quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

O futuro do exército ucraniano: o zugzwang (1) para a União Europeia

O futuro do exército ucraniano: o zugzwang (1) para a União Europeia

4 de Dezembro de 2025 Robert Bibeau


Por Oleg Nesterenko .

O zugzwang é uma situação no jogo de xadrez em que o jogador não tem nenhum movimento favorável possível – qualquer acção que ele fizer resultará numa deterioração iminente da sua posição no tabuleiro.

No contexto das actuais negociações informais do acordo de paz entre a Ucrânia e a Federação Russa ou, para ser mais preciso, entre o bloco da OTAN e Moscovo, a questão do número do contingente do exército ucraniano no período pós-guerra é apresentada como um dos pontos-chave do desacordo entre russos e ucranianos, com os «belicistas» europeus por trás.

Sem apresentar uma análise de todas as cláusulas de um eventual acordo de paz, vou centrar-me na questão quantitativa do futuro exército ucraniano, cuja importância, singularmente subestimada, transcende as narrativas propagandísticas dos grandes meios de comunicação ocidentais.


A narrativa dominante opõe a vontade de Moscovo de minimizar o número de militares no exército ucraniano à posição do campo ucraniano-europeu, relutante em qualquer redução de efetivos.

O plano de paz proposto pela administração Trump defende uma redução do exército ucraniano para 600 000 militares activos, enquanto as exigências da União Europeia oscilam em torno de 800 000 indivíduos.

Dito isto, é importante salientar que o foco no aspecto de segurança desta questão não só é falacioso, como também está desligado das necessidades socio-económicas da realidade que a Ucrânia irá enfrentar num futuro próximo. A equação é consideravelmente mais complexa.

Os efectivos do exército

Actualmente, o número exacto de soldados e oficiais que servem no exército ucraniano permanece indeterminado. As estimativas, provenientes de fontes oficiais e não oficiais, sugerem um intervalo de 800 a 950 mil indivíduos, incluindo um número significativo de desertores, estimado entre 200 e 300 mil, de acordo com várias fontes ucranianas (o número oficial de mais de 120 mil processos judiciais movidos contra militares que desertaram das fileiras do exército ucraniano não reflecte a real dimensão do êxodo).

Consequentemente, o efectivo real do exército ucraniano situar-se-ia entre 500 e 750 mil pessoas, das quais cerca de 200 mil estão directamente envolvidas nos combates na linha da frente.

Qual é o significado destes números apresentados?

O facto de esses efetivos se enquadrarem bem na «zona de negociação» proposta por Washington, sugerindo uma ausência de exigência de sacrifícios em termos de efectivos do futuro exército ucraniano, constitui um aspecto não esclarecido pelos meios de comunicação social ocidentais, mas, no entanto, secundário na questão.

É pertinente recordar que, antes da entrada da Rússia na guerra, o conjunto das forças armadas ucranianas contava com cerca de 200 mil soldados e oficiais. Este número já tinha em conta a guerra travada por Kiev na região do Donbass desde Abril de 2014.

Paralelamente, os exércitos mais importantes dos países da União Europeia em termos de efectivos activos, como os da França e da Polónia, também contam com cerca de 200 mil militares cada. Esta dimensão relativamente reduzida explica-se pelo facto de, em tempo de paz, exércitos mais importantes para países com o peso demográfico e económico da França constituírem uma carga económica excessiva. Um aumento hipotético do efectivo militar francês de 200 para 300 mil seria altamente prejudicial para uma economia que já se encontra à beira da recessão.

A Ucrânia, confrontada com um colapso económico e demográfico comprovado, não será capaz de financiar um exército de 800 mil homens, nem mesmo de manter um efectivo de 200 mil militares activos como antes de 2022. Ao final do conflito, o país estará mergulhado numa recessão profunda e duradoura.

 

Quer queiram quer não, mesmo após o fim do conflito actual, os contribuintes europeus terão inevitavelmente de continuar a financiar Kiev através de dotações massivas, que ascendem a várias dezenas de milhares de milhões de euros por ano, sobrecarregando assim de forma duradoura as finanças públicas dos países europeus.

A armadilha ucraniana: zugzwang

As narrativas veiculadas pelos canais de propaganda do bloco da OTAN sobre o papel futuro e crucial do exército ucraniano na defesa da União Europeia divergem consideravelmente da realidade. Ao contrário das afirmações públicas, nenhum governo europeu, por mais russofóbico que seja, consentirá em fazer sacrifícios substanciais em benefício de um exército estrangeiro, cuja função se limita a constituir um baluarte temporário contra o exército russo, um «consumível» estratégico durante os poucos anos necessários para reforçar as forças armadas nacionais.

No final deste processo, é certamente previsível que o exército ucraniano, já cronicamente sub-alimentado mesmo em tempo de guerra, seja progressivamente abandonado à sua sorte, por falta de uma dotação anual de várias dezenas de milhares de milhões de euros, indispensável para manter o nível de capacidade apresentado nas declarações oficiais.

Dito isto, o futuro drama reputacional das capitais europeias reside no facto de que, sem relegar a Ucrânia ao estatuto de Estado pária e sem fechar hermeticamente a sua fronteira com a UE, a interrupção das infusões financeiras acima mencionadas revelar-se-á irrealizável, mesmo em caso de ascensão massiva ao poder, nos países da União, de governos soberanistas, ou mesmo abertamente anti-ucranianos.

Porquê ?

Actualmente, a remuneração de um soldado directamente envolvido em zonas de combate frequentemente ultrapassa 100 000 hryvnias, ou seja, cerca de 2 000 euros por mês. Há vários anos, mais de 200 000 indivíduos, de um efectivo total estimado entre 500 000 e 750 000 militares no activo no exército ucraniano, não só se familiarizaram com o confronto directo com a morte e o acto de matar, mas também se habituaram a receber uma remuneração que, para a maioria deles, representa um múltiplo de 5 em relação aos seus rendimentos civis anteriores ao conflito. A título indicativo, o rendimento médio da população ucraniana em 2021 era de 14 018 hryvnias por mês, ou seja, cerca de 434 euros brutos (Ministério das Finanças da Ucrânia, 2021).

No final do conflito armado, centenas de milhares de combatentes regressarão a uma vida civil desencantada, confrontados com uma economia em ruínas e com a difícil procura de um emprego precário, remunerado, na melhor das hipóteses, com algumas centenas de euros mensais.

As sondagens já realizadas na Ucrânia são inequívocas e não surpreendem: pelo menos, várias dezenas de milhares de pessoas habituadas a matar e com a psique destruída pela guerra seguirão para a União Europeia a fim de recuperar o nível de remuneração a que se habituaram durante anos de guerra, e isso por todos os meios ao seu alcance.

As capitais europeias serão então confrontadas com uma escolha muito limitada: ou manter um financiamento substancial e duradouro do exército e da economia ucranianos, ou acolher no seu território dezenas de milhares de indivíduos desequilibrados com experiência em matar, em busca de um nível de vida confortável, ou, como mencionado acima, colocar a Ucrânia sob o estatuto de Estado pária e fechar a sua fronteira à livre circulação com a UE.

Tendo em conta as políticas conduzidas nos últimos anos por Bruxelas e pela maioria dos governos europeus, e considerando os riscos inerentes à segunda opção para as «elites», a manutenção de um financiamento substancial a Kiev parece ser o mal menor.

No entanto, a indignação manifestada pelos decisores europeus face à proposta da administração Trump de reduzir os efectivos do exército ucraniano para 600 000 homens no final do conflito é uma quimera grosseira cujo verdadeiro objectivo seria impedir a assinatura de um acordo de paz e prolongar a guerra pelo tempo necessário para que a União Europeia reestruture os seus exércitos à custa de sacrifícios socio-económicos que os seus contribuintes farão de boa vontade ou à força.

Oleg Nesterenko

Presidente da CCIE ( www.c-cie.eu )

(Ex-director de MBA, ex-professor dos programas de mestrado das Grandes Écoles de Commerce de Paris)

1.       termo alemão que significa, num jogo de xadrez,“obrigação de jogar”

 

Fonte: Le futur de l’armée ukrainienne : le zugzwang pour l’Union européenne – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice



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