sexta-feira, 11 de junho de 2021

O Fórum de São Petersburgo. Uma cartografia do século Eurasi.

 


 11 de Junho de 2021  Robert Bibeau  

Por Pepe Escobar - Fonte Do Blog do Saker

É impossível entender os detalhes do que está a acontecer no terreno na Rússia e em toda a Eurásia, no plano comercial, sem acompanhar o Fórum Económico Internacional de São Petersburgo (SPIEF).

 Vamos pois directos ao ponto e oferecer alguns exemplos seleccionados do que foi discutido durante as sessões principais.

O Extremo Oriente Russo. Aqui está uma discussão sobre as estratégias em grande parte bem sucedidas para estimular o investimento produtivo na indústria e na infraestrutura no Extremo Oriente russo. A manufactura na Rússia cresceu 12,2% entre 2015 e 2020; no Extremo Oriente, foi o dobro, com 23,1%. E de 2018 a 2020, o investimento de capital fixo per capita foi 40% maior que a média nacional. Os próximos passos estão focados na melhoria da infraestrutura, na abertura dos mercados mundiais às empresas russas e, acima de tudo, na procura dos fundos necessários (China? Coreia do Sul?) para tecnologias avançadas.

A Organização de Cooperação de Xangai (OCS). Como vi por mim mesmo em edições anteriores do fórum, não há nada comparável no Ocidente em termos de discutir seriamente uma organização como a OCS, que gradualmente evoluiu do seu objectivo original de segurança para um papel político e económico de grande envergadura.

A Rússia presidiu o OCS em 2019-2020, quando a política externa ganhou novo impulso e as consequências socio-económicas do Covid-19 foram seriamente abordadas. A partir de agora, o foco deve ser em como tornar essas nações-membros, especialmente os "stans" da Ásia Central, mais atraentes para os investidores mundiais. Entre os palestrantes estavam o ex-secretário-geral da OCS Rashid Alimov e o actual secretário-geral Vladimir Norov.

A Parceria Eurasiana. Esta discussão concentrou-se no que deveria ser um dos principais nós do século Eurasiático: o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC). Um importante precedente histórico aplica-se: a rota comercial do Volga dos séculos VII e VII que ligava a Europa Ocidental à Pérsia – e que agora poderia ser estendida, numa variante da Rota da Seda Marítima, aos portos da Índia. Isso levanta uma série de questões, que vão desde o desenvolvimento do comércio e tecnologia até à implementação harmoniosa das plataformas digitais. Os palestrantes são da Rússia, Índia, Irão, Cazaquistão e AzerbaijãoA Parceria Grande Eurásia. A Grande Eurásia é o conceito global russo aplicado à consolidação do século Eurasiático. Esta discussão está em grande parte focada na Big Tech, incluindo a digitalização completa, sistemas de gestão automatizados e crescimento verde. A questão é como uma transicção tecnológica radical poderia servir aos interesses da Grande Eurásia.

E é aí que entra a União Económica Eurasiana (UEEA), liderada pela Rússia: como é que deve funcionar na prática o desejo da UEEA em criar uma grande parceria eurasiana? Entre os palestrantes estão o presidente do conselho da Comissão Económica da Eurásia, Mikhail Myasnikovich, e uma relíquia do passado de Yeltsin: Anatoliy Chubais, que agora é representante especial de Putin para "relações com organizações internacionais para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável".

Precisamos ver-nos livres de todas essas notas verdes

A mesa redonda mais interessante da SPIEF foi dedicada ao "novo normal" (ou anormalidade) pós-Covid-19 e como a economia será remodelada. Uma importante sub-secção focada em como a Rússia pode beneficiar disso, em termos de crescimento produtivo. Foi uma oportunidade única ver a directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, a governadora do Banco Central russo, Elvira Nabiullina, e o ministro das Finanças russo Anton Siluanov a debater em torno da mesma mesa.

Na verdade, foi Siluanov quem fez todas as manchetes sobre a IPRS quando anunciou que a Rússia abandonaria completamente o dólar americano na estrutura de seu fundo soberano e reduziria a parte da libra esterlina. Este fundo terá mais euros e yuan, mais ouro, e a parte do iene permanecerá estável.

Esse processo contínuo de desdolarização era mais do que previsível. Em Maio, pela primeira vez, menos de 50% das exportações russas foram efectuadas em dólares americanos.

Siluanov explicou que as vendas de cerca de US$ 119 biliões em activos líquidos passarão pelo Banco Central russo, não pelos mercados financeiros. Na prática, esta será uma simples transferência técnica de euros para o fundo soberano. Afinal, o Banco Central tem-se livrado regularmente dos seus dólares americanos há anos.

Cedo ou tarde, seguir-se-á a China. Ao mesmo tempo, algumas nações da Eurásia, de forma extremamente discreta, também estão a livrar-se do que é de facto a moeda de uma economia baseada em dívida, no valor de dezenas de triliões de dólares, como Michael Hudson explicou em detalhe. Sem mencionar que transacções em dólares americanos expõem nações inteiras à extorsão de uma máquina judicial extraterritorial.

Na muito importante frente sino-russa, que tem sido abordada em todas as discussões, o facto é que a combinação de know-how técnico chinês e energia russa é mais do que capaz de consolidar um enorme mercado pan-eurasiano capaz de ofuscar o Ocidente. A história diz-nos que, em 1400, a Índia e a China foram responsáveis por metade do PIB mundial.

Enquanto o Ocidente chafurda num colapso auto-induzido, a caravana da Eurásia parece imparável. Mas ainda há aquelas malditas sanções americanas.

A sessão do Clube de Discussão Valdai aprofundou a histeria: as sanções que servem como uma agenda política ameaçam vastas áreas da infraestrutura económica e financeira mundial. Então voltamos mais uma vez à inevitável síndrome do dólar americano a servir como arma, implementada contra a Índia por comprar petróleo iraniano e equipamento militar russo, ou contra empresas de tecnologia chinesas.

Os oradores, incluindo o vice-ministro das Finanças russo Vladimir Kolychev e o relator especial da ONU sobre os "efeitos negativos das medidas coercivas unilaterais sobre o gozo dos direitos humanos", Alena Duhan, discutiram a inevitável escalada das sanções anti-russas.

Outro tema recorrente nos debates da SPIEF é que, aconteça o que acontecer na frente das sanções, a Rússia já tem uma alternativa ao SWIFT, assim como a China. Ambos os sistemas são compatíveis com o swift a nível de software, de modo que outras nações também poderiam usá-lo.

Cerca de 30% do tráfego swift está na Rússia. Se essa "opção" nuclear se concretizar, as nações que negociam com a Rússia abandonariam quase certamente SWIFT. Além disso, Rússia, China e Irão – o trio que "ameaça" a hegemonia – firmaram acordos de troca de divisas, bilateralmente e com outras nações.

Este ano, a SPIEF ocorreu poucos dias antes das cimeiras do G7, da OTAN e da UE, que destacarão a insignificância geo-política da Europa, reduzida ao estatuto de plataforma para projectar o poder americano.

E menos de duas semanas antes da cimeira Putin-Biden em Genebra, a SPIEF, acima de tudo, prestou atenção àqueles que lhe prestam atenção, delineando alguns dos contornos práticos mais importantes do século Eurasiático. 

Pepe Escobar

Traduzido por Wayan, revisto por Hervé para o Saker de língua francesa

 

Fonte: Le Forum de St Pétersbourg. Une cartographie du siècle eurasiatique – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice


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