Nacionalismo, Guerra, Repressão, Austeridade: Sintomas da Crise Capitalista
Os “cessar-fogos” não trazem tréguas
Desde o acordo de
"cessar-fogo" mediado pelos EUA entre Israel e Hamas, dezenas de
milhares de palestinianos retornaram a Gaza e encontraram a sua casa reduzida a
escombros, dividida ao meio e ainda sob fogo quase constante. Não passou um
único dia sem que Israel continuasse a atacar e a matar civis em Gaza, com mais
de 100 mortos apenas na terça-feira, 28 de Outubro. O "cessar-fogo",
clamado por manifestantes ao redor do mundo há anos, está a revelar-se não ser
nada disso, enquanto Gaza permanece sitiada enquanto as FDI e o Hamas realizam a
sua troca macabra e fragmentada dos corpos dos seus reféns para serem
devolvidos às suas famílias para serem enterrados. Como parte do acordo falso
de Trump, uma "linha de cessar-fogo" amarela foi traçada no meio de
Gaza, servindo como uma fronteira de facto e provocando suspeitas de que o
terreno está montado para a anexação por Israel de metade de Gaza.
Ao norte de Israel, o Líbano
também não viu um dia sem outro ataque das IDF desde o seu acordo de
"cessar-fogo", também mediado pelos EUA, há um ano. Assim como em
Gaza, também no Líbano, o governo de Israel afirmou que o objectivo dos seus
ataques contínuos tem sido "destruir a infraestrutura terrorista". A
alegação de "terrorismo" continua a ser fundamental para a estratégia
de relações públicas de Israel, já que a infraestrutura destruída pelas FDI em
ambos os territórios inclui hospitais, escolas e agricultura, além de habitações,
enquanto no local as suas operações recentes no Líbano incluíram a invasão de
um prédio municipal para matar um funcionário enquanto dormia. No entanto, não
há nada de incomum em Israel literalmente usar a acusação de
"terrorismo" como arma para justificar os seus ataques intermináveis
contra civis no seu brutal ataque militar aos territórios inimigos; é exactamente
a mesma base que os EUA usaram para justificar as suas invasões ao Afeganistão
e ao Iraque em 2001 e 2003, respectivamente, é como a Rússia justificou a sua
invasão da Ucrânia e é como a China justifica a sua perseguição aos uigures em
Xinjiang.
Um Impulso Mundial para a Guerra
Entretanto, no Sudão,
descobriu-se que as Forças de Apoio Rápido (RSF), uma milícia paramilitar,
estavam a usar equipamento militar francês e, posteriormente, britânico
fornecido pelos Emirados Árabes Unidos, aliados da OTAN. As RSF enfrentam actualmente
acusações de genocídio, numa guerra civil em que centenas de milhares de
pessoas foram mortas, muitas mais deslocadas e mais de 30 milhões precisam
desesperadamente de ajuda, no que certas ONG condenaram como «a maior crise
humanitária do mundo», com o sangue derramado na região visível do espaço.
A guerra na Ucrânia,
apesar de toda a conversa de alto nível entre Trump e Putin, continua com
dezenas de milhares de mortos em ambos os lados. E após alegados avistamentos
de drones russos no espaço aéreo polaco, lituano e alemão e relatos de que a
Rússia está a testar uma nova arma nuclear baptizada de «Chernobyl voador», o
Reino Unido e os EUA impuseram agora sanções ao petróleo russo, provocando um
aumento nos preços do petróleo e, mais crucialmente para ambas as facções
beligerantes, forçando os seus aliados a uma dependência crescente e a uma
lealdade mais explícita.
Mas isso é apenas a
ponta do iceberg. De acordo com várias estimativas, os gastos militares mundiais
estão a atingir níveis recordes, enquanto o mundo já está a ser dilacerado por
56 conflitos activos, números nunca vistos desde a Segunda Guerra Mundial.
EUA Reafirmam o seu controlo
Se isto soa como uma
demonstração de poder por parte dos EUA, a sua motivação é a mesma de qualquer
outra chamada demonstração de força: a realidade de que o seu domínio sobre a
ordem imperialista mundial está, de facto, a enfraquecer, com a China a
seguir-lhe os passos. E, na ausência de poder económico suficiente para
desafiar o seu principal rival, os EUA só podem defender a sua posição da mesma
forma que todos os organismos capitalistas sob ameaça desde o início do próprio
capitalismo: com força bruta. Desde o advento da era imperialista do
capitalismo (aproximadamente na viragem do século XX), em que a concorrência
económica assumiu a forma de concorrência entre nações e blocos nacionais, isso
só pode significar uma coisa: a descida para uma guerra generalizada.
Enquanto no cenário
internacional isso assume a forma de acordos de armas com os seus clientes e
ameaças militares e sanções aos seus inimigos (o exemplo mais recente é o
conflito que se forma na Venezuela), na “frente interna” Trump ameaçou
explicitamente usar cidades “perigosas” dos EUA como “campos de treino” para os
militares. A omissão de Trump em mencionar a quem exactamente essas cidades são
«perigosas» é totalmente deliberada — elas correspondem perfeitamente às
cidades que têm visto vagas de resistência às incursões da agência federal ICE,
para defender os migrantes contra a deportação forçada.
Um Sistema que Gera Guerra
Não nos cabe decidir
qual tragédia humanitária em curso merece a maior parte do nosso horror – não
só porque isso não traz nenhum benefício nem para os sobreviventes nem para os
mortos, mas também porque reconhecemos que, tal como muitos rebentos mortíferos
da mesma planta venenosa, elas partilham a mesma raiz. As guerras estão a
intensificar-se em todo o mundo porque a sua força motriz comum, a crise do
sistema capitalista, cuja base é a acumulação constante de lucros que não podem
escapar à sua tendência de queda, continua a intensificar-se. Não há nada de
abstracto ou metafísico nisto: é claro como a luz do dia que as guerras que
estamos a ver são escaladas militares dos interesses concorrentes dos Estados
capitalistas e, enquanto a classe dominante se preocupa com a melhor forma de
defender os seus lucros a partir da segurança dos seus gabinetes de guerra,
milhares de pessoas da classe operária estão a matar e a ser mortas sob as suas
ordens todos os dias.
E qualquer tentativa de
usar as suas próprias regras, as suas próprias leis, os seus próprios códigos
morais contra eles é uma perda de tempo fatal. As regras da guerra existem para
justificar e moderar os massacres sistemáticos de seres humanos e, quando essas
regras deixam de funcionar para os fins da classe dominante, eles simplesmente
as descartam; apesar dos melhores esforços de vários governos para eliminar
jornalistas inimigos, graças às redes sociais, estamos a ver isso acontecer
diante dos nossos olhos. A guerra em Gaza, agora considerada um genocídio pela
maioria das principais organizações humanitárias, é um exemplo gritante. Nas
palavras da UNRWA, “Gaza está a tornar-se o cemitério do direito internacional
humanitário... Tornámos a Convenção de Genebra quase irrelevante. O que está a
acontecer e a ser aceite hoje em Gaza não é algo que possa ser isolado;
tornar-se-á a nova norma para todos os conflitos futuros”. Não importa para as
massas massacradas em Gaza, Líbano, Ucrânia, Rússia, Sudão, Tigray, Caxemira,
Mianmar, se as suas mortes são consideradas «legais» ou «criminosas». Condenar
os seus assassinos como criminosos não só não trará os mortos de volta, como
também não impedirá que os massacres continuem.
Também não podemos
esperar qualquer trégua na redefinição das fronteiras ou no reconhecimento dos
Estados. Desde o início do capitalismo, a formação das nações é tudo menos um
processo pacífico e, na era do imperialismo, a ideia de que uma nação pode ser
verdadeiramente «independente» ou «soberana» em qualquer sentido objectivo é
completamente sem sentido. Não há melhor exemplo disso do que o próprio Israel:
formado por sobreviventes do último massacre imperialista mundial com o apoio
dos vencedores dessa guerra, que então ditaram os termos da nova ordem mundial,
a sua existência como um Estado «independente» tem sido, na verdade, a de um
Estado cliente dos EUA desde que estes últimos venceram a guerra de licitações
pela sua clientela na década de 1960. Seria loucura esperar um destino mais
favorável para uma Palestina nominalmente «independente» do que as «correntes douradas»
de Israel.
Neste sistema, cuja
necessidade inexorável de acumular lucros gera uma tirania cada vez mais brutal
e guerras sem fim, a única esperança de sair do inferno que a humanidade criou
para si mesma continua a estar na classe operária: a classe cujo trabalho
produz os bens e presta os serviços a partir dos quais todos os lucros são
produzidos e através dos quais o sistema se reproduz. A classe que, em todas as
nações do mundo, é enviada para matar e ser morta uns pelos outros em defesa
dos lucros dos nossos exploradores; mas que não tem nenhuma disputa inerente
entre si. Na verdade, em todas as nações, os nossos interesses permanecem um e
o mesmo: o derrube do sistema capitalista. É nesse sentido que a escolha para a
humanidade permanece: socialismo ou barbárie.
O artigo acima é retirado da edição actual (nº 73) do Aurora, boletim da
Organização dos Operários Comunistas.
Notas:
Imagem: Hla.bashbash (CC
BY-SA 4.0), commons.wikimedia.org
Segunda-feira, 10 de Novembro de 2025
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Fonte: Nationalism, War, Repression, Austerity: Symptoms of Capitalist Crisis | Leftcom
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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