sábado, 8 de fevereiro de 2025

DECLARAÇÃO INTERNACIONALISTA SOBRE A SITUAÇÃO MUNDIAL

 



Estamos a entrar num período em que os tempos históricos se estão a acelerar e a acentuar. Um momento de inflexão entre a erosão da contra-revolução dos anos 20, que já tinha sofrido um choque nos anos 60 e 70, um choque que confirmou a queda dos governos estalinistas do leste europeu (as nações do mal chamado «socialismo real», que eram de facto nações capitalistas) e a revolução que se aproximava. Além disso, as contradições do capital, temporariamente atenuadas pela socialização do capital e pela Segunda Guerra Mundial, explodiram finalmente nos anos 70 e, desde então, os problemas da sobreacumulação de capital tornaram-se mais agudos. O capitalismo atirou os seus problemas para o futuro, agravando a dimensão e a densidade da crise que está a atravessar. O capitalismo tem procurado resolver estes problemas através do aumento da dívida dos Estados e do desenvolvimento do capital fictício nos mercados financeiros. Mas estas são bombas de oxigénio de curto e médio prazo que preparam crises cada vez mais agudas, como vimos na crise de 2008. Porque a base do movimento do capital, a produção de valor, é posta em causa pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto (capital constante). A acentuação da crise do capitalismo é acompanhada pelo declínio geral da potência hegemónica que emergiu da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos (EUA), e pela ascensão da potência que disputa o poder mundial, a China. Em termos económicos e militares, assiste-se à formação de dois blocos imperialistas em torno das duas potências acima referidas. No entanto, a futura guerra generalizada não terá para o capital o efeito benéfico que a última guerra mundial teve para o capitalismo, uma vez que as bases sobre as quais assenta a acumulação de capital são cada vez mais estreitas. A todos os elementos críticos acima definidos há que acrescentar a catástrofe ecológica, que o capitalismo gera endogenamente pela sua natureza predadora e produtivista. Para além disso, uma das contra-tendências para ultrapassar os problemas de valorização do capital é a expansão dos mercados e, consequentemente, da produção e distribuição de bens, o que exigirá cada vez mais energia e matérias-primas. 

São todos estes elementos que produzem uma polarização social que se está a tornar cada vez mais acentuada. Marx tinha salientado que uma época de revolução social começa quando as relações sociais de produção se tornam um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas, da produção de riqueza social. Ora bem, estamos a entrar nessa época, uma época de inflexão entre a contra-revolução passada e a revolução futura. Obviamente, Marx sabia que época ou era revolucionária não é o mesmo que situações ou revoluções revolucionárias. Estamos a assistir ao desenvolvimento de diferentes rebeliões e revoltas nos últimos anos, muito confusas quanto às suas perspectivas políticas e de classe (como não podia deixar de ser), mas que nos permitem reabrir a experiência histórica do proletariado, a emergência de minorias revolucionárias e a intervenção de minorias comunistas nestes processos. É neste contexto que nos parece muito importante intervir, tentando ajudar na clarificação de posições programáticas e políticas. É por isso que estamos a elaborar esta posição comum entre os nossos três grupos comunistas internacionalistas.

 

Tendência mundial para a guerra imperialista

De um extremo ao outro do globo – do Cáucaso à África Central, do Levante às águas do Mar da China Meridional – o capitalismo cobre tudo com uma série de conflitos intratáveis e sangrentos, enquanto prepara o terreno para a eclosão de novos conflitos que prometem, pela sua destrutividade e dimensão, tornar insignificantes os actuais. 

Já vimos, ad nauseam, as imagens horríveis na televisão e na Internet: as valas comuns, os quilómetros de escombros – uma visão apocalíptica do futuro que este sistema nos reserva -, as famílias inteiras despedaçadas pelas bombas, as crianças pequenas que nunca terão qualquer tipo de futuro porque foram queimadas vivas ou executadas a sangue frio por franco-atiradores…. De Gaza à Síria, do Sudão ao Congo, a guerra capitalista brutal e desumana ameaça extinguir as condições de vida da nossa espécie.

E por detrás desta extinção maciça da vida humana, por detrás desta carnificina organizada a que os nossos exploradores e carrascos ainda se dignam chamar «civilização», está a ditadura impessoal do capital, cada vez mais totalitária na sua estrutura, que recompensa e dá razão de ser à carnificina e à crueldade actualmente em curso. 

Todas as grandes potências imperialistas mundiais e regionais, bem como os seus aliados em blocos «mais pequenos» e menos poderosos, movidos pela necessidade de conquistar novos mercados de exportação (onde despejar os excedentes de mercadorias), novas fontes de matérias-primas e de força de trabalho (para reduzir os custos de produção, para salvaguardar e fazer progredir a sua posição no sistema económico mundial, a fim de poderem fixar os termos de troca em seu benefício exclusivo), participam com alegria nos banhos de sangue que nos rodeiam, enquanto conspiram para organizar os de amanhã. 

Basta olhar para alguns dos principais cenários de combate actuais para ver claramente o que está a acontecer. 

Confrontados com uma ameaça militar credível de um grande adversário regional como a Rússia, os Estados Unidos e a sua coligação de Estados europeus da OTAN/NATO têm demonstrado a sua dedicação ao desgaste das forças inimigas, fornecendo apoio técnico, armamento e informações à Ucrânia num conflito cuja conclusão parece cada vez mais inevitável. 

Apesar da condenação maioritária na altura da invasão e do regime de sanções, cujas piores consequências parecem ter sido evitadas através de uma combinação de uma política monetária astuta e de receitas estáveis provenientes das exportações de petróleo e de gás natural, a Rússia parece estar bem posicionada para vencer esse conflito, ao mesmo tempo que continua a ser capaz de projectar poder suficiente no estrangeiro para mover as suas «peças de xadrez» e continuar a dificultar a vida aos seus adversários imperialistas. 

Por outro lado, os Estados do Sahel (Mali, Burkina Faso e Níger), cujos governos militares recém-formados – produto de um prolongado conflito armado interno contra a insurreição islamista/salafista – são aconselhados por mercenários russos em oposição ao bloco da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), mais alinhado com os EUA e a União Europeia. Além disso, a Rússia estabeleceu alianças estreitas com o Irão, que continua a ser um dos seus principais fornecedores de armas, e com a Coreia do Norte, com quem assinou um tratado de defesa mútua e que recentemente enviou cerca de 10.000 soldados para ajudar a Rússia a recuperar o controlo de Kursk.

Entretanto, a guerra de Israel em Gaza continua a alargar-se, ameaçando envolver e arrastar, de uma forma ou de outra, não só os EUA, o seu Estado patrono, mas também os seus aliados europeus. De breves e limitadas trocas de foguetes com o Hezbollah no sul do Líbano, a ofensiva israelita passou agora para bombardeamentos totais de quarteirões, aldeias e outras zonas de Beirute, resultando em mais de 3.000 mortos e no deslocamento de quase 2 milhões de pessoas, aplicando no Líbano as mesmas tácticas de guerra total que tem vindo a levar a cabo em Gaza sem fim à vista. 

No contexto de todas estas mortes, o Irão e Israel continuam a lançar ataques de mísseis mortais um contra o outro, subindo a escada da escalada para uma guerra aberta, com Israel a atacar não só os operacionais iranianos, as milícias xiitas e outros grupos por procuração no Médio Oriente, mas também dentro do próprio Irão. O Irão responde da mesma forma, lançando ataques coordenados no interior de Israel que sobrecarregam os seus sistemas de defesa anti-míssil e exigem o apoio aéreo dos EUA para os atenuar. 

O braço de ferro entre duas grandes potências regionais – Israel e Irão – intensifica-se de dia para dia e, após meses de ataques aéreos israelitas contra o Hezbollah e as forças armadas sírias, que enfraqueceram a posição do governo no país, acabou por abrir caminho para que as forças rebeldes levassem a cabo um ataque relâmpago a Damasco. O regime de Assad, que governa o país com mão de ferro há mais de cinquenta anos, prendendo e assassinando a oposição, é naturalmente odiado pela população civil, que tem sofrido de forma inimaginável numa guerra civil que dura há uma década, um conflito responsável por mais de 500.000 mortos.

No entanto, o novo governo «de transição», constituído por combatentes islamistas com ligações à Al-Qaeda e ao ISIS, não será melhor e, de facto, a situação interna na Síria poderá agravar-se. A guerra civil poderá mesmo ser reacendida pela continuação dos confrontos entre grupos armados com diferentes apoiantes externos: sejam as milícias curdas PYD/PKK, patrocinadas pelos EUA no Norte da Síria, o Exército Sírio Livre, apoiado pela Turquia, ou grupos xiitas apoiados por Teerão. No Médio Oriente, como em todo o mundo, o capital ruge e exige sacrifícios. A sua fome não será saciada por mais inocentes que sejam enterrados. 

Além disso, há os esforços de «contenção» em curso em relação à China, que levaram os EUA e os seus aliados a assinar tratados de defesa mútua e de apoio ao armamento com a Índia, a Coreia do Sul, o Japão, a Indonésia, as Filipinas e a Austrália, entre outros, ao mesmo tempo que trabalham incansavelmente para impedir que a China alcance o estatuto de potência regional e se torne um actor importante na geo-política mundial. 

E acima de tudo isto, como uma proverbial espada de Dâmocles que paira sobre a cabeça de toda a humanidade, paira o espectro da guerra generalizada que ameaça transformar-se em holocausto termonuclear a cada momento. A situação da nossa espécie nunca foi tão grave como agora, e o responsável é o mundo do capital e da mercadoria. 

A posição dos internacionalistas

Existe uma ameaça latente de extinção da nossa espécie. O poder material dos processos de extermínio em massa dos proletários na competição mundial organiza-se de forma cada vez mais tecnificada e, por isso, tende a arrastar para a sua dinâmica destrutiva áreas mais vastas. É por isso que estamos perante uma dinâmica que pressupõe a crise da ordem capitalista mundial e que está a ser preparada através da configuração tendencial de dois blocos imperialistas em torno dos Estados Unidos e da China. E todos os Estados existentes ou em formação tendem a alinhar-se com base nesta situação geral. Perante os mitos burgueses, nenhuma soberania política e económica é possível no mundo do capital e todas as forças estão alinhadas em torno de um grande imperialismo. Basta ver o exemplo do Curdistão sírio, que se diz «anarquista» e que até agora se aliou aos EUA.

Só há uma saída para esta situação. A associação da classe operária fora das organizações políticas e sindicais estatais. Estes organismos, na melhor das hipóteses, paralisam politicamente a classe, reduzem a sua acção à procura de uma melhor posição dentro desta sociedade e propagam palavras de ordem pacifistas. E, na pior das hipóteses, organizam o processo pelo qual a classe operária é arrastada para a defesa das nações em massacres. Perante isto, o proletariado deve defender o derrube da autoridade burguesa (independentemente da sua forma republicana ou monárquica, do seu partido no poder, de direita ou de esquerda, da sua relação com a religião, laica, islâmica, cristã, judaica…, das suas leis e direitos…) e a sua substituição pela ditadura proletária, a Comuna ou o semi-estado. Começará assim um processo de dissolução de todas as fontes de separação da existência humana e da produção, pondo fim à propriedade privada, às mercadorias, aos Estados, às nações e às classes sociais, e portanto às guerras e aos exércitos. 

O nosso apelo é dirigido à velha toupeira que, perante a ameaça que pesa sobre o planeta, deve roer as raízes desta civilização que impede a classe revolucionária de se reconhecer e de se afirmar. Uma classe revolucionária que se exprime como a força de dissolução desta sociedade ultrapassada e que transformará a guerra imperialista em guerra civil. Isto exige que a classe operária rompa a separação entre economia e política, entre a luta pelas suas condições de vida e a luta contra o poder colectivo da classe capitalista (o Estado) e que as greves corporativistas deem lugar à greve de massas, uma forma de luta generalizada que, na sua extensão territorial, lhe permitirá construir os seus próprios órgãos revolucionários. Até lá, os comunistas, a secção mais resoluta do proletariado, diferenciados dos outros proletários apenas porque em todos os conflitos defendem sempre os interesses gerais e históricos da nossa classe como um todo, devem rejeitar, mesmo que contra a corrente, qualquer compromisso político com os vários blocos nacionais e a ideologia do mal menor. E devem apoiar a sabotagem do militarismo e da deserção em todas as frentes (guerra contra guerra). É por isso que é importante defender uma perspectiva de derrotismo revolucionário que compreenda que o inimigo não está apenas no nosso país, mas em toda a burguesia mundial em todas as suas diferentes facções. 

«A política imperialista não é obra de um ou vários Estados, mas é o produto de um certo grau de maturação do desenvolvimento mundial do capital, um fenómeno internacional por natureza (…) e ao qual nenhum Estado pode escapar». (Rosa Luxemburgo, folheto Junius).

Balance y Avante

Barbaria

Liga de los Comunistas Internacionalistas

4 de Janeiro de 2025

 


Fonte: Declaração internacionalista sobre a situação mundial – Barbaria

Revisão da tradução para Língua Portuguesa deste artigo foi de Luis Júdice

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