3 de Fevereiro de 2025 Robert Bibeau
por Olivier d'Auzon
Nas
montanhas escarpadas do Quirguizistão, onde os picos cobertos de neve quase
tocam o céu, um projecto há muito sonhado está finalmente a ganhar vida. O caminho
de ferro China-Quirguizistão-Uzbequistão (CKU), serpenteando por entre estas
paisagens grandiosas, ligará Kashgar, no oeste da China, a Andijan, no coração
do Uzbequistão.
Uma linha de ferro e ambição, capaz de transportar 10 a 12 milhões de toneladas de mercadorias por ano, vai virar de pernas para o ar as rotas tradicionais e os equilíbrios geo-políticos.
A inauguração oficial, celebrada com um misto de pragmatismo e orgulho nacional, marcou o fim de um sonho adiado durante três décadas. Assim que a União Soviética entrou em colapso, nasceu a ideia de um corredor que ligasse estas nações exaustas mas ambiciosas. Mas entre a instabilidade política no Quirguistão e a sombra pesada lançada pela Rússia, que se opõe ferozmente a um projecto que contorna o seu território, a CKU parecia condenada a permanecer uma miragem.
Depois, o mundo virou-se de pernas para o ar.
Um projecto moldado pela guerra e pela economia
A
guerra na Ucrânia, com as consequentes sanções e o isolamento de Moscovo, foi o
catalisador inesperado. As rotas através da Rússia tornaram-se perigosas,
levando as nações da Ásia Central a virarem-se para leste, onde o Império do
Meio estava a estender o seu punho de ferro. Pequim, já omnipresente na
região através dos seus investimentos maciços e acordos de segurança, viu nisto
mais uma oportunidade para afirmar o seu domínio.
Em maio de 2024, o Presidente do Quirguistão, Sadyr Japarov, lançou um grito de guerra: “As obras vão começar este ano”. Em junho, o financiamento foi concluído, com a China a ficar com a maioria das acções (51%) e o resto dividido em partes iguais entre o Quirguizistão e o Uzbequistão. Esta aliança inesperada, cimentada pela urgência económica e geopolítica, marca um ponto de viragem histórico.
Mas por detrás da retórica oficial, a história é de uma mudança silenciosa. Moscovo, outrora senhor indiscutível da Ásia Central, vê agora estas terras escaparem-lhe das mãos. Envolvida no seu conflito com a Ucrânia, dependente dos produtos chineses para alimentar o seu esforço de guerra, a Rússia foi reduzida a um espetador impotente.
Um vento de mudança na Ásia Central
Nas docas de Andijan, os comerciantes
uzbeques já sonham com as oportunidades que esta nova linha lhes abrirá:
ligações rápidas com o Mar Cáspio, a costa georgiana do Mar Negro e, mais além,
a Europa. Em Anaklia, na costa
georgiana, operários chineses trabalham dia e noite na construção de um porto
de águas profundas, a pedra angular desta nova rota comercial.
Para a Ásia Central, isolada e forçada durante séculos a relações comerciais assimétricas, a CKU é mais do que um caminho de ferro: é uma promessa de abertura. Os frutos dos seus campos, os minerais das suas montanhas e a energia das suas estepes poderão finalmente chegar aos mercados mundiais, libertando a região da sua histórica dependência de Moscovo.
Mas nem tudo são rosas. As rivalidades geo-políticas persistem. O Cazaquistão, um pilar das rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente, não vê com bons olhos o seu papel de encruzilhada. Os Estados Unidos e a União Europeia, embora aplaudam a emancipação da região da influência russa, estão preocupados com a crescente influência da China, o “soft power” que se tornou omnipresente.
Uma aposta arriscada, mas promissora
No entanto, mesmo com as suas promessas, a CKU
continua a ser uma aposta. Os custos colossais da sua construção, os desafios
técnicos do percurso através de montanhas inóspitas e as incertezas ligadas ao
abrandamento da economia chinesa podem travar a sua conclusão. Mas para os homens
e mulheres dos vales do Quirguistão e do Uzbequistão, para estes povos que
viram passar séculos de caravaneiros e conquistadores, este caminho de ferro é
mais do que uma simples linha de metal: é uma porta de entrada para um futuro
mais livre e mais interligado.
As locomotivas ainda nem sequer arrancaram, mas já o vento da mudança está a soprar nas planícies e montanhas da Ásia Central.
fonte: The Diplomat
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/297684?jetpack_skip_subscription_popup
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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