19
de Fevereiro de 2025 Robert Bibeau
Na revista Revolução ou Guerra , n.º 29. Janeiro de 2025. Em formato PDF: rg-no29-janvier2025-pdf
http://www.igcl.org/La-tactique-du-CominternLa
No Facebook: https://www.facebook.com/revolutionouguerre
A primeira parte do capítulo - ver o número anterior - sobre o anti-fascismo e a Frente Popular no texto de Vercesi, A Táctica do Comintern, tinha tratado mais especificamente da política do Comintern após a subida de Hitler ao poder na Alemanha; a transição da “luta contra o fascismo social” para a do “anti-fascismo”, como momento do avanço da contra-revolução e da derrota histórica do proletariado. Esta segunda parte, publicada em Prometeo nº 7, Maio-Junho de 1947, trata da situação que se seguiu na Europa. Em particular, ela retoma a derrota sangrenta da insurreição do proletariado vienense de 1934 na Áustria e as derrotas políticas que concluíram as vagas de greves de Maio-Junho de 1936 em França e na Bélgica para o proletariado internacional. Ao fazê-lo, aniquila o mito, ainda hoje bem vivo, das greves de Maio-Junho de 1936 e da Frente Popular em França. O último capítulo do texto que publicaremos no próximo número trata da derrota final que abriu definitivamente o caminho para a 2ª Guerra Mundial com o massacre proletário na Guerra Civil Espanhola.
Há um
outro interesse actual nesta secção. O texto recorda-nos como a marcha para a
guerra imperialista generalizada é acompanhada e exige uma exacerbação e
radicalização da linguagem das forças políticas burguesas, sejam elas de
esquerda ou de direita, de extrema-direita ou de esquerda. O resultado, mais ou
menos consoante os países e as circunstâncias, é uma crescente instabilidade
política. Há um paralelo com o que está a acontecer hoje. As lições políticas
que, através da pena de Vercesi, a esquerda comunista em Itália pôde tirar
permanecem totalmente válidas para se poder orientar, definir e estabelecer
linhas de defesa proletária no período que se abre - enquanto espera e trabalha
na possibilidade de passar da defesa à ofensiva de classe contra a burguesia e
o seu aparelho de Estado.
As
tácticas do anti-fascismo e da frente popular (parte 2)
Já vimos nas primeiras partes deste
capítulo a essência da nova viragem do Comintern do “social-fascismo” para o
“anti-fascismo”. Depois de 1934, a única solução para a crise económica que
começou em Nova Iorque em 1929 e se estendeu a todos os países era a preparação
da segunda guerra imperialista. Correspondendo à realidade económica que impôs
ao capitalismo a solução extrema da guerra, esta solução extrema tornou-se
também o objectivo dos partidos comunistas, que se tornaram instrumentos da
contra-revolução e cúmplices das outras forças burguesas, fascistas,
socialistas e democráticas. Enquanto os partidos comunistas tinham
anteriormente conduzido os seus movimentos para uma derrota inevitável, agora
canalizavam-nos para a corrente dominante dos seus respectivos Estados
capitalistas.
A teoria do fascismo social não tinha
significado directo nos países não ameaçados por um ataque fascista. O seu
carácter internacional resultava do facto de a Alemanha - onde esta táctica
tinha uma importância decisiva - ser na altura o pivot da evolução capitalista
mundial. As novas tácticas anti-fascistas não tiveram impacto directo nos
países onde o fascismo estava firmemente enraizado (Alemanha, Itália), mas
foram de grande importância, primeiro em França e depois em Espanha, ou seja,
nos dois países onde não só as classes e partidos nacionais estavam em
conflito, mas onde estava a ser desenvolvida uma ordem internacional que iria
funcionar em pleno durante a guerra de 1939-1945.
Foi durante este período (1934-38) que
se manifestou pela primeira vez o carácter particular de uma evolução política
em que ainda estamos imersos. Contrariamente ao que aconteceu em geral em todos
os países e em particular na Rússia em 1898-1905, quando as greves impetuosas permitiram
ao partido de classe afirmar-se, os poderosos movimentos na Áustria, França,
Bélgica e Espanha não só não conseguiram fazer afirmar uma vanguarda proletária
e marxista, mas deixaram em total isolamento a esquerda italiana, que se tinha
mantido fiel aos princípios revolucionários do internacionalismo contra a
guerra anti-fascista, da destruição do Estado capitalista e da fundação da
ditadura do proletariado contra a participação ou influência do Estado numa
direcção anti-fascista.
Paralelamente ao êxito da manobra que
levava o Estado capitalista a apertar os seus tentáculos sobre as massas e os
seus movimentos, assiste-se ao afastamento destes movimentos da vanguarda, ou
mesmo à sua total inexistência. Assim, os acontecimentos confirmam
inequivocamente a tese magistralmente desenvolvida por Lenine em “O que fazer”,
a saber, que a consciência socialista não pode ser o resultado espontâneo das
massas e dos seus movimentos, mas que é o fruto da importação para elas da
consciência de classe elaborada pela vanguarda marxista. O facto de
esta vanguarda não estar em condições de influenciar situações de grande tensão
social em que massas imponentes entram em luta armada, como em Espanha, em nada
altera a doutrina marxista, que não considera que a classe proletária existe
porque uma constelação social e política entra em luta armada contra as
autoridades, mas que só fala de classe proletária se os seus objectivos e
postulados forem os da convulsão social que se desenvolve. No caso em que as massas
se lançam na luta por objectivos que, não sendo seus, só podem ser os do
inimigo capitalista, esta convulsão social é apenas um momento no
desenvolvimento confuso e antagónico do ciclo histórico capitalista que - para
usar os termos de Marx - ainda não amadureceu as condições materiais para a sua
negação.
A análise marxista permite-nos
compreender que, se o fascismo social foi uma táctica que iria facilitar e
conduzir inevitavelmente à vitória de Hitler em Janeiro de 1933, a táctica do
anti-fascismo foi ainda mais grave, na medida em que o seu objectivo ia muito
mais longe, e de um falso alinhamento das massas na luta que ainda se dirigia
contra o Estado capitalista, passou-se, com a táctica do anti-fascismo, à
pré-concepção do enquadramento das massas no Estado capitalista anti-fascista.
Não é de estranhar que, perante uma organização
capitalista tão poderosa e formidável, composta por democratas,
sociais-democratas, fascistas e partidos comunistas, a resistência oferecida
pelo proletariado austríaco em Fevereiro de 1934 [1], que por vezes assumiu aspectos heróicos,
não tenha provocado a menor fissura no desenvolvimento dos acontecimentos
mundiais, definitivamente confirmados pela violenta involução produzida no
Estado soviético que, sob a direcção de Estaline, se tinha tornado um
instrumento eficaz da contra-revolução mundial.
A 12 de Fevereiro, quando os proletários de Viena se revoltaram,
foi o cristão Dolfuss que apontou as armas à cidade operária de Viena, o bairro
“Karl Marx”. Mas por detrás destas armas estavam a Segunda e a Terceira
Internacionais. A primeira travou sistematicamente as reacções proletárias ao
projecto de organização corporativista de Dolfuss, enquanto a segunda, que até
então se tinha distinguido por manifestações internacionais sempre artificiais,
deixou que os proletários fossem massacrados e teve o cuidado de não apelar aos
proletários de todo o mundo para que se solidarizassem com o proletariado
austríaco.
Nos primeiros dias, os órgãos dos partidos socialistas
belga e francês tentaram apropriar-se do heroísmo dos insurrectos vienenses,
mas, alguns dias mais tarde, a sincronização foi perfeita.
Bauer e Deutsch, dirigentes da Schutzbund (organização
de defesa social-democrata austríaca), numa entrevista concedida ao órgão
social-democrata belga Le Peuple, em 18 de Fevereiro, declararam: “Durante
muitos meses, os nossos camaradas suportaram provocações de todos os tipos,
sempre na esperança de que o governo não levasse as coisas ao extremo e que se
pudesse evitar um golpe final. Mas a última provocação, em Linz, levou ao
extremo a exasperação dos nossos camaradas. Sabemos que o Heimwehren tinha
ameaçado o governo de Linz com a demissão e a decapitação de todos os
municípios de maioria socialista. Sabe-se que na segunda-feira de manhã, quando
os Heimwehren atacaram à mão armada a Casa do Povo de Linz, os nossos camaradas
recusaram ser desarmados e defenderam-se vigorosamente. Por conseguinte, a
direcção central do partido não teve outra alternativa senão obedecer a este
sinal de luta. Foi por isso que deu a ordem de greve geral e de mobilização da
“Schutzbund”. Esta explosão abertamente proletária não se enquadrava
de forma alguma na linha política da social-democracia austríaca e
internacional. Estes últimos estavam em perfeita sintonia com a acção
diplomática do governo francês de esquerda, cujo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Paul Boncour, queria colocar o movimento operário austríaco ao
serviço dos interesses do Estado francês: queria travar o expansionismo
hitleriano e contava mesmo com Mussolini que, em Julho de 1934, enquanto
Dolfuss era assassinado pelo nazi Pianezza, cometeu a incoerente asneira de enviar
divisões italianas para o desfiladeiro do Brenner para enfrentar Hitler.
Alguns dias antes da revolta de Viena, em 6 de
Fevereiro de 1934, Paris foi palco de grandes acontecimentos. A cena política
há muito que estava manchada pela pornografia dos escândalos de conluio entre
aventureiros financeiros, altos funcionários do Estado e pessoal governamental,
nomeadamente dos partidos de esquerda. Os partidos ditos proletários - os
partidos socialistas e comunistas - atiraram-se para esta escandalosa confusão,
e os proletários foram afastados da luta revolucionária contra o regime
capitalista, para serem arrastados para a luta contra certos aventureiros
financeiros e, sobretudo, contra Stavisky. A direita de Maurras e a Action
française tomam a dianteira na luta contra o governo do radical Chautemps, que,
a 27 de Janeiro, dá lugar a um governo mais à esquerda, dirigido por Daladier,
no qual Frot, até então militante da S.F.I.O. (Partido Socialista Francês,
secção francesa da Internacional Operária), é nomeado ministro do Interior. O
prefeito de polícia Chiappe, também implicado no escândalo Stavisky, foi
escolhido pelos socialistas e comunistas como bode expiatório, demitido da
prefeitura de polícia e transferido para a Comédie Française. Foi nesta altura
que a direita organizou uma manifestação à porta do Parlamento para exigir a
demissão do governo de Daladier.
Daladier cedeu e demitiu-se, apesar dos conselhos de
Léon Blum para resistir, e a 9 de Fevereiro realizaram-se duas manifestações de
protesto: uma convocada pelo Partido Comunista no centro de Paris, exigindo a
prisão de Chiappe e a dissolução das ligas fascistas, e outra convocada pelo
Partido Socialista em Vincennes, brandindo a bandeira da “defesa da república
ameaçada pela insurreição fascista”. A memória da luta contra o “fascismo
social” ainda não se extinguiu definitivamente, mas se há duas manifestações
diferentes, há, no entanto, uma única uniformidade: já não se trata de afirmar
as posições de classe autónomas das massas, mas de as orientar para essa
modificação da forma do Estado burguês que só se concretizaria dois anos mais
tarde, quando, após as eleições de 1936, tivéssemos o governo da Frente Popular
sob a direcção do líder da S.F.I.O., Léon Blum.
No entanto, imediatamente após estas duas manifestações
separadas, teve lugar outra manifestação unitária, a da C.G.T., com palavras de
ordem semelhantes às das duas marchas anteriores. O C.G.T. apelou à greve geral
para repelir “manifestantes sectários e desordeiros”, porque “rebentou
a ofensiva contra as liberdades políticas e a democracia, em curso há vários
meses”.
Quanto à C.G.T.U [2]. que há muito deixara de ser uma organização
sindical capaz de unir as massas em defesa das suas reivindicações parciais e
se tornara um apêndice do Partido Comunista, não se manifestou, mesmo durante
os preparativos da greve geral, que foi um êxito.
Entretanto, o agrupamento socialista-comunista e um
governo cada vez mais à esquerda estavam a tomar forma.
Em 27 de Julho de 1934, foi assinado um pacto de
unidade entre o Partido Comunista e o Partido Socialista, baseado nos seguintes
pontos: a) defesa das instituições democráticas; b) abandono da greve na luta
contra os plenos poderes do governo; c) auto-defesa dos trabalhadores numa
frente que incluísse também os radicais socialistas.
Na cena internacional, a nova orientação da política
externa do Estado russo foi confirmada pela sua entrada triunfante na Liga das
Nações.
As teses de Ossinsky no 1º Congresso da Internacional
Comunista, em Março de 1919, diziam: “Os proletários revolucionários de
todos os países do mundo devem travar uma guerra implacável contra a ideia da
Liga das Nações de Wilson e protestar contra a entrada dos seus países nesta
sociedade de pilhagem, exploração e contra-revolução”.
Quinze anos mais tarde, a 2 de Junho de 1934, o órgão
do Partido Russo, Pravda, escreveu o seguinte: “A dialéctica do
desenvolvimento das contradições imperialistas teve como resultado o facto de a
velha Liga das Nações, que devia servir de instrumento para a subordinação
imperialista dos pequenos Estados independentes e dos países coloniais, e para
a preparação da intervenção anti-soviética, ter aparecido, no processo da luta
dos grupos imperialistas, como a fase em que - explicou Litvinov na recente
sessão do Comité Executivo Central da União Soviética - a corrente interessada
na manutenção da paz parece triunfar. Isto talvez explique as profundas mudanças
na composição da Liga das Nações”.
Lenine, ao referir-se à Sociedade das Nações como uma
“sociedade de bandidos”, já nos tinha ensinado que esta instituição se
destinava a manter “em paz” o predomínio dos Estados vencedores sancionado em
Versalhes.
Mas as declarações do Pravda eram
mera retórica. Litvinov mudou imediata e radicalmente a sua posição. De
apoiante das teses alemã e italiana a favor do desarmamento progressivo, passou
a declarar abertamente que nenhuma garantia de segurança era possível e apoiou
a tese francesa que, ao fazer depender a realização do desarmamento da
proclamada impossibilidade de segurança, sancionava a política de
desenvolvimento dos armamentos.
Simultaneamente, registou-se outra mudança radical de
orientação na questão do Sarre. O Partido Comunista, que antes se tinha batido
com o slogan “O Sarre Vermelho no coração da Alemanha Soviética”, defendeu no
plebiscito o status quo, ou seja, a manutenção do controlo francês sobre a
região.
Laval, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Flandin, concebeu o
plano de isolamento da Alemanha. Não se pode declarar nacionalista no seu
julgamento, onde foi condenado à morte: mas é certo que, mil vezes mais e
melhor do que os seus acólitos nacionalistas e chauvinistas da Resistência francesa,
tentou defender a “pátria francesa” contra Hitler. Se a França foi
definitivamente degradada ao papel de vassalo e de potência de segunda
categoria, isso deve-se às características da actual evolução internacional, em
que toda a agitação em torno da defesa do “país da liberdade e da revolução” só
podia ter um objectivo plenamente realizado: o de massacrar o proletariado
francês e internacional. A Terceira República Democrática Francesa, nascida sob
o baptismo da aliança com Bismarck e do extermínio de 60.000 comunistas no Père
Lachaise, encontrou o seu digno e macabro epílogo na Frente Popular, firmemente
ancorada na trindade radical-socialista-comunista.
Os pontos essenciais da manobra de Laval para isolar a
Alemanha foram:
1) O encontro com Mussolini em Roma, a 7 de Janeiro de
1935.
2) O encontro com Estaline em Moscovo, a 1 de Maio de
1935.
O primeiro tentou resolver as pretensões italianas na
Abissínia através de um compromisso, que foi posteriormente aceite pelo
ministro britânico Hoare.
No segundo, o gesto de Poincaré, que conduziria à
aliança franco-russa na guerra de 1914-17, foi renovado e, por ocasião do novo
pacto franco-russo, Estaline declarou que compreendia perfeitamente a
necessidade de uma política de armamento para a defesa da França.
Em 14 de Julho de 1935, no comício da Bastilha em
honra do nascimento da república burguesa, os dirigentes comunistas, ao lado de
Daladier e dos dirigentes socialistas, usaram um lenço tricolor; a bandeira
vermelha juntou-se à tricolor, enquanto Joana d'Arc e Victor Hugo, Jules Guesde
e Vaillant foram evocados contra o “perigo fascista”, e se falou mesmo do “sol
de Austerlitz” das vítimas napoleónicas. Já dissemos por que razão toda esta
algazarra chauvinista era inconclusiva e irrelevante, porque a França, tal como
a Itália, a Espanha e todas as outras antigas potências fora dos actuais Três
Grandes, teve de desempenhar o papel de uma concessão ocupada ora por um lado,
ora por outro; acrescentemos agora que, quando a guerra rebentou em Setembro de
1939 entre a França e a Alemanha, o pacto de Maio de 1935 não foi aplicado pela
Rússia.
Mas tudo isto é secundário em relação à questão
essencial da luta de classes à escala nacional e internacional. E nesta frente
de classe, a manifestação da Bastilha, os seus precedentes e os acontecimentos
que dela resultaram foram de capital importância não só para o proletariado
francês, mas também para o proletariado espanhol e internacional.
Quando, em Março de 1935, Mussolini atacou o Negus,
tudo estava preparado para lançar uma campanha internacional baseada na
aplicação de sanções contra a “Itália fascista”. A acção simultânea contra
Mussolini e os Negus não era sequer prevista pelos partidos socialista e
comunista. Ambos lutavam para defender o regime de escravatura dos Negaus, que
era ao mesmo tempo uma magnífica defesa do regime fascista de Mussolini. De
facto, Mussolini não encontrou melhor forma de criar uma atmosfera de unidade
nacional favorável à sua campanha na Abissínia do que aplicando sanções
deliberadamente inofensivas.
Léon Blum propôs que a Sociedade das Nações, baluarte
supremo da “paz e do socialismo”, arbitrasse o conflito e quis confiá-lo a
Litvinov, então Presidente em exercício; após o fracasso da tentativa de
compromisso Laval-Hoare, a grande maioria da Sociedade das Nações ficou do lado
de Mussolini. Escusado será dizer que a “emigração” italiana se alinhou com
esta acção em defesa do Negus e do imperialismo britânico: no Congresso de
Bruxelas, em Setembro de 1935, foi aprovada uma moção cujos termos lamentáveis
e servis mostram até que ponto - um ano antes da guerra de Espanha e quatro
anos antes da guerra mundial - já tinham conseguido soldar as massas à causa da
burguesia. Eis o texto:
“Ao Sr. Benes, Presidente da Liga das
Nações [SDN],
O
Congresso dos Italianos que, nas actuais circunstâncias, teve de se reunir no
estrangeiro para proclamar o seu apego à paz e à liberdade,
unindo
numa vontade comum de combater a guerra centenas de delegados das massas
populares de Itália e da emigração italiana, de católicos a liberais, de
republicanos a socialistas e comunistas,
regista
com a maior satisfação que o Conselho da Sociedade das Nações separou
claramente, na sua condenação do agressor, as responsabilidades do governo
fascista das do povo italiano; afirma que a guerra em África é a guerra do
fascismo e não a guerra da Itália, que foi desencadeada contra a Europa e a
Etiópia sem qualquer consulta ao país e em violação não só dos compromissos
solenes assumidos com a Sociedade das Nações e a Abissínia, mas também em
violação dos sentimentos e dos verdadeiros interesses do povo italiano;
certo
de interpretar o pensamento autêntico do povo italiano, o Congresso declara que
é dever da Sociedade das Nações, no interesse da Itália e da Europa, erguer uma
barreira intransponível à guerra e compromete-se a apoiar as medidas a tomar
pela Sociedade das Nações e pelas organizações operárias para impor uma
cessação imediata das hostilidades”.
O Comintern cumpriu as decisões da Liga das Nações.
Este foi um resultado do qual Mussolini tinha todos os motivos para se
orgulhar.
Entretanto, estavam a ser criadas as condições que
levariam à dispersão das formidáveis greves em França e na Bélgica e ao colapso
na guerra imperialista e anti-fascista da poderosa revolta dos proletários
espanhóis em Julho de 1936.
No final de 1935, o Parlamento francês, numa sessão
descrita por Blum como “histórica”, reconheceu por unanimidade a derrota do
fascismo e a “reconciliação” do povo francês. Ao mesmo tempo, as greves de
Brest e de Toulon são atribuídas pela mesma frente unida dos “reconciliados” à
acção de “provocadores”; e em Janeiro de 1936, Sarraut - o mesmo homem que, em
1927, tinha proclamado que “o comunismo é o inimigo” - beneficia do
facto de, pela primeira vez, o grupo parlamentar comunista se ter abstido na
votação da declaração ministerial. A tentativa de assassínio de Blum, em Março
de 1936, levou o Partido Comunista a lançar uma campanha “contra os hitleristas
em França”, campanha que lhe seria devolvida após a assinatura do tratado
germano-russo, em Agosto de 1939.
A 7 de Março de 1936, Hitler denunciou o Tratado de
Locarno e remilitarizou a Renânia. Em contra-ataque, no hemiciclo francês, a
explosão chauvinista foi igualmente estrondosa, embora inofensiva nas suas
repercussões internacionais.
Os acontecimentos forçaram o capitalismo francês a
utilizar a reacção ao facto consumado de Hitler apenas na política interna, e o
Partido Comunista destacou-se nessa ação: evocando o tempo em que os
legitimistas franceses fugiam de França durante a revolução, falava dos “emigrantes
de Coblentz, de Valmy”, evocava de novo “o sol de Austerlitz de Napoleão”
e ia ao ponto de repetir as palavras de Göethe e Nietzsche sobre “a Alemanha
ainda mergulhada no estado de barbárie”, sem hesitar em falsificar o
próprio Marx, cuja frase “o galo francês que leva a revolução à Alemanha”
é transferida do campo social e de classe do proletariado francês para o campo
nacional e nacionalista da França e da sua burguesia.
A diplomacia russa reforçou a posição patriótica do
Partido Comunista Francês, mantendo-se muito cautelosa - tal como a
Grã-Bretanha - quanto à reacção ao golpe de Hitler. Litvinov limitou-se a
declarar que “a URSS associar-se-á às medidas mais eficazes contra a
violação dos compromissos internacionais” e explicou que “esta atitude
da União Soviética é determinada pela política geral de luta pela paz, pela
organização colectiva da segurança e pela manutenção de um dos instrumentos da
paz - a S.D.N.”. Molotov foi ainda mais cauteloso, declarando numa
entrevista ao Le Temps: “Estamos conscientes do desejo da França
de manter a paz. Se o governo alemão demonstrasse também o seu desejo de paz e
de respeito pelos tratados, nomeadamente no que diz respeito à S.D.N.,
consideraríamos que, nesta base de defesa dos interesses da paz, seria
desejável uma aproximação franco-alemã.”
Os dirigentes do Partido Comunista Francês raciocinam
da seguinte forma: A Rússia está em perigo, para a salvar, vamos bloquear o
nosso capitalismo.
E, com o seu habitual espírito demagógico
desavergonhado, não hesitaram em apoiar esta teoria fazendo referência à acção
de Lenine; a própria acção de Lenine que, em 1918, para salvar a Rússia do
ataque de todas as potências capitalistas, exortou os proletários de cada país
contra o capitalismo dos respectivos países e a visar a sua destruição num
ataque revolucionário. A oposição entre as duas posições é tão violenta como a
que existe entre a revolução e a contra-revolução.
É neste clima de unidade nacional, de reconciliação de
todos os franceses e de luta contra os “hitlerianos de França”, que se inicia a
vaga de greves, a 11 de Maio, no porto do Havre e nas oficinas de aviação de
Toulouse. À vitória destes dois primeiros movimentos seguiu-se o alargamento
imediato da greve à região parisiense, à Courbevoie e à Renault (32.000
operários), a 14 de Maio, e a toda a indústria metalúrgica parisiense, a 29 e
30 de Maio. As reivindicações incluem o aumento dos salários, o pagamento dos dias
de greve, as férias dos operários e um contrato colectivo. As greves
prolongam-se, estendendo-se primeiro às minas de carvão do Norte de França,
depois a todo o país, e tomam um novo rumo: os operários ocupam as oficinas,
apesar do apelo da Confederação do Trabalho (CGT) e dos partidos socialista e
comunista. Um apelo dizia: “Determinadas a manter o movimento num quadro de
disciplina e calma, as organizações sindicais declaram-se prontas a pôr fim ao
conflito, desde que as justas reivindicações dos trabalhadores sejam
satisfeitas”.
Mas que diferença em relação à ocupação das fábricas
em Itália, em Setembro de 1920! Em Paris, a bandeira vermelha e a bandeira
tricolor voavam juntas, e nas oficinas só se dançava: o ambiente não tinha nada
a ver com um movimento revolucionário. Há um contraste flagrante entre o
espírito de unidade nacional que animava os grevistas e a arma extrema que
representa a ocupação das oficinas. Mas não nos enganemos: nem a Confederação
do Trabalho, que já tinha absorvido a C.G.T.U., nem os partidos socialistas e
comunistas tiveram qualquer iniciativa nestas greves grandiosas. Ter-se-iam
oposto se fosse possível, e só o facto de se ter espalhado por todo o país os
obrigou a fazer declarações hipócritas de simpatia para com os grevistas.
O facto de os patrões estarem dispostos a aceitar as
reivindicações dos trabalhadores não significa que as greves tenham terminado.
É necessária uma mudança radical. As eleições de Maio deram uma maioria aos
partidos de esquerda, incluindo o Partido Socialista.
Eis a Frente Popular: muito antes do prazo previsto
pelo processo parlamentar, o governo Blum foi formado a 4 de Junho. Na sua
ordem de trabalhos, a Délégation des gauches, órgão parlamentar da Frente
Popular, “constata que os operários defendem o seu pão de forma ordeira e
disciplinada e querem preservar o carácter de protesto do seu movimento, do
qual nem a ‘Croix de feu’ (movimento de combate do coronel La Roque) nem os
outros agentes da reacção conseguirão afastá-los”. O L'Humanité, por seu
lado, publicou um aparte em que afirmava que “a ordem garantirá o êxito”
e que “aqueles que violam a lei são os patrões, agentes de Hitler, que não
querem a reconciliação dos franceses e empurram os operários para a greve”.
Na noite de 7 para 8 de Junho, foram assinados e
consagrados os chamados “acordos de Matignon” (residência do Primeiro-Ministro
Blum):
a) a convenção colectiva ;
b) reconhecimento dos direitos sindicais ;
c) a introdução de delegados sindicais;
d) aumentos salariais de 7 a 15% (ou 35% já que
a semana de trabalho foi reduzida de 48 para 40 horas);
e) férias pagas. Este acordo teria sido assinado
ainda mais cedo se os chamados “reaccionários” de algumas fábricas não tivessem
prendido alguns dos dirigentes.
A 14 de Junho, Thorez, líder do Partido Comunista
Francês, proferiu a frase que o tornaria célebre: “É preciso saber pôr fim a
uma greve logo que as reivindicações essenciais tenham sido obtidas. É preciso
também saber fazer concessões para não perder força e, sobretudo, para não
facilitar a campanha de pânico dos reaccionários.»
Em quinze dias, o capitalismo francês conseguiu
extinguir este poderoso movimento, poderoso não pelo seu significado de classe,
mas pela sua dimensão, pela importância das reivindicações profissionais e pela
extensão e grau dos meios utilizados pelos trabalhadores para obter um ganho de
causa.
As pseudo-organizações operárias, que não tinham tido
qualquer responsabilidade no desencadear do movimento, eram precisamente as que
deviam pôr-lhe fim. O Partido Comunista Francês devia desempenhar um papel
preponderante na asfixia das possibilidades revolucionárias que poderiam ter
surgido. Conseguiu-o admiravelmente ao designar como “hitleristas” os raros
operários franceses que tentaram combinar a ocupação das fábricas com uma
abordagem revolucionária da luta. E era só esse o problema táctico que o
partido francês tinha de resolver.
Quase em simultâneo, eclodiram greves na Bélgica.
Começaram no porto de Antuérpia e espalharam-se depois por todo o país. O
manifesto imediatamente lançado pelo Partido Operário Belga foi significativo:
“Trabalhadores portuários, nada de suicídios, há pessoas que vos incitam a
parar de trabalhar. O que é que eles pedem? Estão a pedir um aumento de salário.
É tudo o que estamos a dizer, numa altura em que o Sindicato dos Trabalhadores
dos Transportes Belgas está a discutir a sua política de aumentos salariais. E
não vamos ser apanhados de surpresa por pessoas que não têm qualquer
responsabilidade. Não queremos que haja em Antuérpia as mesmas consequências
desastrosas que houve após a greve em Dunquerque. Temos regras a respeitar.
Aqueles que vos incitam à greve não se preocupam com as consequências.
Trabalhadores portuários, ouçam os vossos líderes. Nós sabemos o que vocês
querem. Pela unidade! Nada de greves irracionais. Vamos voltar a falar com
os patrões hoje. »
Apesar de um apelo semelhante da Comissão Sindical
(equivalente à Confederação do Trabalho), no dia 14 de Junho, o Congresso dos
Mineiros foi obrigado a acomodar a situação e a dar a ordem de greve. Na
véspera, o órgão do Partido Socialista tinha anunciado a sua concordância com
as decisões do governo de impedir a ocupação das oficinas.
A 22 de Junho, no gabinete do primeiro-ministro Van
Zeeland, que preside a uma coligação com a participação dos socialistas, é
assinado um acordo que prevê (a) um aumento dos salários em 10%; b) horário
semanal de 40 horas para as indústrias insalubres; c) 6 dias de férias anuais.
O Partido Comunista Belga aproveita a pouca influência
que tem junto das massas com uma táctica semelhante à seguida pelo Partido
Francês: forma um bloco com o Partido operário e a Comissão Sindical que
monopolizam a liderança dos movimentos. Não tem iniciativa para desencadear
greves e toda a sua actividade consiste em exigir a intervenção governamental a
favor dos grevistas.
Quanto aos resultados, são muito inferiores aos
obtidos pelos trabalhadores franceses. Mas, em ambos os países, estes sucessos
sindicais, aliás efémeros, longe de significarem uma retoma da luta autónoma e
de classe do proletariado, favoreceram o desenvolvimento da manobra do Estado
capitalista que, graças às negociações de arbitragem dos conflitos, consegue
ganhar a confiança das massas. E ele usará esta confiança para estreitar as
malhas do seu controlo hegemónico sobre eles.
A sanção do contrato de trabalho pelo poder do Estado
não representa uma vitória mas sim uma derrota para os trabalhadores. Na
realidade, este contrato é apenas um armistício na luta de classes e a sua
realização depende do equilíbrio de poder entre as duas classes. O próprio
facto de aceitar a intervenção do Estado inverte radicalmente os termos do
problema, uma vez que os trabalhadores confiam assim a sua defesa à instituição
fundamental do regime capitalista: o lugar dos sindicatos de classe é agora
ocupado pelo sindicato de colaboração estreitamente ligado ao sindicato .
As greves francesa e belga antecedem em apenas um mês
o início da agitação social em Espanha e o início da guerra imperialista
naquele país. Voltaremos a isso no último capítulo.
(Prometeo #7,
Maio-Junho 1947, para continuar)
Fonte : https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2025/01/a-tactica-do-comintern.html
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa
por Luis Júdice
[1].
Note du GIGC: L’ « insurrection de février
(Februarkämpfe) [1934], désigne les quelques jours d'escarmouches
qui opposent en Autriche les forces socialistes et conservatrices-fascistes du
12 au qui firent près de 7 000 victimes (morts et
blessés). » (https://fr.wikipedia.org/wiki/Guerre_civile_autrichienne).
Voir la position de la Gauche d’Italie dans Bilan #4 de
février 1934, Le capitalisme marque un point décisif dans la
préparation de la guerre (https://archivesautonomies.org/spip.php?article2293)
[2].
Note du GIGC : très grossièrement, la CGT-U, scission de la CGT en 1921,
fut très vite le syndicat du PCF et l’expression française de la scission
syndicale prônée par l’IC afin de créer une « internationale syndicale
rouge ». La Gauche d’Italie s’opposa à cette tactique qui divisait
l’organisation unitaire de la classe. La CGT-U réintégra la CGT en 1936 pour les
besoins du Front Populaire.
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