25 de Fevereiro de 2025 Robert Bibeau
Por Thierry Meyssan .
A paz na Ucrânia pode não resolver nada. Esta guerra não foi causada pelas intenções expansionistas da Rússia, como afirma a propaganda atlantista, mas por problemas reais. O simples facto de reconhecer uma mudança de fronteiras não resolverá a raiz do problema.
Esta guerra é o resultado da expansão da OTAN/NATO, desafiando a sua palavra; uma expansão que ameaça directamente a segurança da Rússia, cujas fronteiras são demasiado grandes para serem defendidas. Para se expandir para a Ucrânia, a NATO apoiou grupos neo-nazis, que colocou no poder e que instalaram as suas leis no país. A isto junta-se o ressurgimento de um suposto choque de civilizações entre os valores europeus e asiáticos. Não haverá verdadeira paz enquanto o Ocidente não cumprir a sua palavra.
Os presidentes dos EUA, Donald Trump e
Vladimir Putin, iniciaram oficialmente negociações para pôr fim à guerra na
Ucrânia. Quaisquer que sejam as soluções territoriais, não resolverão todo o
conflito. Provavelmente, o conflito persistirá para além da paz.
Existem três problemas que se sobrepõem:
1— A expansão da OTAN/NATO para o Leste e
a Doutrina Brzeziński
Quando os próprios alemães de Leste derrubaram o Muro
de Berlim (9 de Novembro de 1989), o Ocidente, apanhado de surpresa, negociou o
fim das duas Alemanhas. Durante todo o ano de 1990, colocou-se a questão de
saber se a reunificação alemã significaria a adesão da Alemanha de Leste à
Alemanha Ocidental e à NATO.
Quando o Tratado da Aliança Atlântica foi assinado em 1949, não protegia certos territórios de certos signatários. Por exemplo, os territórios franceses do Pacífico (Reunião, Mayotte, Wallis e Futuna, Polinésia e Nova Caledónia) não estão abrangidos. Por conseguinte, teria sido possível, numa Alemanha unificada, que a NATO não fosse autorizada a posicionar-se na Alemanha Oriental.
Esta é uma questão muito importante para os Estados da Europa Central e Oriental que foram atacados pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Aos olhos das suas populações, ver armas sofisticadas instaladas nas suas fronteiras era preocupante. Mais ainda para a Rússia, cujas imensas fronteiras (6.600 quilómetros) são indefensáveis.
Aquando da cimeira de Malta (2 e 3 de Dezembro de 1989) entre os presidentes americano e russo, George Bush (pai) e Mikhail Gorbachev, os Estados Unidos argumentaram que não tinham intervindo para derrubar o muro de Berlim e que não tinham qualquer intenção de intervir contra a URSS nessa altura [1].
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Ocidental, Hans-Dietrich Genscher, declarou que “as mudanças na Europa Oriental e o processo de unificação alemã não devem conduzir a um ‘ataque aos interesses de segurança soviéticos’. Em consequência, a NATO deveria excluir qualquer “expansão do seu território para leste, ou seja, aproximá-la das fronteiras soviéticas”.
As três potências ocupantes da Alemanha, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido, assumiram assim uma série de compromissos no sentido de não expandir a OTAN/NATO para leste. O Tratado de Moscovo (12 de Setembro de 1990) estipulava que a Alemanha reunificada não reivindicaria nenhum território na Polónia (linha Oder-Neisse) e que não haveria bases da NATO na Alemanha Oriental [2].
Numa conferência de imprensa conjunta na Casa Branca,
em 1995, o Presidente Boris Yeltsin descreveu o encontro que tinham acabado de
ter como “desastroso”, para hilaridade do Presidente Bill Clinton. É melhor rir
do que chorar.
No entanto, os russos foram informados de que o Secretário de Estado Adjunto Richard Holbrooke estava a percorrer as capitais para preparar a adesão dos antigos Estados do Pacto de Varsóvia à OTAN/NATO. Assim, o Presidente Boris Yeltsin fez uma arenga ao seu homólogo, Bill Clinton, na cimeira de Budapeste (5 de Dezembro de 1994) da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). Declarou: “A nossa atitude em relação aos planos de alargamento da NATO e, em especial, em relação à possibilidade de deslocação das infra-estruturas para Leste, continua e continuará a ser invariavelmente negativa. Os argumentos segundo os quais o alargamento não é dirigido contra nenhum Estado e constitui um passo para a criação de uma Europa unificada não resistem às críticas. Esta é uma decisão cujas consequências irão determinar a forma da Europa nos próximos anos. Pode levar a uma deterioração da confiança entre a Rússia e os países ocidentais. [...] A OTAN/NATO foi criada na altura da Guerra Fria. Hoje, não sem dificuldade, procura o seu lugar na nova Europa. É importante que esta abordagem não crie duas zonas de demarcação, mas que, pelo contrário, consolide a unidade europeia. Em nossa opinião, este objetivo está em contradição com os planos de expansão da OTAN/NATO. Porquê semear a desconfiança? Afinal de contas, já não somos inimigos, somos todos parceiros. O ano de 1995 marca o quinquagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Meio século depois, estamos cada vez mais conscientes do verdadeiro significado da Grande Vitória e da necessidade de uma reconciliação histórica na Europa. Não pode haver mais adversários, nem vencedores e vencidos. Pela primeira vez na sua história, o nosso continente tem uma oportunidade real de encontrar a unidade. Desperdiçá-la é esquecer as lições do passado e pôr em causa o próprio futuro.”
Bill Clinton respondeu: “A NATO não excluirá automaticamente qualquer nação da adesão [...]. [Ao mesmo tempo, nenhum país externo poderá vetar a expansão. [ 3 ]
Nesta cimeira, foram assinados três
memorandos, incluindo um com a Ucrânia independente. Em troca da sua
desnuclearização, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos comprometeram-se
a abster-se de ameaçar ou utilizar a força contra a integridade territorial ou
a independência política da Ucrânia.
No entanto, durante as guerras na Jugoslávia, a Alemanha interveio como membro da NATO. Treinou os combatentes kosovares na base da Aliança em Incirlik (Turquia), tendo depois enviado os seus homens para lá.
No entanto, na cimeira da OTAN/NATO em Madrid (8 e 9 de Julho de 1997), os Chefes de Estado e de Governo da Aliança anunciaram que estavam a preparar a adesão da República Checa, da Hungria e da Polónia. Consideravam também a Eslovénia e a Roménia.
Consciente de que não podia impedir os Estados soberanos de aderirem às alianças, mas preocupada com as consequências para a sua própria segurança do que se preparava, a Rússia interveio na cimeira da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) em Istambul (18 e 19 de Novembro de 1999). Fez adoptar uma declaração que estabelece o princípio de que todos os Estados soberanos devem ser livres de aderir à aliança da sua escolha e que não devem tomar medidas para proteger a sua própria segurança em detrimento da dos seus vizinhos.
No entanto, em 2014, os EUA encenaram uma
revolução colorida na Ucrânia, derrubando o presidente democraticamente eleito
(que queria manter o seu país a meio caminho entre os EUA e a Rússia) e
instalando um regime neo-nazi publicamente agressivo contra a Rússia.
Em 2004, a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia aderiram à NATO. Em 2009, aderiram a Albânia e a Croácia. Em 2017, o Montenegro. Em 2020, a Macedónia do Norte. Em 2023, a Finlândia e, em 2024, a Suécia. Todas as promessas foram quebradas.
Para compreendermos bem como chegámos aqui, temos de saber o que os Estados Unidos estavam a pensar.
Em 1997, o antigo conselheiro de segurança do Presidente Jimmy Carter, o polaco-americano Zbigniew Brzeziński, publicou The Grand Chessboard. Nele, discute a “geo-política” no sentido original, ou seja, não a influência da geografia na política internacional, mas um plano para dominar o mundo.
Para ele, os Estados Unidos poderiam continuar a ser a primeira potência mundial aliando-se aos europeus e isolando a Rússia. Agora reformado, este democrata propôs aos Straussianos uma estratégia para manter a Rússia à distância, sem lhes dar razão. Apoiava a cooperação com a União Europeia, enquanto os Straussianos queriam travar o seu desenvolvimento (doutrina Wolfowitz). Seja como for, Brzeziński tornou-se conselheiro do Presidente Barack Obama.
Monumento em Lviv em honra do criminoso de guerra contra a humanidade Stepan Bandera
2- Nazificação da Ucrânia
No início da operação especial do exército russo na
Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin declarou que o seu principal objectivo era
desnazificar o país. O Ocidente fingiu então ignorar o problema. Acusou a
Rússia de exagerar alguns factos marginais, apesar de estes terem sido
observados em grande escala durante uma década.
Isto deve-se ao facto de os dois geo-políticos rivais dos EUA, Paul Wolfowitz e Zbigniew Brzeziński, terem formado uma aliança com os “nacionalistas integrais” (isto é, os seguidores do filósofo Dmytro Dontsov e do líder miliciano Stepan Bandera) [4], numa conferência organizada por estes últimos em Washington, em 2000. Foi nesta aliança que o Departamento de Defesa se apoiou em 2001, quando sub-contratou a sua investigação sobre a guerra biológica na Ucrânia, sob a autoridade de Antony Fauci, então Conselheiro de Saúde do Secretário Donald Rumsfeld. Foi a mesma aliança com que o Departamento de Estado contou em 2014, com a colorida revolução Euromaidan.
Os dois presidentes judeus da Ucrânia, Petro Poroshenko e Volodymyr Zelensky, permitiram que os memoriais aos colaboradores nazis surgissem por todo o país, em particular na Galiza. Permitiram que a ideologia de Dmytro Dontsov se tornasse o ponto de referência histórico. Por exemplo, hoje em dia, a população ucraniana atribui a grande fome de 1932-1933, que matou entre 2,5 e 5 milhões de pessoas, ao desejo imaginário da Rússia de exterminar os ucranianos; um mito fundador que não resiste a uma análise histórica [5], uma vez que a fome afectou muitas outras regiões da União Soviética. Aliás, foi com base nesta mentira que Kiev conseguiu fazer crer à sua população que o exército russo queria invadir a Ucrânia. Actualmente, dezenas de países, entre os quais a França [6] e a Alemanha [7], aprovaram leis ou resoluções que validam esta propaganda.
A nazificação é mais complexa do que se possa pensar: com o envolvimento da OTAN/NATO nesta guerra por procuração, a Ordem Centúria, a sociedade secreta dos nacionalistas integrais ucranianos, penetrou nas forças da Aliança. Em França, diz-se que já está presente na Gendarmerie (que, aliás, nunca tornou público o seu relatório sobre o massacre de Boutcha).
O Ocidente contemporâneo vê erradamente os nazis como criminosos que massacraram sobretudo judeus. Isso é absolutamente falso. Os seus principais inimigos eram os eslavos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis assassinaram muitas pessoas, primeiro a tiro e depois, a partir de 1942, em campos de concentração. As vítimas civis eslavas da ideologia racial nazi foram mais numerosas do que as vítimas judias (cerca de 6 milhões, se somarmos os mortos à bala e os mortos nos campos). Aliás, como algumas vítimas eram simultaneamente eslavos e judeus, são contabilizadas em ambas as contas. Após os massacres de 1940 e 1941, cerca de 18 milhões de pessoas de todas as origens foram internadas em campos de concentração, das quais 11 milhões foram assassinadas (1.100.000 só em Auschwitz-Birkenau) [8].
A União Soviética, destroçada durante a revolução bolchevique, só recuperou a sua unidade em 1941, quando José
Estaline se aliou à Igreja Ortodoxa e pôs fim aos massacres e aos internamentos políticos (os “gulags”) para combater a invasão nazi. A vitória sobre a ideologia racial foi a base da Rússia actual. O povo russo vê-se a si próprio como ferrabrás do racismo.3—A rejeição da Rússia pela Europa
O terceiro pomo de discórdia entre o Ocidente e a
Rússia surgiu, não antes, mas durante a guerra na Ucrânia. O Ocidente adoptou
várias medidas contra o que simbolizava a Rússia. É certo que foram tomadas
medidas coercivas unilaterais (erradamente designadas por “sanções”) a nível
governamental, mas também foram tomadas medidas discriminatórias a nível dos
cidadãos. Muitos restaurantes foram fechados aos russos nos Estados Unidos e os
espectáculos russos foram cancelados na Europa.
Simbolicamente, aceitámos a ideia de que a Rússia não é europeia, mas sim asiática (o que, em parte, também é). Repensámos a dicotomia da Guerra Fria entre o mundo livre (capitalista e religioso) e o espectro totalitário (socialista e ateu) numa oposição entre os valores ocidentais (individualistas) e os valores asiáticos (comunitários).
Por detrás desta mudança, estão a ressurgir ideologias raciais. Há três anos, observei que o Projecto 1619 do New York Times e a retórica “woke” do Presidente Joe Biden eram de facto, talvez sem querer, uma reformulação invertida do racismo [9]. Noto que hoje o Presidente Donald Trump partilha a minha análise e revogou sistematicamente todas as inovações woke do seu antecessor. Mas o estrago já foi feito: no mês passado, os ocidentais reagiram ao aparecimento do DeepSeek chinês negando que os asiáticos pudessem ter inventado e não copiado tal software. Algumas agências governamentais proibiram mesmo os seus funcionários de o utilizarem, o que equivale a uma denúncia do “perigo amarelo”.
Devemos censurar Leão Tolstoi (1828-1910), o autor de “Guerra e Paz”, como faz a Ucrânia, queimando os seus livros por ser russo?.
4- Conclusão
As negociações em curso centram-se naquilo
que é directamente tangível para a opinião pública: as fronteiras. Mas o mais
importante está noutro lado. Para vivermos juntos, temos de evitar ameaçar a
segurança dos outros e de os reconhecer como nossos iguais. Isto é muito mais
difícil, e não apenas para os nossos governos.
De um ponto de vista russo, a origem intelectual dos três problemas acima analisados reside na rejeição anglo-saxónica do direito internacional [10]. Durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Franklin D. Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill acordaram na Cimeira do Atlântico que, após a sua vitória conjunta, imporiam a sua lei ao resto do mundo. Foi apenas sob pressão da URSS e da França que aceitaram os estatutos da ONU, mas continuaram a desrespeitá-los, obrigando a Rússia a boicotar a organização quando recusaram à China Popular o direito de ter assento na mesma. Um exemplo flagrante da duplicidade ocidental é dado pelo Estado de Israel, que espezinhou uma centena de resoluções do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e pareceres do Tribunal Internacional de Justiça. É por isso que, a 17 de Dezembro de 2021, na iminência de uma guerra na Ucrânia, Moscovo propôs a Washington [11] evitá-la através da assinatura de um tratado bilateral de garantias de paz [12].
A ideia deste texto era, nem mais nem menos, que os Estados Unidos renunciassem ao “mundo baseado em regras” e se alinhassem com o Direito Internacional. Este direito, concebido pelos russos e pelos franceses pouco antes da Primeira Guerra Mundial, consiste unicamente em manter a palavra dada perante a opinião pública.
NOTAS
“ Expansão da
OTAN: o que Gorbachev ouviu ”,
Arquivos de Segurança Nacional, 24 de Novembro de 2021.
[ 2 ] “ Expansão da
OTAN: o que Yeltsin ouviu ”, Arquivos
de Segurança Nacional , 16 de Março de 2018.
[ 3 ] “ Expansão da
OTAN – A explosão de Budapeste em 1994 ”,
Arquivos de Segurança Nacional, 24 de Novembro de 2021.
[ 4 ] “ Quem são os nacionalistas
integralistas ucranianos? »,
por Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 15 de Novembro de
2022.
[ 5 ] “ O Holodomor,
novo avatar do anti-comunismo “europeu” ” (excerto de A Escolha da
Derrota ), Annie Lacroix-Riz (2010). Fome e transformação agrícola na
URSS, Mark Tauger, Delga (2017).
[ 6 ] “ Proposta de
resolução sobre o reconhecimento e a condenação da grande fome de 1932-1933,
conhecida como “holodomor”, como genocídio ”, Assembleia Nacional, Texto aprovado, 28
de Março de 2023.
[ 7 ] Enquanto
os serviços do Bundestag realizaram um estudo sobre este engano em
2008. Perguntas
sobre a história ucraniana no século XX. A greve de fome na Ucrânia 1932/33
("Holodomor") e as consequências da
recuperação
após o fim da Segunda Guerra Mundial .
[ 8 ] A Grande
Guerra Patriótica, Manual estatístico de aniversário , Rosstat (2019).
[ 9 ] “ Joe Biden reinventa o racismo ”, por Thierry Meyssan, Voltaire
Network , 11 de Maio de 2021.
[ 10 ] “ Que ordem internacional? », por Thierry Meyssan, Rede
Voltaire , 7 de Novembro de 2023.
[ 11 ] “ A Rússia quer forçar os EUA a
respeitar a Carta das Nações Unidas ”,
por Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 4 de Janeiro de
2022.
[ 12 ] “
Projecto de acordo sobre medidas para garantir a
segurança da Rússia e da OTAN ” , Rede
Voltaire , 17 de Dezembro de 2021 .
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/298160
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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