segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Documento sobre a Acção em Massa na Indonésia

 


Documento sobre a Acção em Massa na Indonésia 

A seguir, uma declaração do grupo indonésio Komunis Internasionalis Kolektif. Um grupo solidário com as posições da esquerda comunista. O movimento de protesto na Indonésia no final do último Verão reflecte o descontentamento social geral que pode ser observado em todo o mundo. Mas se pretendemos combater as causas que estão na origem do descontentamento, precisamos de um movimento da classe operária e não de um movimento cívico. Para tal, é necessário que os comunistas de hoje se empenhem no trabalho real que irá formar o futuro partido mundial da classe operária.

Há muitos anos, a repressão contra comunistas, anarquistas e organizações operárias tem sido intensificada na Indonésia. Um ponto de viragem importante ocorreu com a dizimação, através de prisões em massa, da PPAS (Fraternidade Anarco-Sindicalista dos Trabalhadores) entre 2020 e 2021. Também houve muitas outras repressões contra organizadores e jornalistas, submetidos a confissões forçadas e tortura. Este foi especialmente o caso durante o protesto contra a Lei de Criação de Empregos de 2020, que enfraqueceu drasticamente os direitos dos operários e as protecções salariais, enfraquecendo severamente o âmbito de acção das organizações proletárias e de esquerda. A lei foi veementemente contestada por uma aliança de organizações operárias e grupos ambientalistas. Também houve muitos relatos de repressões contínuas a organizadores sindicais, organizadores estudantis, jornalistas e a criminalização generalizada da dissidência através da vigilância.

A agitação e a turbulência que actualmente assolam quase toda a Indonésia são, por falta de uma descrição melhor, muito intensas, chocantes e terríveis. A polícia está a agir fora dos limites do que é considerado civilizado e legal, com acções que vão desde o uso imprudente de gás lacrimogéneo e balas de borracha até sequestros ilegais e espancamentos. Um incidente que me tocou particularmente foi a morte de um camarada e manifestante, Rheza Sendy Pratama, baleado e espancado até a morte pela polícia. Antes da morte de Rheza, houve também outro crime hediondo perpetrado pela polícia, o atropelamento de um motorista de aplicativo que estava envolvido em manifestações; ele morreu no hospital. O nome da pessoa é Affan Kurniawan.

A agitação que assolou a Indonésia entre 25 de Agosto e 9 de Setembro não começou como um protesto generalizado «anti-governamental», como acabou por se tornar. Começou com mobilizações lideradas pelos operários em torno de questões básicas como salários, sub-contratação/trabalho temporário e segurança no emprego. Essas reivindicações ampliaram-se após a morte de Affan Kurniawan, quando estudantes e grupos da sociedade civil se juntaram às manifestações para contestar os privilégios dos funcionários do governo, os assassinatos cometidos pela polícia e o retrocesso democrático.

Na quinta-feira, 28 de Agosto, as principais confederações sindicais reuniram-se em Jacarta (Câmara dos Representantes/Senayan e Palácio Presidencial). Os porta-vozes dos sindicatos apresentaram seis reivindicações: rever a Lei de Criação de Empregos de 2020, restringir a terceirização, aumentar o salário mínimo, fortalecer as protecções contra demissões e reduzir a carga tributária dos trabalhadores. À primeira vista, essas são questões puramente do trabalho.

Mesmo antes da acção dos sindicatos em 28 de Agosto, estudantes e grupos progressistas da sociedade civil já haviam começado a protestar contra um novo auxílio à habitação de Rp50 milhões por mês (≈US$3.000) e outros benefícios para deputados, que é quase uma ordem de magnitude maior que o salário mínimo de Jacarta. Esse simbolismo de isolamento das elites durante uma pressão no custo de vida irritou muitas pessoas. Após a notícia da morte de Affan Kurniawan, protestos e tumultos espalharam-se para Makassar, Surabaya, Bandung e, por fim, na minha cidade, Yogyakarta, entre outras.

Em várias cidades, a polícia usou gás lacrimogéneo e canhões de água para dispersar os manifestantes. Também houve múltiplas agressões e uso excessivo de força cometidos por policiais contra manifestantes e também transeuntes que apenas tentavam contornar e passar. Um desses espectadores é um estudante da UNY [Universidade Estadual de Yogyakarta] que foi espancado até sangrar da cabeça.

Há muitos casos de violência excessiva usada pela polícia. Eu mesmo testemunhei as consequências dessa vaga de brutalidade policial, incluindo ver manifestantes com ferimentos graves na cabeça e dezenas dos meus próprios amigos a ser gaseados e espancados.

Em Jacarta e outras cidades onde os protestos estão a ocorrer, há relatos de detenções em massa e até sequestros de manifestantes pela polícia. A polícia impediu a representação legal, impedindo muitas organizações, como a LBHI [Fundação Indonésia de Assistência Jurídica], de contactar manifestantes detidos ou entrar em centros de detenção. Essas tácticas têm sido comumente utilizadas pela polícia em protestos anteriores.

A polícia utilizou de forma desproporcional gás lacrimogéneo (incluindo novos relatos que alegam o uso de munições de gás lacrimogéneo fora de prazo), canhões de água e veículos blindados em áreas movimentadas, colocando em risco tanto os manifestantes como os transeuntes. Centenas de manifestantes teriam sido detidos em Jacarta, Makassar e Surabaya. Muitos foram detidos sem acusações claras e sem representação legal. As autoridades também restringiram a documentação em tempo real dos protestos, suspendendo as transmissões ao vivo do TikTok, limitando a capacidade dos jornalistas e cidadãos de monitorizar a conduta da polícia; um esforço deliberado e consciente da polícia para silenciar as pessoas e atacar a liberdade de expressão.

Também houve casos de pessoal do departamento de inteligência da polícia nacional a infiltrar-se nos protestos, pessoas que chamamos de «intel». Esse pessoal de inteligência geralmente usa medidas secretas, como disfarçar-se de entregadores para seguir e entrar nas residências ou casas dos manifestantes. Também houve casos em que se disfarçaram de estudantes à procura de lugares para alugar, tentando entrar nos Kosan (apartamentos compartilhados para estudantes universitários). Os agentes secretos também têm usado tácticas de provocação para incitar a acção da própria polícia, tornando-se agentes provocadores.

Muitos manifestantes foram baleados pela polícia, alguns na cabeça, outros no joelho e também nos tornozelos, mas muitos dos ferimentos parecem ser ferimentos na cabeça resultantes de espancamentos e balas de borracha. Na cidade de Yogyakarta, especificamente na área de Pakuwon, a polícia é vista a incendiar os veículos que os manifestantes usaram para chegar lá, principalmente scooters e motocicletas, para limitar a mobilidade e os meios de fuga disponíveis aos manifestantes. Mesmo agora, a situação está a evoluir e é incerta, e as coisas podem mudar a qualquer momento. No momento em que este artigo foi escrito, acabaram de chegar relatos de que a polícia está novamente a disparar contra os manifestantes com balas de borracha e cortou a electricidade nas áreas afectadas. E até agora, a polícia continua a realizar monitorização e vigilância intensivas e, mais recentemente, prendeu centenas de pessoas e confiscou vários livros radicais.

Declaração política sobre a espontaneidade em massa na Indonésia

Em 1 de Setembro de 2025, durante os protestos em toda a Indonésia, surgiu uma exigência popular: as «17+8 Exigências do Povo» (17+8 Tuntutan Rakyat). As 17 exigências de curto prazo foram formuladas para serem cumpridas dentro de uma semana, exigindo medidas imediatas, como a retirada das forças armadas da aplicação da lei civil, o cancelamento dos aumentos dos subsídios parlamentares, a libertação dos manifestantes detidos e a protecção dos direitos trabalhistas. As oito exigências de longo prazo, destinadas a serem cumpridas dentro de um ano, pressionavam por mudanças estruturais: uma reforma completa do Conselho Representativo do Povo, uma supervisão mais forte dos partidos políticos, regimes fiscais mais justos, a aprovação de uma lei de apreensão de bens e reformas institucionais mais profundas nas instituições policiais e de direitos humanos.

No entanto, a história do 17+8 também revela como os movimentos actuais caminham na corda bamba entre a energia popular e a influência dos influenciadores. As reivindicações foram formalmente redigidas por personalidades das redes sociais — entre elas Jerome Polin e outros — que organizaram e divulgaram os 25 itens, consolidando mais de 200 propostas originais da sociedade civil e dos trabalhadores. Embora isso tenha dado ao movimento uma certa coerência e visibilidade viral, os críticos apontaram que o processo carecia de consulta e que o formato liderado por influenciadores corria o risco de marginalizar vozes estruturais mais profundas, sem mencionar que essas reivindicações estão impregnadas de moralidade burguesa e exigências liberais. Na prática, a agenda reformista era mais fácil para as elites e o Estado se envolverem (ou cederem parcialmente), enquanto desafios mais radicais — sobre classe, desapropriação ou crítica sistémica profunda — eram frequentemente deixados à margem.

Não consigo enfatizar o suficiente a volatilidade dessa situação. No entanto, acreditamos que o proletariado na Indonésia deve passar agora de manifestações espontâneas para uma organização sólida — da indignação populista para a verdadeira luta de classes. O movimento de oposição actual na Indonésia está dividido entre uma mistura de radicais populistas com uma noção vaga de mudança e um movimento anti-elitista sem organização real, e várias facções de esquerda que foram levadas à clandestinidade.

Além de servir como um veículo para a raiva das massas, os protestos também podem tornar-se uma arena para lutas políticas internas dentro das próprias massas. É por isso que muitos observadores externos costumam responder cinicamente às alegações de que os manifestantes estão a ser «explorados» ou «manipulados» por certos actores, a fim de demonizar e deslegitimar a acção das massas. Tais acusações podem conter alguma verdade — é possível que haja realmente grupos a provocar deliberadamente as massas para desmoralizar o movimento. É neste contexto que os protestos de massa são profundamente políticos e frequentemente infiltrados por oportunistas. Tomemos, por exemplo, as reivindicações apresentadas por um grupo que se identifica como o colectivo 17+8.

Os influenciadores que aderiram e apoiaram este movimento de massa e as suas exigências foram alvo de escrutínio durante o protesto. Foram acusados de sequestrar o movimento para impulsionar a sua própria reputação política. Para nós, não há nada de intrinsecamente errado nisso, dado que ninguém num protesto de massa pode agir como polícia moral. Portanto, as agendas políticas de cada grupo de interesse são da sua própria responsabilidade política.

A questão é: como é que a classe operária deve responder a isso? Devemos compreender que nem todas as reivindicações apresentadas por esses influenciadores podem ser aceites. A classe operária precisa das suas próprias reivindicações independentes, mesmo enquanto marcha ao lado deles nas ruas. A classe operária deve demonstrar que a sua agenda política é digna de ser defendida e começar a agitar a sua posição política entre as massas. Por esta razão, é crucial ter uma organização política da classe operária que lute pelos seus próprios interesses de classe.

Esse tipo de movimento corre o risco de se esgotar, e exigências como opor-se à corrupção ou restaurar a democracia não são suficientes para prevenir a violência de classe e resistir ao contínuo declínio do padrão de vida. Quaisquer que sejam os resultados dessa vaga actual de protestos, é apenas uma organização de classe diligente e de longo prazo que trará resultados significativos na luta contra a brutalidade estatal e a exploração capitalista. Devemos continuar a lançar as bases de um movimento proletário mais forte, independente da política burguesa e pronto para enfrentar o capital de frente.

Portanto, encorajamos que o processo de organização seja realizado nos locais de produção e reprodução — ou seja, entre os operários formais e, especialmente, entre os operários informais, que muitas vezes são ignorados, mas que diariamente são subordinados e forçados a trabalhar de maneiras que sustentam a exploração capitalista dentro do processo de produção.

A organização da classe operária pode manifestar-se sob a forma de comités de operários que tecem colectivamente ligações como uma espécie de polinização cruzada que, eventualmente e organicamente, se une em órgãos de classe capazes de transformar a totalidade das relações capitalistas.

A vaga de agitação e protestos que ocorre em todo o mundo — em lugares como o Nepal, as Filipinas, a França, a Índia e os sindicatos de trabalhadores em Itália para intervir na logística de Israel no âmbito do seu genocídio da Palestina — demonstra que a luta de classes não é uma luta fragmentada ou isolada, confinada por fronteiras territoriais.

A luta de classes é uma luta internacional que vai além da autoridade dos Estados. A luta de classes é internacional ou não é nada.

Komunis Internasionalis Kolektif

Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025

 

Fonte: Report on the Mass Action in Indonesia | Leftcom

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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