19 de Junho de 2021 Allan Erwan Berger
ALLAN ERWAN BERGER — Se o século XX viu a introdução do mal absoluto na humanidade ocidental, o vigésimo primeiro parece começar com a introducção de toda a humanidade ocidental no mal absoluto. Pode-se imaginar que isso se deve ao abandono do nosso mundo, onde o cristianismo secou depois de ter morto, ele próprio, todos os seus rebentos – o que deixa o ser humano sozinho num mundo sem sentido – e onde o Islão está a esgotar-se num surto de violência do qual ele pode muito bem emergir apenas amaldiçoando-se; isso assinaria a falência absoluta dos monoteísmos recentes. Uma vez que o judaísmo antigo tem a inegável vantagem de não saber como anatemizar qualquer tentativa de mutação, ele ainda oferece a possibilidade de fornecer apoio efectivo às pessoas que a ele recorrem.
Mas para as multidões, das quais eu faço parte, que, sem nenhum tipo de crença em qualquer deus criador, vagueiam à noite, duas opções permanecem abertas: que, em primeiro lugar, se deixem consumir pelo terror das trevas, que força os espíritos a preocuparem-se apenas em acumular para a sobrevivência, e a de permanecer firme para proteger corpo e alma a centelha da ética , que se reaviva, por exemplo, ao recusar olhar para o mal em si mesmo.
A primeira opção
impulsiona as suas vítimas para a morte antes da morte. Enquanto eles têm poder
financeiro, tornam-se os vectores através dos quais o caos cai: as fortunas não
são mais colossais, mas astronómicas, e o poder que resulta delas é de escala
divina. Satanás saiu dos corações e tomou forma; a media é a sua boca e,
por uma abdicação singular do seu ser, centenas de milhares de humanos dão-lhe
toda a sua força: soldados e policias, cuja população está dividida entre
aqueles que estão fanaticamente felizes em poder prejudicar, aqueles que se
entorpecem para não explodir com vergonha, e aqueles que porque lhes salta a
tampa – é quase impossível hoje permanecer digno sob um uniforme, o que quer
que alguém possa ter pensado para se integrar comprometendo-se...
Häftling, KaPo, Lagerkommandant, todas as fileiras são chamadas a submeter-se à regra do caos, outro nome para o ordoliberalismo. Estou a usar palavras europeias aqui porque, na batalha das trevas contra a ética, a Europa parece-me estar na vanguarda hoje. Depois de ter, no primeiro terço do século XX, feito promessa de fidelidade, como grande parte da Ásia, à "injustiça, tirania, mentiras, escravidão e à opressão das consciências" (Jung) ao concentrar a sua agressividade em certos grupos humanos, a Europa está agora a avançar e tende a abater-se, totalitária, sobre todos os seus povos como um todo: este é o momento em que a escravidão e as tribulações começam a preocupar a todos, e não mais apenas a estigmatizadas minorias. Ladrões e trapaceiros estão por todo o lado no controlo, e pessoas honestas são pisadas. A corrida pelo menos exigente está lançada: apenas o menor salário terá direito ao trabalho. Os outros, privados de tudo, terão que se defender à margem da legalidade, sob o olhar implacável das agências de aplicação da lei. Ou seja, virá o reinado do enfrentamento global e da escassez organizada – duas características da Lager. É como se o mal aqui quisesse reproduzir-se industrialmente, numa escala nunca antes vista. A sua estátua já domina os arredores do Europäische Zentralbank, e é a estátua do avatar €uro, que é venerada nesses lugares como Moloch já havia sido venerado. A Lager está a espalhar-se hoje à escala continental. As regras da Lager já dominam em áreas que foram engolidas, como a Grécia, e a Europa dos fraudadores procura impor-lhes, nos espaços que cobiça, por meios cada vez menos morais, à medida que a resistência é organizada para combatê-la.
No que diz respeito à França, vemos que essa resistência sempre vem do mesmo pequeno círculo de pessoas com princípios: aqueles que escolheram, em resposta ao frio congelante da escuridão sem deuses mais aparentes, a segunda opção, completamente ateu e sem esperança vã: é a opção que nos faz dizer que, uma vez que a vida poderia muito bem ser apenas uma pequena faísca entre dois oceanos de nada, deixemo-nos mimar uns aos outros.
É normal que o Estado francês, corrompido pelas instituições ordoliberais criadas na Europa, se levante contra os seus próprios fundamentos, a ponto de atacar abertamente o que constitui o seu alicerce: o lema da República. E é o que mostra com tanta simplicidade o fresco grenoblês de GoIn : o estado que mata quem o alimentou. O assassinato da mãe, francamente.
Desenho de Drer encontrado no Twitter.
Também é normal que o Estado fique
indignado com esse fresco: os clérigos sempre amaldiçoaram os profetas, ou os
artistas (é sinónimo). E eu, nestes tempos em que a história estremece, procuro
nas calçadas e sobre os muros os sinais de profecias para os tempos actuais: as
obras dos nossos artistas de rua. Eles são sem apelo: a guerra está aqui.
Acima: La République amochée ne se rend pas (A República agredida não se rende – NdT), por Prisme, Abril de 2016. Mural pintado em Rennes, perto do acesso à Passerelle de l'oeil para Jean-François Martin. A obra foi depois arrancada pelo município socialista.
Só para constar,
coloquei aqui um link para um vídeo profético (para este caso): O plano de batalha dos financiadores por
François Ruffin do jornal Fakir.
E se você acha que estou a exagerar quando escrevo que na Grécia a atmosfera é reminiscência da de um campo de internamento, aqui estão dois tweets tirados hoje da massa de notícias inconvenientes que chega de lá...
Fonte: L’État contre la république – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por
Luis
Júdice
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