Um ex-director da ONU, oligarca e senhor da guerra metralha o proletariado
cazaque...
Publicado a 3 de Abril
de 2022 por Pantopolis em actualité politique
Motins no Cazaquistão, presidente autoriza polícia a "disparar sem aviso prévio" contra "bandidos armados" |
Um ex-director da ONU, oligarca e senhor
da guerra
metralha o proletariado cazaque...
Num artigo publicado no diário francês Le Monde,
publicado na secção "ideias", podemos ler o apelo preocupado de um
antigo funcionário público internacional a António Guterres, secretário da ONU,
ex-vice-presidente da "Internacional Socialista" e antigo Alto
Comissariado para os Refugiados[1]. É-lhe "recomendado" que "faça
política".
Mas no interesse de quem e com que objetivos?
Durante a cimeira sobre o clima realizada em Glasgow
(1 a 13 de Novembro de 2021), mais de 500 lobistas dos principais poluidores do
planeta, representando o grande capital dos combustíveis fósseis (Shell, BP,
Gazprom, Total Energies, Engie...) foram convidados a participar nas
"talks" blá-blá blá sobre o clima. Por outras palavras, os principais
grupos capitalistas da energia mundial estavam lá para promover o
"seu" gás e "o seu" petróleo, independentemente da sua
nacionalidade e da sua pertença a este ou àquele bloco imperialista (russo e
ocidental). A sua atitude é muito clara: os grandes grupos ridicularizam o
declínio programado dos combustíveis fósseis; pretendem continuar o seu establishement
sempre que possível – no Ártico, nas florestas primárias, etc. - correndo o
risco de continuar a destruir a natureza. Os seus objetivos geoestratégicos são
inequívocos. Para os grandes grupos, trata-se de controlar uma matéria-prima
fundamental para a consolidação e sobretudo para a expansão de cada um dos
grandes blocos ou médias potências imperialistas. A corrida frenética para
construir oleodutos e gasodutos continua inabalável, tanto para a China quanto
para a Europa. Essa corrida faz parte de uma musculada geopolítica de controle
dos países por onde passam esses oleodutos. Faz parte de um confronto entre
grandes potências pelo controle total, não das míticas e esfumaçadas
"rotas da seda", mas das estradas do gás e do petróleo.
Na realidade, esses grandes grupos fazem muita
política, com ou sem a égide da ONU: é uma política de conquista imperialista.
O Cazaquistão é uma forte ilustração disso. Ex-membro do Império Soviético,
cinco vezes maior que a França, desempenha um papel importante na Ásia Central
como centro de produção e exportação de matérias-primas estratégicas (o segundo
maior produtor mundial de urânio e 40% do mercado). Está no centro de um
confronto entre a Rússia, os países ocidentais, o Japão (no âmbito do diálogo
"Ásia Central mais Japão") e, sobretudo, a China, cujo enorme
crescimento económico depende do controlo das rotas energéticas e das
matérias-primas em todo o mundo asiático.
Localizado ao largo da costa do Cazaquistão, nas
grandes profundezas do Cáspio, Kachagan é um dos três maiores campos de
petróleo e gás do país (juntamente com Karachaganak e Tengiz). Esta é uma das
mais recentes descobertas de petróleo nos últimos anos. É gerido e operado por
um consórcio de joint ventures registado nos Países Baixos. Desde 2015, a North
Caspian Operating Company NV (NCOC) tem sido a operadora do projecto. A
TotalEnergies (França), a E&P Cazaquistão (empresa cazaque), bem como as
subsidiárias da ExxonMobil (EUA), da Shell (Reino Unido/Holanda) e da Eni
(Itália) partilham cada uma 16,81% das acções do consórcio, com as restantes
subsidiárias da estatal KazMunayGas (16,88%), da China National Petroleum
Corporation (CNPC: 8,33%) e da Inpex (Japão: 7,56%)[2] . Todas estas empresas esconderam, naturalmente,
o seu importante contributo para a poluição do Mar Cáspio (cujo nível desce
rapidamente com o aquecimento global) e as terras exploradas, em caso de ruptura
dos gasodutos[3].
A classe capitalista cazaque é imensamente rica,
exibindo descaradamente o seu luxo na nova capital Nur-Sultan, bem como nos
ricos subúrbios de Almaty. Tal como os oligarcas russos e ucranianos, ela
protegeu a sua imensa fortuna nos paraísos fiscais mais seguros. O primeiro
oligarca cazaque é Tokayev, presidente da Assembleia Popular (sic) e chefe do
Conselho de Segurança do Cazaquistão, que tem sido responsável pela manutenção
da ordem capitalista desde os motins de Janeiro de 2022. Tokayev – tal como
Putin na Suíça – conseguiu salvaguardar a rectaguarda em caso de grande
agitação social[4].
Em 3 de Janeiro de 2022, iniciou-se uma greve geral de
trabalhadores na região de Mangistau, que rapidamente se espalhou para outras
partes do país. Na antiga capital do Cazaquistão, Almaty (Alma-Ata), eclodiram
confrontos entre manifestantes e forças repressivas; Houve centenas de mortos e
feridos, para não falar de milhares de detenções, com a sua procissão de
tortura e "desaparecimentos" forçados.
Este movimento social operário tem sido descrito como
"terrorista" pelo governo, ou mesmo "fomentado por agentes
estrangeiros" (implicando o Ocidente). No entanto, espalhou-se como um
incêndio, e depois assumiu uma forma mais ou menos organizada em comícios de
protesto. Reflecte uma verdadeira exasperação face ao poder, cuja riqueza real
é medida na demonstração de luxo desordenado e na abertura de contas secretas
na Suíça ou em qualquer outro lugar e pelo crescimento exponencial da
corrupção.
Os manifestantes não exigiram nada mais do que a sua
dignidade material e social: abolição do aumento dos preços do gás; aumento dos
salários em 100%; anulação do aumento da idade da reforma; tomada de medidas
concretas contra o desemprego; abolição da vacinação obrigatória contra o
COVID-19, fim dos confinamentos e medidas de segregação arbitrárias, etc. [5]
Durante os protestos, os mais desfavorecidos,
principalmente jovens e migrantes desempregados do interior, devido à falta de
perspectivas políticas, saquearam muitos grandes centros comerciais, lojas e
agências bancárias. Em vários casos, as forças repressivas recusaram-se a
disparar contra os amotinados.
Esta indecisão inicial das forças da ordem capitalista
não durou muito tempo. Tokayev adoptou rapidamente a pose do ditador
mergulhando sem hesitar os pés e as mãos no sangue dos explorados. Num discurso
televisivo, prometeu mesmo a "eliminação" física de 20.000
"bandidos armados" ou "terroristas" armados do estrangeiro:
"Quem não se render será eliminado. Ordenei às
forças de segurança e ao exército que disparassem para matar, sem aviso
prévio."
Tokayev, incapaz de garantir o regresso à ordem
habitual dos assuntos capitalistas, procurou então a ajuda da aliança militar
liderada pela Rússia – inclui também a Arménia, o Quirguistão, o Tajiquistão e
a Bielorrússia. 3.000 soldados intervieram neste imenso território até 13 de Janeiro.
A operação russa, desta vez "não especial",
também teve como objectivo pressionar o Cazaquistão a reconhecer oficialmente a
anexação da Crimeia e a amarrar-se com mais firmeza ao tanque russo. Esta
operação é acima de tudo uma antecipação de todas as operações de banditismo
imperialista presentes e futuras. O Ministério da Defesa russo pôde anunciar em
13 de Janeiro que os 3.000 soldados (russos, bielorrussos, armênios, tadjiques
e quirguizes) “se retiraram”. A ordem reinou em Almaty e Nur-Sultan.
Esta invasão militar, que não se atreve a dizer o seu
nome, é apresentada num estilo típico da ONU, como uma missão
"humanitária". O general russo Andrei Serdyukov cinicamente afirmou:
« A operação de manutenção da paz acabou [...], os objectivos
foram alcançados".
Este tipo de operação, camuflada sob o véu virtuoso da
"manutenção da paz", faz parte da retórica usada todos os dias por
todos os grandes imperialismos (EUA, Rússia e China), e isto sob o guarda-chuva
da ONU e do seu Conselho de Segurança (o clube dos 5 salteadores).
Quem é Tokayev, que se tornou um carniceiro da sua
população? De 2011 a 2013, Tokayev – nomeado pelo sul-coreano Ban Ki-moon –
foi director-geral do Escritório das Nações Unidas em Genebra,
responsável pelas "conferências internacionais de paz", e, ao mesmo
tempo, secretário-geral da Conferência sobre o Desarmamento (sic).
Para todos os imperialismos que dominam o
mundo, e num típico desvio orwelliano, a guerra tornou-se manutenção da paz, e
a paz um incentivo para continuar a guerra.
Impulsionado para a chefia de um órgão essencial da
ONU responsável pela "manutenção da paz", Tokayev apenas ilustra as
palavras de Lenine sobre a Liga das Nações (SDN) criada em 1919: "uma
caverna de bandidos" dominada por todos os principais grupos
imperialistas. À ONU, que sucedeu a Liga das Nações, muitas vezes são levados os
assuntos políticos e geo-estratégicos – por acordos sob a mesa entre potências
imperialistas – fantoches que devem ilustrar o slogan: “uma representação
geográfica justa nos órgãos da Organização”. Claramente traduzido: uma
“representação justa” de interesses imperialistas antagónicos.
No caso de Tokayev, a geopolítica do gás e
do petróleo foi mais do que amplamente “representada”. O Cazaquistão está hoje
no centro de todas as manobras políticas e militares para o controle de gás,
petróleo e urânio entre a Europa e a Ásia.
Por todas estas razões, os países que são estrategicamente incontornáveis para o imperialismo das grandes potências são chamados a tornarem-se “terras de sangue” para a sua própria população, em particular o proletariado. Na pior das hipóteses, zonas de guerra entre imperialismos rivais.
Enquanto o proletariado internacional não tiver expropriado definitivamente a classe capitalista nos seus grandes centros nevrálgicos (China, Rússia, EUA, Grã-Bretanha, Europa, Índia, Brasil, etc.), não a tiver desarmado completamente, os imperialismos rivais vão bombardeá-la , saquear, devastar, matar em massa os proletários sob a cobertura de “missões de paz” ou “operações militares especiais”.
Pantopolis, 2 de abril de 2022.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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