, Samir Geagea, Nayla Mouawad

·         http://www.renenaba.com/le-martyrologe-libanais/

Walid Joumblatt e o Clã Hariri

·         http://www.renenaba.com/le-martyrologe-libanais-2/

A aventura suicida dos falangistas e seus aliados

·         http://www.renenaba.com/chretiens-dorient-le-singulier-destin-des-chretiens-arabes-2/

A versão árabe destes extractos nestes links:

 Ilustração

·         https://histoiredesforceslibanaises.files.wordpress.com/2012/09/1980-amine-gemayel.jpg

 

René Naba

Jornalista-escritor, ex-chefe do mundo árabe e muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do director-geral da RMC Médio Oriente, chefe de informação, membro do grupo consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos e da Associação de Amizade Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório regional da Agence France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu a guerra civil jordaniano-palestiniana, o "Setembro Negro" de 1970, a nacionalização de instalações petrolíferas no Iraque e na Líbia (1972), uma dúzia de golpes de Estado e sequestros de aviões, bem como a Guerra do Líbano (1975-1990) a 3ª guerra árabe-israelita de Outubro de 1973, as primeiras negociações de paz egípcio-israelitas na Mena House Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995. Autor de "Arábia Saudita, um reino das trevas" (Golias), "De Bougnoule a selvagem, uma viagem ao imaginário francês" (Harmattan), "Hariri, de pai para filho, empresários, primeiros-ministros" (Harmattan), "As revoluções árabes e a maldição de Camp David" (Bachari), "Media e democracia, a captura do imaginário, um desafio do século XXI" (Golias). Desde 2013, ele é membro do grupo consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Ele também é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT), Genebra; Presidente da instituição de caridade LINA, que opera nos bairros do norte de Marselha, e Presidente Honorário do 'Car tu y es libre', (Bairro Livre), trabalhando para a promoção social e política das áreas periurbanas do departamento de Bouches du Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do Instituto Internacional para a Paz, Justiça e Direitos Humanos (IIPJDH), com sede em Genebra. Desde 1 de setembro de 2014, é responsável pela coordenação editorial do site https://www.madaniya.info  e apresentador de uma coluna semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.

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Fonte: Liban-Mémoires de guerre 2/3 : Le Pacte national - Madaniya

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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