Os últimos dias de Bashar Al Assad no poder na Síria
René NABA / 1º de dezembro de 2025 / em Décryptage
Este documento é publicado no primeiro aniversário da queda do regime baathista e da partida para o exílio na Rússia do ex-presidente sírio Bashar Al Assad. Baseia-se nos depoimentos do ex-chefe do escritório de imprensa presidencial Kamel Saqr e do ex-primeiro-ministro Mohammad Ghazi Al Jamali.
·
A última visita de Bashar al-Assad a Moscovo foi mal sucedida.
·
O presidente sírio não conseguiu entrar em contacto com o presidente russo
Vladimir Putin.
Bashar Al Assad estava desligado da
realidade nesse período.
Prólogo
O ataque ao regime de Bashar al-Assad, através
das milícias de Idlib, ocorreu no mesmo dia do acordo de cessar-fogo entre
Líbano e Israel, em 27 de Novembro de 2024. Hayat Tahrir As Sham lutou na
Ucrânia contra a Rússia; No entanto, ele não disparou um tiro contra Israel em
apoio aos combatentes do Hamas, que são como eles, lutadores islamistas árabes
sunitas.
Retorno a essa confusão.
Da noite para o dia, a Síria passou do
campo da resistência para o cenário de uma "revolução islâmica"
liderada pela Turquia e justificada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan pela
incapacidade do seu homólogo sírio Bashar al-Assad em responder à sua exigência
por reformas internas.
Sobre o papel dos serviços britânicos,
em particular o MI6 na queda do regime baathista, veja este link:
Assim que as milícias de Abu Mohammad Al
Joulani entraram em Damasco no domingo, 8 de Dezembro de 2024, o
primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu declarou que a queda do regime
baathista foi uma vitória histórica para Israel.
Assim, ele apressou-se em trazer os seus
tanques para o território sírio e ocupou o restante do Golã até ao Monte
Hermon, enquanto os seus aviões bombardeavam infraestrutura militar, depósitos
de armas, força aérea, bases navais e tudo relacionado com a Defesa Nacional,
com cerca de 800 incursões.
A história de Kamel
Saqr, Director do Gabinete de Informação da Presidência Síria durante o mandato
do Sr. Bashar Al Assad
Saqr afirmou que "a Rússia não
atendeu ao pedido do presidente sírio para usar a base Hmeimin para transferir
equipamentos militares do Irão para o exército sírio, após a queda de Aleppo em
Dezembro de 2024."
Afectado à Rússia desde 2015, Hmeimin
está localizado a sudeste de Latakia, uma cidade costeira no Mar Mediterrâneo.
"Assad não conseguiu entrar em
contato com o presidente russo nos três dias que antecederam 8 de Dezembro de
2024, quando Damasco caiu nas mãos dos insurgentes", disse ele,
acrescentando que Teerão havia informado Assad que não havia recebido garantias
dos russos de que aeronaves iranianas pousariam na base de Hmeimin.
Saqr ainda afirmou que "Teerão
afirmou em Damasco que os americanos ameaçaram abater aviões iranianos se
cruzassem o espaço aéreo iraquiano."
Essas revelações foram publicadas pelo
site online "Ar Rai al Yom", do influente jornalista Abdel Bari
Atwane, em 6 de Janeiro de 2025.
Kamel Saqr também indicou que o Iraque
informou os sírios em 5 de dezembro de que a Turquia agora recusava qualquer
diálogo com Damasco.
O ex-porta-voz considerou que a recusa
de Assad em negociar com Erdogan constituiu uma "negação da realidade, uma
corrida precipitada para evitar as consequências da negociação com a
Turquia".
Alexander Lavrentiev, enviado russo na
Síria, tentou convencer Assad a negociar com Erdogan, mas o presidente sírio
recusou, assim como recusou um encontro entre os ministros dos Negócios
Estrangeiros da Síria e da Turquia, mantendo-se fiel a uma reunião entre os
responsáveis pela segurança dos dois países.
A recusa de Assad em se encontrar com
Erdogan incomodou os russos, acrescentou o ex-funcionário sírio.
A mensagem do presidente
Assad para a nação.
A mensagem presidencial seria
transmitida na quinta-feira. Mas a sua transmissão foi adiada para sexta-feira,
depois novamente para sábado. Assad finalmente decidiu cancelá-la de vez,
enquanto os combates rugiam em torno de Homs e Damasco.
"Montamos o local onde Bashar
deveria fazer o seu discurso televisionado, mas a queda do regime era
previsível desde sábado, 7 de Dezembro, poucas horas antes do colapso do
governo baathista.
Preparativos logísticos foram feitos com
o objectivo da libertação de Homs pelas forças do governo. O discurso deveria
ser proferido não do palácio presidencial, mas do palácio Al Muhajirine.
"Assad estava desligado da
realidade. Ele praticava a auto-sugestão e rejeitava qualquer opinião
contrária", disse o ex-assessor de imprensa da presidência síria.
Saqr, que leu o texto do discurso, disse
que "o tom era vivo, sem relação com a crise que o regime estava a vivenciar.
Ele permaneceu em silêncio sobre exigências realistas, como a retirada do poder
ou a conclusão de um acordo com a oposição.
«O ponto principal do discurso
enfatizava o facto de que a ofensiva da oposição levaria à divisão do país.
Assad deveria dirigir-se aos sírios com estas palavras: «Se não defendermos o
nosso país, quem mais o fará?»
O segundo ponto do discurso foi um
ataque à Turquia, acusando-a de já ter ocupado Aleppo e de não ser franca nas
suas relações com a Síria.
O terceiro ponto do discurso foi sobre a
atitude dos países árabes em relação à Síria. "Estava planeado que uma
conferência de ministros dos Negócios Estrangeiros dos países árabes fosse
realizada, mas a conferência ministerial foi substituída por uma reunião de
delegados árabes à Liga Árabe. Mas nem mesmo essa reunião aconteceu. A consulta
inter-árabe já era sobre a unidade e independência da Síria, com ou sem
Bashar", diz Kamel Saqr.
Saqr disse que tentou alertar Assad de
que a sua mensagem não mudaria o rumo da situação, mas que não ousou propor a
Bashar que ele abrisse mão do poder.
Saqr disse que um funcionário no palácio
presidencial o informou por volta das 2h05 que Bashar havia deixado as
instalações mais cedo, acompanhado pelo ministro da defesa, chefe do Estado-Maior
do exército, secretário-geral da presidência e seu oficial de ordem, mas que
ele "não tinha absoluta certeza de que Maher Al Assad, irmão do presidente
e comandante da 4ª divisão blindada, poderia estar ciente" dessa saída.
Outra versão do relato
dos últimos dias de Bashar Al Assad neste link: https://www.mondialisation.ca/la-chute-de-damas-un-plan-soigneusement-prepare/5696766?doing_wp_cron=1741925646.5930991172790527343750
Asma Al Assad
A opinião de Kamel Saqr sobre a esposa
de Bashar al-Assad, formada pelo King's College de Londres e
ex-empresária. A esposa de Bashar
al-Assad e mãe dos seus três filhos «ganhou influência nas áreas económica,
social, administrativa e militar, tomando iniciativas humanitárias meramente
simbólicas».
"Asma tinha uma personalidade forte
e uma grande influência silenciosa sobre o marido em muitas áreas."
Ramy Makhlouf
O conflito com o primo materno de Bashar
al-Assad era "real. Asma tem pressionado muito para que o poder económico
seja tirado a Ramy... O Estado justificou a apreensão da propriedade de Ramy
sob o pretexto de fuga de capitais."
Em troca, Ramy considerou que os seus
bens haviam sido roubados "numa manobra destinada a fortalecer o poder
financeiro de Asma", argumentou Kamel Saqr.
O cancro de Asma.
Asma anunciou que estava a sofrer de cancro
e "instruiu o serviço de imprensa da presidência a espalhar a notícia para
garantir a simpatia da população... Mas o serviço de imprensa da presidência
nunca teve conhecimento de nenhum relatório médico.
No entanto, "o anúncio transmitido
por Asma mencionou cancro de mama, depois falou sobre leucemia e a sua aparição
na televisão tinha como objectivo manter a fibra sentimental entre a população
síria", conclui o Sr. Saqr.
Para quem fala
árabe, veja este
link
O testemunho do ex-primeiro-ministro Mohamad Ghazi Al Jamali
Al Jamali serviu como primeiro-ministro durante
três meses (Setembro-Dezembro de 2024)
"O colapso da economia e das
estruturas estatais da Síria foi consequência directa das decisões de Bashar
al-Assad. Da mesma forma, o colapso do exército sírio é atribuído aos baixos
salários dos soldados do exército governamental.
"No auge da ofensiva rebelde, o
governador de Homs entrou em contacto com o primeiro-ministro para pedir
permissão para destruir a Ponte Al Rostan a fim de dificultar o avanço dos
insurgentes. O Primeiro-Ministro recusou-se a emitir a ordem devido à
importância da estrutura para a economia do país e para o movimento das
pessoas. O exército ignorará essa proibição e prosseguirá para destruir a
ponte, duas horas após receber a proibição do primeiro-ministro, assegura o
ex-primeiro-ministro.
"A maioria das centrais telefónicas
do exército não atendia mais chamadas. A maioria dos soldados designados para
proteger o primeiro-ministro desertou dos seus postos", acrescentou.
O Ministro do Interior então telefonou
para o Primeiro-Ministro para anunciar, com grande medo: "Acabou. Saio do
meu escritório. Estou a ir para a zona costeira" onde ficam as bases
russas, ao redor de Latakia e Tartus.
Mohamad Ghazi Al Jamali conta: Foi então
que se generalizou o «salve-se quem puder». «Todos os altos funcionários
próximos de Bashar Al Assad, bem como as grandes famílias que eram próximas do
presidente, abandonaram Damasco e Homs em direcção às cidades costeiras, um
indício indiscutível do colapso do regime muito antes da derrota militar».
O primeiro-ministro então decidiu contactar
o presidente para informá-lo sobre a "histeria" que havia tomado
conta dos apoiantes do presidente, especificando que 20.000 (vinte mil) carros
estavam a evacuar os seus assustados apoiantes.
Segue-se este diálogo
Resposta de Assad: Para onde é que estão
eles a ir? Abasteça-os mesmo assim.
Primeiro-ministro: A questão não é
abastecer a população, mas tranquilizar as pessoas.
Assad: «Veremos isso amanhã».
O primeiro-ministro decide então entrar
em contacto com o ministro da Defesa, mas este não atende o telefone.
O ministro do Interior, que garantia que
permaneceria no cargo até ao fim, entra em contacto com o primeiro-ministro
para lhe anunciar que tudo estava acabado e que estava a deixar o seu gabinete.
«Salve-se também», aconselha ele ao seu chefe de governo.
O ministro contactou o primeiro-ministro
por volta das 3h da manhã, pouco antes da partida de Assad da Síria.
O primeiro-ministro tenta uma última vez
entrar em contacto com Bashar Al Assad. Em vão.
O primeiro-ministro declara que não
sabia, na altura, que o presidente estava a fazer as malas para fugir.
O testemunho do antigo
primeiro-ministro sírio Mohammad Ghazi Al Jamali,
neste link para o falante árabe.
Para ir além:
- https://www.madaniya.info/2024/10/22/de-la-duplicite-de-la-turquie-dans-la-guerre-de-gaza/
- https://www.renenaba.com/le-parti-baas/
- https://www.madaniya.info/2023/05/08/lenclave-kurde-du-nord-est-de-la-syrie-une-zone-de-non-droit-soumise-a-la-loi-de-la-jungle-1-4/
- https://www.madaniya.info/2023/05/14/syrie-kurdes-lenclave-kurde-du-nord-est-de-la-syrie-une-zone-de-non-droit-2-4/
- https://www.madaniya.info/2023/05/20/etats-unis-syrie-kurdes-3-4-lassaut-de-daech-contre-la-prison-de-gweran-nord-est-de-la-syrie/
- https://www.madaniya.info/2023/05/27/lenclave-kurde-du-nord-est-de-la-syrie-une-zone-de-non-droit-4-4/
Ilustração
Um retrato destruído
do presidente sírio Bashar al-Assad num prédio da Direcção de Segurança
Política do regime sírio, nos arredores da cidade central de Hama, após a área
ter sido tomada por forças anti-governamentais, em 7 de Dezembro de 2024. ©
OMAR HAJ KADOUR / AFP
René Naba
Jornalista-escritor, ex-chefe do mundo
árabe e muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, chefe de informação, membro do grupo
consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos e da Associação de
Amizade Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório
regional da Agence France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu a guerra civil
jordaniano-palestiniana, o "Setembro Negro" de 1970, a nacionalização
de instalações petrolíferas no Iraque e na Líbia (1972), uma dúzia de golpes de
Estado e sequestros de aviões, bem como a Guerra do Líbano (1975-1990) a 3ª
guerra árabe-israelita de Outubro de 1973, as primeiras negociações de paz
egípcio-israelitas na Mena House Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável
pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995.
Autor de "Arábia Saudita, um reino das trevas" (Golias), "De
Bougnoule a selvagem, uma viagem ao imaginário francês" (Harmattan),
"Hariri, de pai para filho, empresários, primeiros-ministros"
(Harmattan), "As revoluções árabes e a maldição de Camp David"
(Bachari), "Media e democracia, a captura do imaginário, um desafio do
século XXI" (Golias). Desde 2013, ele é membro do grupo consultivo do
Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Ele
também é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT),
Genebra; Presidente da instituição de caridade LINA, que opera nos bairros do
norte de Marselha, e Presidente Honorário do 'Car tu y es libre', (Bairro
Livre), trabalhando para a promoção social e política das áreas periurbanas do
departamento de Bouches du Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do
Instituto Internacional para a Paz, Justiça e Direitos Humanos (IIPJDH), com
sede em Genebra. Desde 1 de setembro de 2014, é responsável pela coordenação
editorial do site https://www.madaniya.info e apresentador de uma
coluna semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.
Fonte: Les
derniers jours de Bachar Al Assad au pouvoir en Syrie - Madaniya
Este
artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

Sem comentários:
Enviar um comentário