terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Petromonarquias-Gaza: A rivalidade entre Qatar, o principado do gás, e Abu Dhabi, o principado do petróleo 2/2

 


24 de Dezembro de 2024 René Naba

RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.

Eles são apontados por terem sido os incendiários do mundo árabe, cuja rivalidade durante a chamada “Primavera Árabe” (2011-2021) incendiou o seu ambiente geopolítico, enfraquecendo-o consideravelmente em benefício exclusivo de Israel e do seu protector absoluto, os Estados Unidos da América.

Eles..... são os herdeiros dos bucaneiros da antiga Costa dos Piratas do tempo do protectorado britânico “a leste de Aden”, a zona petrolífera do Golfo, que terão conseguido o tour de force, apesar das suas torpezas, de impor os seus caprichos, obrigando mesmo as potências ocidentais, outrora pontificantes, agora suplicantes, a prostrarem-se.

São eles... o Qatar, rico em gás, e o Abu Dhabi, rico em petróleo, cuja rivalidade alimenta a crónica política árabe desde o início do século XXI.

Patrocinador da Irmandade Muçulmana, o Qatar utilizou a mais antiga organização transnacional árabe na sua luta contra os países árabes de estrutura republicana, derrotando os grandes aliados do seu protector americano, Hosni Mubarak do Egipto e Zine Al Abidine Ben Ali da Tunísia, e conseguindo a proeza de desviar o ramo palestiniano do movimento islamista, o Hamas, dos seus irmãos de armas tradicionais, da Síria, que há 14 anos acolhia o seu líder, Khaled Mecha'al, para acolher um bloguista nas prestigiadas colunas do jornal Le Monde, na pessoa do catarófilo Nabil En Nasri, doutorando de longa data do bacharefe da islamologia pós-colonial francesa, François Burgat, conhecido por “Burka”, antes de atacar os dois países árabes ricos em petróleo, a Líbia e a Síria, sem dívida externa mas pró-russos.

Uma proeza conseguida, como não podia deixar de ser, ao abrigo da base americana do Centcom (Comando Central) em Aydid, a 30 km de Doha, cuja área de jurisdição se estende do Afeganistão a Marrocos.

No auge do seu poder, em 2011-2012, o Qatar caiu subitamente no seu perigeu, em 2013, com a entrada em força da Arábia Saudita e de Abu Dhabi, que assumiram a liderança da contra-revolução árabe, forçaram o emir do Qatar, o xeque Khalifa Ben Hamad, amigo de Nicolas Sarkozy, a demitir-se e colocaram sob bloqueio o principado wahhabita, o único país do mundo, juntamente com a Arábia Saudita, que se reivindica como fazendo parte deste segmento do Islão sunita.

A história do afastamento do Emir do Qatar encontra-se em anexo.

·         https://www.renenaba.com/la-fin-sans-gloire-du-deus-ex-machina-de-la-revolution-arabe/

Sobre a rivalidade entre as petromonarquias veja este link:

·         https://www.madaniya.info/2017/06/08/arabie-saoudite-qatar-guerre-freres-entreprises-wahhabisme-guerre-de-defausse/

Em contraponto, o Abu Dhabi, que impediu uma tentativa de golpe de Estado dos Irmãos Muçulmanos no início da “Primavera Árabe”, manterá aberta a embaixada da Síria nos Emirados Árabes Unidos e apoiará o marechal Khalifa Haftar na Líbia contra o governo islamita de Tripoli, reconhecido pela ONU. Juntamente com a Arábia Saudita, o Abu Dhabi lançará uma guerra contra o Iémen para obrigar o país árabe mais pobre a reconhecer Israel. Fará o mesmo com o Sudão, financiando figuras xiitas libanesas anti-Hezbollah para se oporem ao grupo paramilitar libanês, que derrotou Israel no confronto de Julho de 2006.

Para melhorar a sua imagem junto da opinião pública internacional, o Qatar apoiou o canal transfronteiriço Al Jazeera, que, em 15 anos, se tornou um dos maiores formadores de opinião do mundo, antes de degenerar em denunciante dos atlantistas no mundo árabe e de adquirir o Paris Saint Germain, o clube de futebol da capital francesa, com as suas estrelas Neymar, Lionel Messi e Kylian Mbappé, enquanto o seu rival acolhia o Louvre Abu Dhabi e financiava o restauro do Musée de l'Empereur em Fontainebleau, dedicado à glória do vencedor da Ponte Arcole e de Austerlitz.

Indiferentes às desgraças de Gaza, os dois reis do Golfo continuarão a sua batalha de egos em detrimento do sofrimento do povo palestiniano.

Os principais pontos evocados pelos telegramas diplomáticos a que o jornal libanês “Al Akhbar” teve acesso.

“A Arábia Saudita ambicionava favorecer a resolução da questão palestiniana, o que teria aberto caminho à normalização das suas relações com Israel, enquanto o Abu Dhabi se esforçava por desempenhar um papel central na guerra israelo-palestiniana em Gaza, mas o alinhamento dos Emirados Árabes Unidos com o Estado hebreu desde o início do conflito tornou a sua tarefa mais difícil.

“A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e, em certa medida, o Egipto exprimiram a sua irritação perante o papel do Qatar no estabelecimento de um cessar-fogo em Gaza.

“Durante uma visita ao Abu Dhabi, a 9 de Novembro, um mês após o início do “Dilúvio de Al Aqsa”, o emir do Qatar pediu ajuda ao Abu Dhabi para intervir junto dos americanos e dos israelitas para facilitar a conclusão de um cessar-fogo. Mas o xeque Mohamad Ben Zayed não se mostrou muito entusiasmado com este projecto.

1 – A presença dos líderes do Hamas no Qatar em questão

“Os Estados Unidos, por seu lado, convidaram o Qatar a reconsiderar a sua posição em relação ao Hamas, nomeadamente o facto de ter dado hospitalidade ao líder político do movimento islamista palestiniano Khaled Mecha'al, invocando um argumento de oportunidade: os Estados Unidos estão a reavaliar a sua posição em relação à presença do Hamas no Qatar à luz da evolução da situação no terreno em Gaza”, acrescentou.

Resposta do Qatar: “A presença dos dirigentes do Hamas em Doha permitiu estabelecer contactos com os chefes militares presentes no terreno em Gaza, encorajando a libertação dos reféns israelitas. Esta operação foi levada a cabo com o pleno conhecimento dos americanos. Além disso, os dirigentes do Hamas presentes em Doha não tinham conhecimento do ataque do Hamas a Israel, pelo que é importante fazer uma distinção entre o ramo político e o ramo militar do Hamas.

Os Estados Unidos pressionaram, no entanto, o Qatar a encerrar a representação do movimento islamita palestiniano em Doha, mas o Qatar argumentou que “a presença do Hamas no Qatar foi feita de acordo com os americanos”, lembrando que “o mesmo mecanismo se aplica também aos talibãs, o que permitiu estabelecer um canal diplomático de negociações entre os Estados Unidos e o movimento islamita afegão”.

Recorde-se que o Qatar participou activamente na evacuação dos cidadãos ocidentais do Afeganistão, após a queda de Cabul perante os talibãs, e a sua contribuição contribuiu para melhorar a sua imagem aos olhos do Ocidente, após o seu desempenho desastroso durante a “Primavera Árabe”, marcada nomeadamente pela desestabilização do Norte do Mali pelo grupo Ansar Eddine e pelos atentados na Europa Ocidental por grupos islamitas a soldo de Doha (Bataclan, Bruxelas, Alemanha, etc.).

2- Destaque para a Arábia Saudita: A tragédia de Gaza, “um interesse marginal”, prioridade para a promoção económica do Reino e a normalização das relações com Israel.

A Arábia Saudita decidiu voluntariamente adiar a realização de uma cimeira árabe extraordinária em Riade sobre Gaza, na sua qualidade de actual presidente da Liga Árabe, a 11 de Novembro de 2023, mais de um mês após a operação “Dilúvio de Al Aqsa”, apesar do pesado balanço humano e da dimensão da destruição, preocupando-se com a possibilidade de convocar essa cimeira em simultâneo com a cimeira árabe-africana já prevista para essa data. Apesar do pedido urgente feito pelo presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, ao príncipe herdeiro saudita Mohamad Ben Salman. O regente do reino argumentou que não queria quebrar a dinâmica da cimeira árabe-africana.

Uma missão diplomática dos Estados do Golfo acreditada em Riade observou que o reino wahhabita tinha abordado a guerra de Gaza e as suas repercussões regionais “de forma marginal, deliberada, sem se desviar de forma alguma das prioridades do poder saudita, nomeadamente a promoção da nova visão económica do reino para o ano 2030”.

A Arábia Saudita parecia ansiosa por não ofender os Estados Unidos, numa altura em que está a meio de negociações com os americanos sobre o processo de normalização com Israel.

“Gaza foi, no entanto, o assunto mais frequentemente abordado nas conversas privadas dos sauditas, apesar de estes evitarem exprimir publicamente a sua opinião por receio de represálias governamentais”.

“As negociações sobre a normalização saudita-israelita prosseguiram normalmente durante todo este período... apesar de os sauditas terem anunciado a sua suspensão.

3- O incómodo de Abu Dhabi! Ataque do Hamas a Israel, “um acto odioso e bárbaro”

O dinheiro do Abu Dhabi deve ser utilizado, em primeiro lugar, pelos cidadãos dos EAU. Foi este o princípio orientador da diplomacia do Abu Dhabi durante a guerra israelo-palestiniana em Gaza.

Nas primeiras semanas após a operação “Dilúvio de al Aqsa”, um diplomata dos Emirados, colocado no Cairo, considerou que as conversações inter-árabes sobre Gaza eram “inúteis”. A sua tese era muito simples: “Israel continuará as suas operações militares até que o Hamas seja aniquilado ou o movimento islamita palestiniano capitule, porque o Estado hebreu está decidido a anexar Gaza para impedir a criação de um Estado palestiniano.

“Para atingir este objectivo, Israel tenciona deportar a população do enclave palestiniano para o Sinai egípcio. O mesmo se passará na Cisjordânia, onde a população será deportada para a Jordânia, caso os habitantes da margem ocidental cometam actos hostis contra os israelitas”, prossegue este confiante diplomata emiradense, ignorando a capacidade de resistência dos palestinianos em Gaza.

Melhor ainda, os Emirados Árabes Unidos qualificaram o ataque do Hamas a Israel de “odioso e bárbaro” durante um debate no Conselho de Segurança da ONU, no final de Outubro de 2023. Mas o Abu Dhabi alterou posteriormente a sua posição, chegando a apelar a um cessar-fogo no final de Outubro de 2023, e abstendo-se mesmo de criticar o Hamas, contrariamente à sua anterior intervenção no Conselho de Segurança.

O Abu Dhabi alterou a sua posição devido às reacções dos habitantes dos outros emirados que compõem a Federação dos Principados do Golfo. Sharjah esteve na linha da frente do descontentamento, condenando sem reservas a ofensiva israelita, tal como os digitalistas das redes sociais, que deram livre curso ao seu descontentamento.

Outra razão que levou o Abu Dhabi a modular a sua posição foi o receio de comprometer a realização da Cimeira das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, ou COP 28, no Dubai, no final de Novembro de 2023.

Esta mudança de tom não afectou a posição fundamental do Abu Dhabi, que continuou a acolher os dirigentes israelitas, incluindo o chefe dos serviços secretos, que se encontrou com o xeque Tahnoun Ben Zayed, conselheiro do soberano, durante a sua visita aos Emirados.

A participação de uma delegação do Abu Dhabi numa conferência em Viena sobre Gaza, organizada pela missão israelita na capital austríaca a 2 de Novembro de 2023, suscitou o desagrado das missões diplomáticas árabes, que consideraram que tal atitude estava em contradição com as resoluções da Liga Árabe sobre a guerra em Gaza. 

4- A Autoridade Palestiniana... Em busca de um papel.

Riad Malki: Joe Biden está efectivamente a travar uma guerra contra Gaza

Um telegrama diplomático que remete para uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros egípcio relata conversações entre os americanos e a Autoridade Palestiniana, durante as quais os americanos discutiram a possibilidade de “a Autoridade Palestiniana assumir um papel em Gaza”.

A resposta da AP: “Não nos opomos a esse papel, desde que seja apoiado por todos os Estados árabes, para que não sejamos acusados de ter vindo para Gaza nas costas dos tanques israelitas”.

Riad Malki, ministro palestiniano dos Negócios Estrangeiros, informou a Liga Árabe de que Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, tinha dado instruções aos serviços de segurança palestinianos, em 11 de Novembro de 2023, para evitar que os confrontos em Gaza se estendessem à Cisjordânia, referindo-se aos esforços do Hamas para alargar os confrontos de Gaza à margem ocidental do Jordão.

“O Hamas tem armas sofisticadas do Irão em Gaza. A Cisjordânia não dispõe de tais armas contra Israel”, defendeu Malki, fazendo uma afirmação surpreendente da boca de um representante de uma potência à mercê de Washington:

“Joe Biden está a apoiar a operação israelita contra Gaza. Na verdade, ele está a liderar a guerra”, disse Riad Maliki.

·         Para quem fala árabe,  toda a história de Al Akhbar veja este link

·         https://www.renenaba.com/qatar-livre-noir-2-4-freres-musulmans-mauvais-choix-mauvais-pari/

No Qatar, consulte os seguintes links:

·         https://www.renenaba.com/qatar-un-rebut-de-luxe-pour-recyclage-haut-de-gamme

·         https://www.renenaba.com/lhomme-de-lannee-2011

·         https://www.renenaba.com/le-qatar-une-metaphore-de-la-france-en-phase-de-collapse/

·         https://www.renenaba.com/qatar-livre-noir-2-4-freres-musulmans-mauvais-choix-mauvais-pari/

Sobre o Abu Dabi

·         https://www.renenaba.com/israel-abou-dhabi-un-emirat-en-etat-de-vassalite-permanente/

·         https://www.renenaba.com/abou-dhabi-a-cherche-a-contraindre-le-yemen-et-le-soudan-a-normaliser-avec-israel/

Sobre o financiamento de personalidades xiitas libanesas anti-Hezbollah

·         https://www.madaniya.info/2018/10/01/ziad-majed-un-parfait-representant-de-la-gauche-mutante-libanaise-candidat-potentiel-sur-la-liste-demargement-d- Abu Dhabi/

 

Fonte: https://les7duquebec.net/archives/296674

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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