1 de Abril de
2022 Robert Bibeau
Por Jacques Baud (Suíça)
PRIMEIRA
PARTE: A CAMINHO DA GUERRA
Durante anos, do Mali ao Afeganistão, trabalhei pela paz e arrisquei a
minha vida por isso. Não se trata, portanto, de justificar a guerra, mas de
compreender o que nos levou a ela. Constato que os "peritos" que
fazem turnos em televisões analisam a situação com base em informações
duvidosas, na maioria das vezes hipóteses erguidas, pelo que já não podemos
compreender o que se passa. É assim que se cria pânico.
O problema não é tanto quem tem razão neste conflito, mas como é que os
nossos líderes tomam as suas decisões.
Tentemos examinar as raízes do conflito. Começa com aqueles que nos falaram
nos últimos oito anos de "separatistas" ou "independentistas"
do Donbass. Não é verdade. Os referendos realizados pelas duas auto-proclamadas
repúblicas de Donetsk e Luhansk em Maio de 2014 não foram referendos sobre
"independência" (незавиисисттт), como alguns jornalistas sem
escrúpulos afirmaram, mas referendos sobre "auto-determinação" ou
"autonomia" (самостотенносттти). A qualificação "pró-russa"
sugere que a Rússia era parte no conflito, o que não era o caso, e o termo
"falantes russos" teria sido mais honesto. Além disso, estes
referendos foram realizados contra os conselhos de Vladimir Putin.
Com efeito, estas repúblicas não procuraram separar-se da Ucrânia, mas sim
ter um estatuto de autonomia que lhes garantisse a utilização da língua russa
como língua oficial. Porque o primeiro acto legislativo do novo governo
resultante do derrube do Presidente Yanukovych, foi a abolição, em 23 de Fevereiro
de 2014, da lei Kivalov-Kolesnichenko de 2012 que fez do russo uma língua
oficial. É como se os putschistas decidissem que o francês e o italiano
deixariam de ser línguas oficiais na Suíça.
Esta decisão causou uma tempestade na população de língua russa. O
resultado foi uma repressão feroz contra as regiões de língua russa (Odessa,
Dnepropetrovsk, Kharkov, Luhansk e Donetsk) que começou em Fevereiro de 2014 e
levou a uma militarização da situação e a alguns massacres (em Odessa e
Mariupol, o mais importante). No final do Verão de 2014, apenas permanecem as
auto-proclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk.
Nesta fase, demasiado rígida e entrincheirada numa abordagem doutrinada da
arte operativa, o Estado-Maior ucraniano fez sofrer o inimigo sem conseguir
impor-se. Uma análise ao curso dos combates em 2014-2016 no Donbass mostra que
o Estado-Maior da Ucrânia aplicou sistematicamente e mecanicamente os mesmos
esquemas operacionais. No entanto, a guerra travada pelos autonomistas está
então muito próxima do que observamos no Sahel: operações muito móveis realizadas
com meios ligeiros. Com uma abordagem mais flexível e menos doutrinária, os
rebeldes foram capazes de explorar a inércia das forças ucranianas para os
"encurralar" repetidamente.
Em 2014, estou na NATO, responsável pela luta contra a proliferação de armas
ligeiras, e estamos a tentar detectar entregas de armas russas aos rebeldes
para ver se Moscovo está envolvido. A informação que recebemos então provém
quase toda dos serviços de informações polacos e não "cola" com a
informação da OSCE: apesar das alegações bastante cruas, não há entrega de
armas e equipamento militar da Rússia.
Os rebeldes estão armados graças às deserções das unidades ucranianas de
língua russa que passam para o lado rebelde. À medida que os fracassos
ucranianos progrediam, todo o tanque, artilharia ou batalhões anti-aéreos
aumentaram as fileiras dos autonomistas. É isso que leva os ucranianos a
participar nos Acordos de Minsk.
Mas, logo após a assinatura dos Acordos de Minsk 1, o Presidente ucraniano
Petro Poroshenko lançou uma vasta operação antiterrorista (ATO/Антитериистина
операція) contra o Donbass. Bis repetita placent (as coisas agradam quando
repetidas – NdT): mal aconselhados por oficiais da NATO, os ucranianos sofrem
uma derrota esmagadora em Debaltsevo que os obriga a participar nos Acordos de
Minsk 2...
É essencial recordar aqui que os Acordos de 1 de Setembro (Setembro de
2014) e de Minsk 2 (Fevereiro de 2015), não previam nem a separação nem a
independência das Repúblicas, mas a sua autonomia no quadro da Ucrânia. Aqueles
que leram os acordos (são muito, muito, muito poucos) constatarão que está
escrito na íntegra que o estatuto das repúblicas teve de ser negociado entre
Kiev e os representantes das repúblicas, para uma solução interna para a
Ucrânia.
É por isso que, desde 2014, a Rússia tem sistematicamente apelado à sua
aplicação, recusando-se a fazer parte das negociações, porque se tratava de um
assunto interno para a Ucrânia. Por outro lado, o Ocidente – liderado pela
França – tentou sistematicamente substituir os Acordos de Minsk pelo
"formato Normandia", que colocou russos e ucranianos frente a frente.
No entanto, lembremo-nos de que nunca houve tropas russas no Donbass antes de
23 e 24 de Fevereiro de 2022. Além disso, os observadores da OSCE nunca
observaram o menor vestígio de unidades russas a operar no Donbass. Assim, o
mapa dos serviços secretos norte-americanos publicado pelo Washington Post a 3
de Dezembro de 2021 não mostra tropas russas no Donbass.
Em Outubro de 2015, Vasyl Hrytsak, director do Serviço de Segurança da
Ucrânia (SBU), confessou que apenas 56 combatentes russos tinham sido
observados no Donbass. Seria o mesmo que os suíços terem ido lutar na Bósnia
aos fins-de-semana na década de 1990, ou os franceses que hoje lutam na
Ucrânia.
O exército ucraniano estava então num estado deplorável. Em Outubro de 2018,
após quatro anos de guerra, O procurador-geral das Forças Armadas ucraniana,
Anatoly Matios, declarou que a Ucrânia tinha perdido 2.700 homens no Donbass:
891 por doenças, 318 por acidentes rodoviários, 177 por outros acidentes, 175
por envenenamentos (álcool, drogas), 172 por manuseamento imprudente de armas,
101 por violações de segurança, 228 por homicídios e 615 por suicídios.
De facto, o exército é minado pela corrupção dos seus quadros e já não goza
do apoio da população. De acordo com um relatório do Ministério do Interior do
Reino Unido, durante a recolha de reservistas em Março de 2014, 70% não
apareceram na primeira sessão, 80% para a segunda, 90% para a terceira e 95%
para a quarta. Em Outubro/Novembro de 2017, 70% dos recrutas não apareceram
para a campanha de reforço do "Outono de 2017". Isto para não falar
dos suicídios e deserções (muitas vezes em benefício dos autonomistas) que
atingem até 30% da força de trabalho na área da ATO. Os jovens ucranianos
recusam-se a lutar no Donbass e preferem a emigração, o que também explica,
pelo menos parcialmente, o défice demográfico do país.
O Ministério da Defesa ucraniano recorreu então à NATO para a ajudar a
tornar as suas forças armadas mais "atractivas". Tendo já trabalhado
em projectos semelhantes no âmbito das Nações Unidas, a NATO solicitou-me que
participasse num programa para restabelecer a imagem das forças armadas
ucranianas. Mas é um processo a longo prazo e os ucranianos querem avançar
rapidamente.
Assim, para compensar a falta de soldados, o governo ucraniano recorreu
então às milícias paramilitares. São maioritariamente compostas por mercenários
estrangeiros, muitas vezes activistas de extrema-direita. Em 2020, constituem
cerca de 40% das forças ucranianas e têm cerca de 102.000 homens, de acordo com
a Reuters. Estão armados, financiados e treinados pelos Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Canadá e França. Existem mais de 19 nacionalidades – incluindo a
Suíça.
Os países ocidentais criaram e apoiaram claramente as milícias ucranianas
de extrema-direita. Em Outubro de 2021, o Jerusalem Post fez soar o alarme
denunciando o projecto Centuria. Estas milícias operam no Donbass desde 2014,
com apoio ocidental. Embora o termo "nazi" possa ser discutido, a
verdade é que estas milícias são violentas, transmitem uma ideologia nauseante
e são virulentamente anti-semitas. O seu anti-semitismo é mais cultural do que
político, razão pela qual o termo "nazi" não é realmente apropriado.
O seu ódio ao judeu provém das grandes fomes das décadas de 1920 e 1930 na
Ucrânia, resultantes da confiscação das culturas de Estaline para financiar a
modernização do Exército Vermelho. No entanto, este genocídio – conhecido na
Ucrânia como o Holodomor – foi perpetrado pelo NKVD (antepassado do KGB) cujos
escalões superiores de conduta eram maioritariamente compostos por judeus. É
por isso que, hoje, os extremistas ucranianos pedem a Israel que peça desculpa
pelos crimes do comunismo, como nota o Jerusalem Post. Estamos, portanto, longe
de uma "reescrita da história" de Vladimir Putin.
Estas milícias, dos grupos de extrema-direita que animaram a revolução
euromaidan em 2014, são compostas por indivíduos fanáticos e brutais. O mais
conhecido destes é o Regimento Azov, cujo emblema recorda o da 2ª Divisão
Panzer das Reich, que é alvo de verdadeira veneração na Ucrânia, por ter
libertado Kharkov dos soviéticos em 1943, antes de perpetrar o massacre de
Oradour-sur-Glane em 1944, em França.
Entre as famosas figuras do regimento Azov estava o opositor Roman
Protassevitch, detido em 2021 pelas autoridades bielorrussas na sequência do
caso do voo FR4978 da RyanAir. No dia 23 de Maio de 2021, fala-se do sequestro
deliberado de um avião por um MiG-29 – com o acordo de Putin, claro – para
prender Protassevitch, embora a informação então disponível não confirme este
cenário.
Mas então deve ser demonstrado que o Presidente Lukashenko é um bandido e
Protassevitch um "jornalista" amante da democracia. No entanto, uma
investigação bastante edificante produzida por uma ONG americana em 2020,
destacou as actividades militantes de extrema-direita de Protassevitch. A
conspiração ocidental, em seguida, pôs-se em movimento e os meios de
comunicação sem escrúpulos "prepararam" a sua biografia. Finalmente,
em Janeiro de 2022, o relatório da OACI é publicado e mostra que, apesar de
alguns erros processuais, a Bielorrússia agiu de acordo com as regras em vigor
e que o MiG-29 descolou 15 minutos após o piloto da RyanAir ter decidido
aterrar em Minsk. Portanto, sem conspiração bielorrussa e ainda menos com
Putin. Ah!... Mais um detalhe: Protassevitch, cruelmente torturado pela polícia
bielorrussa, está agora livre. Aqueles que se quiserem corresponder com ele,
podem ir à sua conta de Twitter.
A qualificação de "nazi" ou "neonazi" dada aos
paramilitares ucranianos é considerada propaganda russa. Talvez; mas esta não é
a opinião do The Times of Israel, do Centro Simon Wiesenthal ou do Centro de
Contra-terrorismo da Academia de West Point. Mas isto continua a ser
discutível, porque, em 2014, a revista Newsweek parecia associá-los ... ao
Estado Islâmico. Escolha!
Por isso, o Ocidente apoia e continua a armar milícias que têm sido
culpadas de muitos crimes contra populações civis desde 2014: violação, tortura
e massacres. Mas, embora o governo suíço tenha sido muito rápido a aplicar
sanções contra a Rússia, não adoptou nenhuma contra a Ucrânia, que tem vindo a
massacrar a sua própria população desde 2014. Com efeito, os defensores dos
direitos humanos na Ucrânia condenaram há muito as acções destes grupos, mas
não foram seguidos pelos nossos governos. Porque, na realidade, não estamos a
tentar ajudar a Ucrânia, mas sim a combater a Rússia.
A integração destas forças paramilitares na Guarda Nacional não foi de todo
acompanhada pela "desnazificação", como alguns afirmam. Entre os
muitos exemplos, a das insígnias do Regimento Azov é edificante:
Em 2022, muito esquematicamente, as forças armadas ucranianas que combatem
a ofensiva russa estão articuladas em:
– Exército, subordinado ao Ministério da Defesa: está articulado em 3 corpos do
exército e composto por formações de manobra (tanques, artilharia pesada,
mísseis, etc.).
– A Guarda Nacional, que depende do Ministério do Interior e está articulada em
5 comandos territoriais.
A Guarda Nacional é, portanto, uma força de defesa territorial que não faz parte
do exército ucraniano. Inclui milícias paramilitares, chamadas "batalhões
voluntários" (добровольчі батальйоні), também conhecidas pelo nome
evocativo de "batalhões de retaliação", compostos por infantaria.
Maioritariamente treinados para o combate urbano, agora defendem cidades como
Kharkov, Mariupol, Odessa, Kiev, etc.
PARTE
DOIS: A GUERRA
Como ex-chefe das forças do Pacto de Varsóvia no Serviço Estratégico de
Inteligência suíço, observo com tristeza – mas não surpreendentemente – que os
nossos serviços já não são capazes de compreender a situação militar na
Ucrânia. Os auto-proclamados "especialistas" que desfilam nos nossos
ecrãs transmitem incansavelmente a mesma informação modulada pela afirmação de
que a Rússia – e Vladimir Putin – é irracional. Vamos dar um passo para trás.
O surto de guerra
Desde Novembro de 2021, os norte-americanos têm ameaçado uma invasão russa
da Ucrânia. No entanto, os ucranianos não parecem concordar. Porquê?
Temos de voltar a 24 de Março de 2021. Nesse dia, Volodymyr Zelensky emitiu
um decreto para a reconquista da Crimeia e começou a enviar as suas forças para
o sul do país. Ao mesmo tempo, realizaram-se vários exercícios da NATO entre o
Mar Negro e o Mar Báltico, acompanhados por um aumento significativo dos voos
de reconhecimento ao longo da fronteira russa. A Rússia realizou então alguns
exercícios, a fim de testar a prontidão operacional das suas tropas e mostrar
que estava a acompanhar a evolução da situação.
As coisas acalmaram até Outubro-Novembro com o fim dos exercícios ZAPAD 21,
cujos movimentos de tropas são interpretados como um reforço com vista a uma
ofensiva contra a Ucrânia. No entanto, até as autoridades ucranianas refutam a
ideia dos preparativos russos para a guerra e Oleksiy Reznikov, ministro da
Defesa da Ucrânia, diz que não houve qualquer alteração na sua fronteira desde
a Primavera.
Em violação dos Acordos de Minsk, a Ucrânia está a realizar operações
aéreas no Donbass com recurso a drones, através dos quais está a levar a cabo
um ataque contra um depósito de combustível em Donetsk, em Outubro de 2021. A
imprensa americana nota-o, mas não os europeus e ninguém condena estas
violações.
Em Fevereiro de 2022, os eventos estão a correr. Em 7 de Fevereiro, durante
a sua visita a Moscovo, Emmanuel Macron reafirmou a Vladimir Putin o seu apego
aos Acordos de Minsk, compromisso que repetiria no final do seu encontro com
Volodymyr Zelensky no dia seguinte. Mas em 11 de Fevereiro, em Berlim, após 9
horas de trabalho, a reunião dos conselheiros políticos dos líderes do
"formato Normandia" terminou, sem resultado concreto: os ucranianos
continuam a recusar-se a implementar os Acordos de Minsk, aparentemente sob
pressão dos Estados Unidos. Vladimir Putin nota então que Macron lhe fez
promessas vãs e que o Ocidente não está preparado para fazer cumprir os
Acordos, como fazem há oito anos.
Os preparativos ucranianos na área de contacto continuam. O Parlamento russo
ficou alarmado e, em 15 de Fevereiro, pediu a Vladimir Putin que reconhecesse a
independência das Repúblicas, o que ele recusou.
Em 17 de Fevereiro, o Presidente Joe Biden anunciou que a Rússia iria
atacar a Ucrânia nos próximos dias. Como é que se sabe? Mistério... Mas desde o
dia 16, o bombardeamento de artilharia das populações do Donbass aumentou
drasticamente, como mostram os relatórios diários dos observadores da OSCE. É
claro que nem os meios de comunicação social, nem a União Europeia, nem a NATO,
nem qualquer governo ocidental reage e intervém. Mais tarde, dir-se-á que se
trata de desinformação russa. Com efeito, parece que a União Europeia e alguns
países ignoraram deliberadamente o massacre do povo do Donbass, sabendo que
isso provocaria uma intervenção russa.
Ao mesmo tempo, há relatos de actos de sabotagem no Donbass. Em 18 de Janeiro,
os combatentes do Donbass interceptaram sabotadores equipados com equipamento
de língua ocidental e polaca que procuravam criar incidentes químicos em
Gorlivka. Podem ser mercenários da CIA, liderados ou "aconselhados"
por americanos e compostos por combatentes ucranianos ou europeus, para levar a
cabo acções de sabotagem nas Repúblicas do Donbass.
Na verdade, já em 16 de Fevereiro, Joe Biden sabe que os ucranianos
começaram a atacar as populações civis do Donbass, colocando Vladimir Putin na
frente de uma escolha difícil: ajudar militarmente o Donbass e criar um
problema internacional ou ficar parado e ver os falantes russos do Donbass
serem esmagados.
Se decidir intervir, Vladimir Putin pode invocar a obrigação internacional
de "Responsabilidade de Proteger" (R2P). Mas sabe que,
independentemente da sua natureza ou escala, a intervenção irá desencadear uma
chuva de sanções. Por conseguinte, quer a sua intervenção se limite ao Donbass
ou se vá mais longe para pressionar os ocidentais pelo estatuto da Ucrânia, o
preço a pagar será o mesmo. É isso que ele explica no seu discurso de 21 de Fevereiro.
Nesse dia, aderiu ao pedido da Duma e reconheceu a independência das duas
Repúblicas do Donbass e, no processo, assinou tratados de amizade e assistência
com eles.
Os bombardeamentos de artilharia ucraniana do povo do Donbass continuaram,
e em 23 de Fevereiro as duas repúblicas pediram ajuda militar russa. No dia 24,
Vladimir Putin invocou o artigo 51.º da Carta das Nações Unidas, que prevê
assistência militar no âmbito de uma aliança defensiva.
A fim de tornar a intervenção russa totalmente ilegal aos olhos do público,
escondemos deliberadamente o facto de que a guerra começou efectivamente a 16
de Fevereiro. O exército ucraniano preparava-se para atacar o Donbass já em
2021, como alguns serviços secretos russos e europeus bem sabiam... Os juristas
julgarão.
No seu discurso de 24 de Fevereiro, Vladimir Putin definiu os dois objectivos
da sua operação: "desmilitarizar" e "desnazificar" a
Ucrânia. Não se trata, portanto, de apreender a Ucrânia, ou mesmo,
presumivelmente, de a ocupar e, certamente, de a destruir.
A partir daí, a nossa visibilidade para o progresso da operação é limitada: os
russos têm uma excelente segurança de operações (OPSEC) e os detalhes do seu
planeamento não são conhecidos. Mas rapidamente, o fluxo de trabalho permite
compreender como os objetivos estratégicos se traduziram em termos operativos.
– Desmilitarização:
. destruição terrestre
da aviação ucraniana, sistemas de defesa aérea e meios de reconhecimento;
. neutralização das
estruturas de comando e inteligência (C3I), bem como das principais rotas
logísticas na profundidade do território;
. cerco do grosso do
exército ucraniano concentrado no sudeste do país.
– Desnazificação:
. destruição ou
neutralização de batalhões voluntários que operam nas cidades de Odessa, Kharkov
e Mariupol, bem como em várias instalações do território.
"Desmilitarização"
A ofensiva russa está a decorrer de uma forma muito "clássica".
Primeiro – como os israelitas tinham feito em 1967 – com a destruição terrestre
da força aérea nas primeiras horas. Depois, assistimos a uma progressão
simultânea em vários eixos de acordo com o princípio da "água
corrente": avançamos onde quer que a resistência seja fraca e deixamos as
cidades (muito vorazes para as tropas)
para mais tarde. No norte, a central de Chernobil é imediatamente ocupada para
evitar actos de sabotagem. As imagens de soldados ucranianos e russos que
monitorizam conjuntamente a fábrica não são mostradas...
A ideia de que a Rússia está a tentar apoderar-se de Kiev, a capital para
eliminar Zelensky, vem tipicamente do Ocidente: foi isso que fizeram no
Afeganistão, no Iraque, na Líbia e no que queriam fazer na Síria com a ajuda do
Estado Islâmico. Mas Vladimir Putin nunca teve a intenção de abater ou derrubar
Zelensky. Pelo contrário, a Rússia procura mantê-lo no poder, pressionando-o a
negociar cercando Kiev. Até agora, recusou-se a fazer os acordos de Minsk, mas
agora os russos querem alcançar a neutralidade da Ucrânia.
Muitos comentadores ocidentais ficaram surpreendidos com o facto de os
russos continuarem a procurar uma solução negociada enquanto conduziam
operações militares. A explicação está no desenho estratégico russo, desde os
tempos soviéticos. Para os ocidentais, a guerra começa quando a política para.
No entanto, a abordagem russa segue uma inspiração clausewitziana: a guerra é a
continuidade da política e pode-se mover-se suavemente de um para o outro,
mesmo durante os combates. Isto cria pressão sobre o adversário e pressiona-o a
negociar.
Do ponto de vista operacional, a ofensiva russa foi um exemplo deste tipo:
em seis dias, os russos tomaram um território tão vasto como o Reino Unido, com
uma velocidade de avanço superior à que a Wehrmacht tinha conseguido em 1940.
A maior parte do exército ucraniano foi destacada para o sul do país para uma
grande operação contra o Donbass. É por isso que as forças russas conseguiram
rodeá-lo no início de Março no "caldeirão" entre Slavyansk,
Kramatorsk e Severodonetsk, por um empurrão do leste através de Kharkov e outro
do sul da Crimeia. Tropas das Repúblicas de Donetsk (DPR) e das Repúblicas de
Luhansk (LPR) completaram a acção das forças russas com um impulso do Leste.
Neste momento, as forças russas estão lentamente a apertar o laço, mas já
não estão sob pressão do tempo. O seu objectivo de desmilitarização está quase
alcançado e as forças ucranianas residuais já não têm uma estrutura de comando
operacional e estratégica.
O "abrandamento" que os nossos "especialistas" atribuem à
fraca logística, é apenas consequência de ter alcançado os objectivos
definidos. A Rússia não parece querer envolver-se numa ocupação de todo o
território ucraniano. Na verdade, parece que a Rússia está a tentar limitar a
sua vantagem à fronteira linguística do país.
Os nossos meios de comunicação falam de bombardeamentos indiscriminados
contra populações civis, especialmente nas imagens de Kharkov e Dantesque,
transmitidas em contínuo. No entanto, Gonzalo Lira, um latino-americano que
vive lá, apresenta-nos uma cidade tranquila a 10 de Março e a 11 de Março. É
certamente uma cidade grande e não vemos tudo, mas parece indicar que não
estamos na guerra total com a qual somos servidos continuamente nos nossos
ecrãs.
Quanto às Repúblicas do Donbass, "libertaram" os seus próprios
territórios e estão a lutar na cidade de Mariupol.
"Desnazificação"
Em cidades como Kharkov, Mariupol e Odessa, a defesa é fornecida por
milícias paramilitares. Sabem que o objectivo da "desnazificação" é
dirigido principalmente a eles.
Para um agressor numa área urbanizada, os civis são um problema. É por isso
que a Rússia procura criar corredores humanitários para esvaziar cidades de
civis e deixar apenas milícias para os combater mais facilmente.
Pelo contrário, estas milícias procuram manter os civis nas cidades, a fim
de impedir que o exército russo venha a combater lá. É por isso que estão
relutantes em implementar estes corredores e tudo fazer para garantir que os
esforços russos sejam em vão: podem, assim, utilizar a população civil como
"escudos humanos". Vídeos que mostram civis a tentar deixar Mariupol
e espancados por combatentes do regimento Azov são naturalmente cuidadosamente
censurados aqui.
No Facebook, o grupo Azov foi considerado na mesma categoria do Estado
Islâmico e sujeito à "política de indivíduos e organizações
perigosas" da plataforma. Foi, portanto, proibido glorificá-lo, e os
"posts" que lhe eram favoráveis foram sistematicamente proibidos.
Mas em 24 de Fevereiro, o Facebook mudou a sua política e permitiu postagens
favoráveis à milícia. No mesmo espírito, em Março, a plataforma autoriza, nos
antigos países do Leste, apelos ao assassinato de soldados e líderes russos. Lá
se vão os valores que inspiram os nossos líderes, como veremos.
Os nossos meios de comunicação propagam uma imagem romântica de resistência
popular. Foi esta imagem que levou a União Europeia a financiar a distribuição
de armas à população civil. É um acto criminoso. No meu papel de Chefe da
Doutrina de Operações de Manutenção da Paz nas Nações Unidas, trabalhei na
questão da protecção dos civis. Constatámos então que a violência contra os
civis ocorreu em contextos muito específicos. Especialmente quando as armas
abundam e não há estruturas de comando.
No entanto, estas estruturas motrizes são a essência dos exércitos: a sua
função é canalizar o uso da força de acordo com um objectivo. Ao armar os
cidadãos de forma desordenada, como é actualmente o caso, a UE transforma-os em
combatentes, com as consequências que daí advêm: potenciais alvos. Além disso,
sem comando, sem objectivos operacionais, a distribuição de armas leva
inevitavelmente a acertar contas, banditismo e acções que são mais letais do
que eficazes. A guerra torna-se uma questão de emoções. A força torna-se
violência. Foi o que aconteceu em Tawarga (Líbia) de 11 a 13 de Agosto de 2011,
onde 30.000 negros africanos foram massacrados com armas lançadas de
para-quedas (ilegalmente) pela França. A propósito, o British Royal Institute
for Strategic Studies (RUSI) não vê qualquer valor acrescentado nestas entregas
de armas.
Além disso, ao entregar armas a um país em guerra, expõe-se a ser
considerado beligerante. Os ataques russos de 13 de Março de 2022 na base aérea
de Mykolaiv seguem os avisos russos de que os carregamentos de armas seriam
tratados como alvos hostis.
A UE repete a experiência desastrosa do Terceiro Reich nas últimas horas da
Batalha de Berlim. A guerra deve ser deixada aos militares e quando um lado
perde, tem de ser admitido. E para haver resistência, deve ser imperativamente
conduzida e estruturada. No entanto, estamos a fazer exactamente o contrário:
os cidadãos estão a ser pressionados para lutar e, ao mesmo tempo, o Facebook
está a permitir apelos ao assassínio de soldados e líderes russos. Lá se vão os
valores que nos inspiram.
Em alguns serviços de inteligência, esta decisão irresponsável é vista como
uma forma de usar a população ucraniana como carne para canhão para combater a
Rússia de Vladimir Putin. Este tipo de decisão assassina teve de ser deixada
aos colegas do avô de Ursula von der Leyen. Teria sido mais sensato entrar em
negociações e, assim, obter garantias para a população civil do que acrescentar
combustível ao fogo. É fácil ser combativo com o sangue dos outros...
A maternidade de Mariupol
É importante compreender de antemão que não é o exército ucraniano que
defende Mariupol, mas sim a milícia Azov, que é composta por mercenários
estrangeiros.
No seu resumo da situação de 7 de Março de 2022, a missão russa da ONU em
Nova York afirma que "os moradores relatam que as forças armadas
ucranianas expulsaram o pessoal do Hospital Natal nº 1 da cidade de Mariupol e
instalaram um posto de tiro dentro do estabelecimento. »
Em 8 de março, os meios de comunicação independentes russos Lenta.ru,
publicaram o testemunho de civis de Mariupol que diziam que a maternidade tinha
sido tomada pelas milícias do regimento Azov, que expulsaram os ocupantes civis
ameaçando-os com as suas armas. Confirmam assim as declarações do embaixador
russo algumas horas antes.
O hospital de Mariupol ocupa uma posição dominante, perfeitamente adequada
para instalar armas anti-tanque e para observação. Em 9 de Março, as forças
russas atingiram o edifício. De acordo com a CNN, há 17 feridos, mas as imagens
não mostram vítimas no local e nada mostra que as vítimas que estão de que se
está a falar estejam ligadas a este ataque. Falamos de crianças, mas na
realidade, não vemos nada. Pode ser verdade, mas pode ser falso... Isto não
impede que os líderes da UE o vejam como um crime de guerra... Isto permite,
logo a seguir, Zelensky reivindicar uma zona de exclusão aérea sobre a
Ucrânia...
Na realidade, não se sabe exatamente o que aconteceu. Mas a sequência de
acontecimentos tende a confirmar que as forças russas atingiram uma posição do
regimento Azov e que a maternidade estava livre de civis.
O problema é que as milícias paramilitares que defendem as cidades são
encorajadas pela comunidade internacional a não respeitar os costumes da
guerra. Parece que os ucranianos reproduziram o cenário da maternidade da
Cidade do Kuwait em 1990, que tinha sido totalmente encenada pela firma Hill
& Knowlton por um montante de 10,7 milhões de dólares para convencer o
Conselho de Segurança das Nações Unidas a intervir no Iraque para a Operação Desert Shield/Storm (Escudo do Deserto/Tempestade).
Há oito anos que os políticos ocidentais aceitaram ataques contra civis no
Donbass, sem adoptarem quaisquer sanções contra o Governo ucraniano. Há muito
que entrámos numa dinâmica em que os políticos ocidentais concordaram em
sacrificar o direito internacional ao seu objectivo de enfraquecer a Rússia.
TERCEIRA
PARTE: CONCLUSÕES
Como ex-profissional dos serviços secretos, a primeira coisa que me parece
é a total ausência dos serviços secretos ocidentais na representação da
situação durante um ano. Na Suíça, os serviços foram criticados por não fornecerem
uma imagem correcta da situação. Na verdade, parece que em todo o mundo
ocidental, os serviços têm sido esmagados pela política. O problema é que são
os políticos que decidem: o melhor serviço de inteligência do mundo é inútil se
o decisor não o ouvir. Foi o que aconteceu durante esta crise.
No entanto, embora alguns serviços de inteligência tivessem uma imagem
muito precisa e racional da situação, outros tinham claramente a mesma imagem
que a propagada pelos nossos meios de comunicação. Nesta crise, os serviços dos
países da "nova Europa" desempenharam um papel importante. O problema
é que, por experiência própria, descobri que são extremamente maus analíticos:
doutrinadores, não têm a independência intelectual e política necessária para
avaliar uma situação com uma "qualidade" militar. É melhor tê-los
como inimigos do que como amigos.
Em segundo lugar, parece que, nalguns países europeus, os políticos
ignoraram deliberadamente os seus serviços para responder ideologicamente à
situação. É por isso que esta crise tem sido irracional desde o início.
Observar-se-á que todos os documentos que foram apresentados ao público durante
esta crise foram apresentados por políticos com base em fontes comerciais...
Alguns políticos ocidentais obviamente queriam que houvesse um conflito.
Nos Estados Unidos, os cenários de ataque apresentados por Anthony Blinken ao
Conselho de Segurança foram apenas fruto da imaginação de uma Equipa Tigre a
trabalhar para ele: fez exatamente como Donald Rumsfeld em 2002, que assim
"contornou" a CIA e outros serviços de inteligência que eram muito
menos assertivos em relação às armas químicas iraquianas.
Os acontecimentos dramáticos que hoje estamos a assistir têm causas que
sabíamos, mas que nos recusamos a ver:
– a nível estratégico, a expansão da NATO (que não tratámos aqui);
– a nível político, a recusa ocidental de aplicar os Acordos de Minsk;
– e a nível operacional, os ataques contínuos e repetidos às populações civis
do Donbass nos últimos anos e o aumento dramático no final de Fevereiro de
2022.
Por outras palavras, podemos, naturalmente, lamentar e condenar o ataque
russo. Mas nós (isto é, os Estados Unidos, a França e a União Europeia na
liderança) criámos as condições para que um conflito entrasse em erupção.
Mostramos compaixão pelo povo ucraniano e pelos dois milhões de refugiados. É
razoável. Mas se tivéssemos tido um mínimo de compaixão pelo mesmo número de
refugiados do povo ucraniano do Donbass massacrados pelo seu próprio governo e
que se acumularam na Rússia durante oito anos, nada disto teria acontecido.
Se o termo "genocídio" se aplica aos abusos sofridos pelo povo do
Donbass é uma questão em aberto. Este termo é geralmente reservado para casos
maiores (Holocausto, etc.), mas a definição na Convenção do Genocídio é
provavelmente suficientemente ampla para ser aplicada. Os juristas vão gostar.
Claramente, este conflito levou-nos à histeria. As sanções parecem ter-se
tornado o instrumento preferido das nossas políticas externas. Se tivéssemos
insistido em que a Ucrânia cumprisse os Acordos de Minsk, que tínhamos negociado
e apoiado, tudo isto não teria acontecido. A condenação de Vladimir Putin
também é nossa. Não vale a pena lamentarmo-nos depois do facto, tivemos de agir
antes. No entanto, nem Emmanuel Macron (como garante e membro do Conselho de
Segurança da ONU), nem Olaf Scholz, nem Volodymyr Zelensky respeitaram os seus
compromissos. Em última análise, a verdadeira derrota é a daqueles que não têm
palavra.
A União Europeia não conseguiu, pelo contrário, promover a implementação
dos acordos de Minsk, não reagiu quando a Ucrânia bombardeou a sua própria
população no Donbass. Se ela tivesse feito isso, Vladimir Putin não precisaria
reagir. Ausente da fase diplomática, a UE distinguiu-se por alimentar o conflito.
Em 27 de Fevereiro, o governo ucraniano concorda em iniciar negociações com a
Rússia. Mas algumas horas depois, a União Europeia vota um orçamento de 450
milhões de euros para fornecer armas à Ucrânia, colocando lenha na fogueira. A
partir daí, os ucranianos sentem que não precisarão chegar a um acordo. A
resistência das milícias Azov em Mariupol provocará até um aumento de 500
milhões de euros para armas.
Na Ucrânia, com a bênção dos países ocidentais, os que são a favor da
negociação são eliminados. É o caso de Denis Kireyev, um dos negociadores ucranianos,
assassinado em 5 de Março pelo Serviço Secreto ucraniano (SBU) por ser
demasiado favorável à Rússia e ser considerado um traidor. O mesmo destino está
reservado a Dmitry Demyanenko, ex-vice-chefe da direcção principal da SBU para
Kiev e sua região,
assassinado a 10 de Março, por ser demasiado favorável a um acordo com a
Rússia: é baleado pela milícia Mirotvorets ("Pacificador"). Esta
milícia está associada ao site Mirotvorets que lista os "inimigos da
Ucrânia", com os seus dados pessoais, morada e números de telefone, para
que possam ser assediados ou mesmo eliminados; uma prática punível em muitos
países, mas não na Ucrânia. A ONU e alguns países europeus exigiram o seu
encerramento... recusado pelo Rada.
Eventualmente, o preço será alto, mas Vladimir Putin provavelmente
alcançará as metas que estabeleceu para si mesmo. Os seus laços com Pequim solidificaram.
A China surge como mediadora do conflito, enquanto a Suíça entra na lista de
inimigos da Rússia. Os americanos devem pedir petróleo à Venezuela e ao Irão
para sair do impasse energético em que se encontram: Juan Guaidó sai de cena definitivamente
e os Estados Unidos devem lamentavelmente reverter as sanções impostas aos seus
inimigos.
Os ministros ocidentais que procuram colapsar a economia russa e garantir
que o povo russo sofra, ou mesmo apelar ao assassinato de Putin, mostram (mesmo
que tenham invertido parcialmente a forma das suas observações, mas não a
substância!) que os nossos líderes não são melhores do que aqueles que odiamos.
Porque punir atletas para-olímpicos russos ou artistas russos não tem
absolutamente nada a ver com uma luta contra Putin.
Assim, reconhecemos que a Rússia é uma democracia, uma vez que consideramos
que o povo russo é responsável pela guerra. Se não, por que procuramos punir
uma população inteira por culpa de um? Recordemos que a punição colectiva é
proibida pelas Convenções de Genebra...
A lição a aprender com este conflito é o nosso sentido de geometria
variável da humanidade. Se estávamos tão interessados na paz e na Ucrânia, por
que não a encorajamos a respeitar mais os acordos que assinou e que os membros
do Conselho de Segurança tinham aprovado?
A integridade dos meios de comunicação social mede-se pela sua vontade de
trabalhar de acordo com os termos da Carta de Munique. Conseguiram espalhar o
ódio aos chineses durante a crise de Covid e a sua mensagem polarizada conduz
aos mesmos efeitos contra os russos. O jornalismo está cada vez mais a
despir-se do profissionalismo para se tornar um activista...
Como dizia Goethe: “Quanto maior a luz, mais escura a sombra”. Quanto mais
ultrajantes as sanções contra a Rússia, mais os casos em que não fizemos nada destacam
o nosso racismo e o nosso servilismo. Por que é que nenhum político ocidental
reagiu aos ataques contra as populações civis do Donbass durante oito anos?
Porque, no final, o que torna o conflito na Ucrânia mais censurável do que
a guerra no Iraque, no Afeganistão ou na Líbia? Que sanções adoptámos contra
aqueles que deliberadamente mentiram perante a comunidade internacional para
travar guerras injustas, injustificadas, injustificáveis e assassinas? Tentámos
"fazer sofrer" o povo americano que nos mentiu (porque é uma
democracia!) antes da guerra no Iraque? Será que apenas adoptámos uma única
sanção contra os países, empresas ou políticos que estão a fornecer armas ao
conflito no Iémen, considerado a "pior catástrofe humanitária do
mundo"? Sancionámos os países da União Europeia que praticam a tortura
mais abjecta no seu território em benefício dos Estados Unidos?
Fazer a pergunta é responder... e a resposta não é gloriosa.
Jacques Baud
Fonte: LA SITUATION MILITAIRE EN UKRAINE (1.04.2022) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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