10 de Julho de
2021 Robert Bibeau Sem comentários
Por Alastair CROOKE
China e Rússia lançam 'economia de resistência mundial'
Os Estados Unidos ignorarão a mensagem de Anchorage. Eles já estão a testar a China sobre Taiwan, e a preparar uma escalada na Ucrânia, para testar a Rússia. A Arte da Guerra de Sun Tzu (c. 500 a.C.) aconselha o seguinte: "Proteger contra a derrota está nas nossas mãos; mas a oportunidade de derrotar o inimigo é-nos dada pelo próprio inimigo... É por isso que o lutador inteligente impõe a sua vontade e não permite que a vontade do inimigo lhe seja imposta". Esta é a essência da economia de resistência da China – uma estratégia que foi totalmente revelada após as negociações de Anchorage; conversas que silenciaram qualquer pensamento persistente em Pequim de que os EUA poderiam encontrar um modus vivendi com Pequim na sua busca frenética pela primazia sobre a China.
Embora tenha havido alguns vislumbres sedutores antes, foi apenas agora – depois de Anchorage – que a postura dura e a retórica da China foram totalmente reveladas e as conversações confirmaram a intenção dos EUA de bloquear a ascensão da China.
Se assumirmos que essa iniciativa de "resistência" é uma espécie de "picada" em Washington – minando as ambições iranianas de Biden– em vingança pelos Estados Unidos, que gritam alto e bom som sobre os "crimes de guerra" ("genocídio" em Xinjiang) – então passamos completamente ao lado da sua importância. O alcance do pacto com o Irão vai muito além do comércio e do investimento, como apontou um comentador da media estatal chinesa: "No estado actual das coisas, este acordo (o pacto com o Irão) vai perturbar completamente o cenário geo-político dominante na região da Ásia Ocidental, que está sujeita à hegemonia dos EUA há tanto tempo".
Eis, portanto, a essência da fórmula "um lutador inteligente que procura impor a sua vontade": China, Rússia ou Irão não não têm necessidade de entrar em guerra para alcançar isso; eles simplesmente "aplicam" a fórmula. Eles podem fazê-lo - muito simplesmente. Eles não precisam de uma revolução para fazê-lo, porque eles não têm interesse em lutar contra os Estados Unidos.
Que fórmula é essa? Este não é apenas um pacto comercial e de investimento
com Teerão, nem é apenas uma questão de ajuda mútua entre aliados.
"Resistência" reside precisamente na maneira como eles tentam ajudar-se
uns aos outros. É um modo de desenvolvimento económico. Representa a noção de
que qualquer recurso gerador de rendimento – monopólios bancários, terras,
recursos naturais e infraestrutura natural – deve estar em domínio público para
atender às necessidades básicas de todos – gratuitamente.
A alternativa é simplesmente privatizar esses "bens públicos"
(como no Ocidente), onde são fornecidos ao máximo custo financeiro – taxas de
juros, dividendos, taxas de administração e manipulações corporativas para
ganho financeiro.
Esta é uma abordagem económica verdadeiramente diferente. Para dar um
exemplo: a extensão do metro da Segunda Avenida, em Nova York, custou US$ 6
biliões, ou US$ 2 biliões por milha – o transporte urbano de massa mais caro já
construído. O custo médio das linhas subterrâneas de metro fora dos Estados
Unidos é de US$ 350 milhões por milha, um sexto do custo de Nova York.
Como é que essa "fórmula" muda tudo? Imagine por um momento que o
elemento mais importante do orçamento de uma pessoa hoje é a habitação, até
40%, o que simplesmente reflecte o alto preço das casas, com base num mercado
alimentado pela dívida. Imagine, em vez disso, que essa proporção é de 10%
(como na China). Vamos também assumir que a educação pública é barata. Neste
caso, você está livre da dívida relacionada com a educação e o seu custo em
juros. Suponha que você tenha cuidados de saúde pública e infraestrutura de
transporte de baixo custo. Você terá então a capacidade de gastar. Você tornar-se-á
uma economia de baixo custo e, como resultado, experimentará o crescimento.
Outro exemplo: O custo de contratação de pessoal de P&D na China é um
terço ou metade do custo comparável nos EUA, de modo que os gastos com
tecnologia da China estão mais perto de US $ 1.000 biliões por ano (em termos
de paridade de poder de compra), enquanto os EUA gastam apenas 0,6% do seu PIB
, ou cerca de US $ 130 biliões, para p&d federal.
A um certo nível, portanto, essa "fórmula" constitui um desafio estratégico para o ecossistema ocidental. Num canto, as economias estagnadas da Europa e da UE, hiperfinanceiraizadas e alimentadas pela dívida, nas quais a direcção estratégica e os "ganhos e perdas" económicos são determinados pelos grandes oligarcas, e nos quais os 60% lutam e os 0,1% prosperam. E, no canto mais distante, uma economia muito mista na qual o Partido estabelece um curso estratégico para as empresas estatais, enquanto outros são encorajados a inovar e demonstrar o empreendedorismo nos moldes de uma economia estatal (embora com características taoístas e confucionistas).
Socialismo versus capitalismo? Não, há muito tempo que os EUA não são mais uma
economia capitalista; é a muito custo que são hoje uma economia de mercado.
Tornaram-se, cada vez mais, uma economia rentista desde que deixaram o
padrão-ouro (em 1971). Essa saída forçada dos Estados Unidos da "janela do
ouro" permitiu-lhes, graças à procura mundial por títulos de dívida dos
EUA (títulos do Tesouro), financiar-se gratuitamente (a partir do excedente
económico mundial). O Consenso de Washington assegurou ainda que os influxos de
dólares para Wall Street de todo o mundo nunca estivessem sujeitos a controles
de capital, e que os Estados não pudessem criar as suas próprias moedas, mas
teriam que pedir emprestados dólares do Banco Mundial e do FMI.
E isso basicamente significava empréstimos do Pentágono e do Departamento
de Estado em dólares americanos, que eram, em última análise, os
"executores" do sistema, como observa o Professor Hudson. A evolução
do sistema financeiro dos EUA em relação a uma entidade que favorece activos
"reais", como hipotecas e imóveis que oferecem uma certa "renda",
em vez de investir directamente em empresas especulativas, também significa que
os jubileus de dívida são proibidos. (Os gregos podem descrever a experiência
do que isso implica, até aos mínimos detalhes).
O facto é que, economicamente, a esfera hiper-financeiraizada dos EUA
está a encolher rapidamente, enquanto a China, a Rússia e grande parte da
"Ilha do Mundo" estão a voltar para negociar as suas próprias moedas
(e não comprar títulos do tesouro dos EUA). Numa "guerra" de sistemas
económicos, os Estados Unidos encontram-se, assim, na defensiva.
Há um século atrás, Halford Mackinder alegou que o controle da
"Pátria", que se estendia do Volga ao Yangtzé, controlaria a
"Ilha do Mundo",termo que ele utilizava para se referir à Europa,
Ásia e África. Mais de um século depois, a teoria de Mackinder ressoa como as
duas principais nações por trás da Organização de Cooperação de Xangai (SCO),
transformando-a num sistema de inter-relações em toda a Eurásia. Isso não é tão
novo, é claro. É simplesmente o renascimento da velha economia baseada no comércio
do coração da Eurásia, que finalmente se afundou no século XVII.
Alastair Macleod observa que os comentadores geralmente não entendem
"por que" é que se deu esse boom na Ásia Ocidental: "Não é
devido à superioridade militar, mas à economia simples. Enquanto a economia dos
EUA sofre de um resultado inflaccionário pós-confinamento e de uma crise
existencial para o dólar – a economia chinesa vai crescer graças ao aumento do
consumo interno ... e o aumento das exportações como resultado do estímulo dos
EUA à procura dos consumidores e da explosão do défice orçamental."
Isso, explicitamente declarado, é o argumento de Sun Tzu! "A oportunidade de derrotar o inimigo é proporcionada pelo próprio inimigo." Há em Washington (e em certa medida na Europa também), uma facção que mantém um desejo emocional patológico de guerra com a Rússia, decorrente em grande parte da crença de que os czares (e mais tarde Estaline), eram antissemitas. A sua emoção é de ódio e raiva, e ainda assim são eles que são em grande parte responsáveis pela aproximação entre a Rússia e a China. Isso, e a propensão dos EUA para punir o mundo, deu à China e à Rússia uma oportunidade.
O ponto subjacente, no entanto, é que, mesmo para a UE, a periferia da
franja marítima da Eurásia (Rimland) é menos importante que o continente
eurasiano (Ilha do Mundo de Mackindr). Houve um tempo em que a primazia
britânica e depois os EUA superavam a sua importância, mas isso pode não ser
mais o caso. O que está a acontecer aqui é o maior desafio de todos os tempos
para o poder económico americano e a supremacia tecnológica.
No entanto, esta Realpolitik económica não é senão metade da história do
lançamento pela China e pela Rússia de uma "economia de resistência mundial".
Ela tem igualmente um quadro geo-político paralelo.
É a este último aspecto, provavelmente, que o funcionário chinês se referia
quando disse que o acordo com o Irão "perturbaria totalmente o cenário geo-político
dominante na região da Ásia Ocidental que tem sido submetido por tanto tempo à
hegemonia dos Estados Unidos. Note-se que ele não disse que o acordo
perturbaria as relações do Irão com os Estados Unidos ou a Europa, mas toda a
região. Ele também sugeriu que as iniciativas da China libertariam a Ásia
Ocidental da hegemonia americana. Como é que isso pode ser?
Numa entrevista dada na semana passada, o ministro das Relações Exteriores
Wang Yi esboçou a abordagem de Pequim para a região da Ásia Ocidental:
"O Médio Oriente tem sido uma meca de civilizações brilhantes na
história da humanidade. No entanto, devido a conflitos prolongados e agitação
na história mais recente, a região afundou-se numa depressão securitária...
Para que a região saia do caos e desfrute da estabilidade, ela deve libertar-se
da sombra da rivalidade geo-política das grandes Potências e explorar
independentemente caminhos de desenvolvimento adaptados às suas realidades
regionais. Deve permanecer imune à pressão externa e à interferência e seguir
uma abordagem inclusiva e reconciliador para construir uma arquitectura de
segurança que leve em conta as preocupações legítimas de todas as partes...
Neste contexto, a China deseja propor uma iniciativa de cinco pontos para
garantir a segurança e a estabilidade no Médio Oriente:
Em primeiro lugar, defendendo o respeito mútuo... Ambos os lados devem
respeitar o padrão internacional de não interferência nos assuntos internos dos
outros... é particularmente importante que a China e os Estados Árabes se unam
contra a calúnia, a difamação, a interferência e a pressão em nome dos direitos
humanos ... [a UE deveria tomar nota].
Em segundo lugar, defender a equidade e a justiça, opor-se ao unilateralismo e defender a justiça internacional... A China encorajará o Conselho de Segurança a deliberar plenamente sobre a questão da Palestina, a fim de reafirmar a solução de dois Estados... Devemos defender o sistema internacional centrado nas Nações Unidas, bem como a ordem internacional baseada no direito internacional, e promover conjuntamente um novo tipo de relações internacionais. Devemos partilhar a nossa experiência em governança... e opormo-nos à arrogância e ao preconceito.
Em terceiro lugar, a não proliferação... As partes devem... discutir e
formular um roteiro e um cronograma para que os EUA e o Irão retomem o
cumprimento do JCPOA. É urgente que os Estados Unidos tomem medidas substanciais
para levantar as suas sanções unilaterais contra o Irão, bem como a sua
jurisdição de longo prazo sobre terceiros, e que o Irão retome o cumprimento
recíproco dos seus compromissos nucleares. Ao mesmo tempo, a comunidade
internacional deve apoiar os esforços dos países da região para estabelecer no Médio
Oriente uma zona livre de armas nucleares e outras armas de destruição em
massa.
Em quarto lugar, para promover conjuntamente a segurança colectiva...
Propomos organizar na China uma conferência multilateral de diálogo para a
segurança regional no Golfo (Golfo Pérsico)...
E em quinto lugar, acelerando a cooperação para o desenvolvimento... ».
A China fez uma entrada espetacular no Médio Oriente e está a desafiar os
EUA com um programa de resistência. Wang, na sua reunião com Ali Larijani,
conselheiro especial do líder supremo Khamenei, colocou tudo numa frase:
"O Irão decide independentemente as suas relações com outros países, e não
é como alguns países que mudam a sua posição num telefonema". Este comentário
resume sozinho a nova ética do "guerreiro lobo": os Estados devem
manter a sua autonomia e soberania. A China defende um multilateralismo
soberano para afastar o "jugo ocidental".
Wang não limitou esta mensagem política ao Irão. Ele tinha acabado de dizer
a mesma coisa na Arábia Saudita, antes de chegar a Teerão. Foi bem recebido em Riade. Em termos de desenvolvimento económico, a China já havia associado a
Turquia e o Paquistão ao plano do "corredor" – e agora o Irão.
Como é que irão reagir os EUA? Eles vão ignorar a mensagem de Anchorage.
Eles provavelmente continuarão os seus esforços. Eles já estão a testar a China
sobre Taiwan e a preparando uma escalada na Ucrânia, para testar a Rússia.
Para a UE, a entrada da China na política mundial é mais problemática. Ela
estava a tentar tirar proveito da sua própria "autonomia
estratégica", erguendo os valores europeus como porta de entrada para o seu
mercado e a sua parceria comercial. Na realidade, a China está a dizer ao mundo
para rejeitar qualquer imposição hegemónica de valores e direitos estrangeiros.
A UE está presa no meio. Ao contrário dos Estados Unidos, não está em posição de imprimir o dinheiro que lhe permitiria reanimar a sua economia contaminada pelo vírus. Precisa desesperadamente de comércio e investimento. Mas o seu principal parceiro comercial, e a sua fonte de tecnologia, acaba de dizer à UE (como aos Estados Unidos) para abandonar a sua retórica moral. Ao mesmo tempo, o "parceiro de segurança" de Europa acaba de exigir o contrário: que a UE a reforce. O que deve ser feito? Sente-se e observe... (cruzando os dedos para que ninguém faça algo extremamente estúpido).
Alastair
Crooke
Fonte: https://www.strategic-culture.org/news/2021/04/05/china-russia-launch-...
traduzido pela Réseau International
»» https://reseauinternational.net/la-chine-et-la-russie-lancent-une-econ...
Fonte: La guerre inévitable entre le roi déclinant et l’ambitieux prince héritier
– les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por
Luis
Júdice
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