sexta-feira, 15 de setembro de 2023

REPRODUÇÃO ALARGADA NO CORREDOR DA MORTE parte 1/3



15 de Setembro de 2023  Oeil de faucon 

Índice

Introdução

A PRÉ-HISTÓRIA DO CAPITALISMO

1-a) Característica do modo de produção capitalista MPC

2-b) Da reprodução simples à reprodução prolongada

3-c) A contradição fundamental do capitalismo é aquela entre as forças produtivas e as relações de produção.

QUANDO A GRANDE INDÚSTRIA SE IMPÕE COMO POTÊNCIA CIENTÍFICA E TÉCNICA

4-d) O trabalhador coletivo ampliou a reprodução e a socialização.

5-e) O roubo do tempo de trabalho cai no esquecimento

6-f) Depois de elogiar a revolução técnica e científica, Marx determinará os seus limites.

7-g) Patronato e assalariados devem desaparecer tal é a sentença final

A ECONOMIA COLABORATIVA E NOVAS SITUAÇÕES PRECÁRIAS

8-h) Transicção e supressão do modo de produção capitalista.

9-i) Começou a caótica fuga de capitais

10-j) O consumidor, último alvo do capital?

Introdução

Neste artigo, tentarei reconstituir da forma mais clara possível a saga do capital, a sua evolução e os seus saltos qualitativos. Perdoem-me o meu estilo algo escolástico, pois dirijo-me também àqueles que não estão necessariamente habituados às expressões do marxismo. 

1-A PRÉ-HISTÓRIA DO CAPITALISMO

Característica do modo de produção capitalista MPC

Os primeiros modos de produção baseavam-se na chamada economia natural, que se encontra nas comunidades agrárias primitivas, sob os modos de produção esclavagista e feudal. Estes modos de produção produziam apenas valores de uso ou valores de troca, ou seja, a produção de objectos para simples consumo. A produção capitalista, como nos ensina Rosa Luxemburgo, distingue-se pelo facto de :

"A produção capitalista não é uma produção para consumo, mas uma produção de valor. As relações de valor dominam todo o processo de produção e reprodução. A produção capitalista não é a produção de objectos de consumo, ou mesmo de mercadorias, mas de mais-valia. A reprodução ampliada significa, portanto, do ponto de vista capitalista: produção ampliada de mais-valia. Esta produção de mais-valia realiza-se, é certo, sob a forma de produção de mercadorias e, consequentemente, em última instância, sob a forma de produção de objectos de consumo." 1

Marx antes de Rosa Luxemburgo explicou-nos a mesma coisa,

"O que diferencia o modo de produção capitalista dos outros modos de produção é o facto de obrigar as pessoas a trabalhar em excesso, não para produzir mais valores-de-uso, mas para produzir mais-valia, para obter mais capital, que por sua vez empregará ainda mais trabalho vivo (força de trabalho) e trabalho morto (meios de produção, isto é, trabalho velho fixado nesses meios). "O resultado do processo de produção capitalista não é nem um simples produto (valor de uso), nem uma mercadoria, ou seja, um valor de uso com um determinado valor de troca. É a criação de mais-valia para o capital, a transformação de facto do dinheiro, e a mercadoria não é mais do que capital potencial antes do processo de produção. No processo de produção, a quantidade de trabalho absorvida é maior do que a quantidade comprada. Esta absorção, esta apropriação do trabalho alheio não pago, é o objectivo imediato do processo de produção capitalista. De facto, o que o capital, enquanto capitalista, quer produzir não é nem valor de uso directamente destinado ao consumo pessoal, nem mercadorias destinadas a serem transformadas primeiro em dinheiro e depois em valor de uso. O seu objectivo é o enriquecimento, a produção de mais-valia, o aumento do valor, ou seja, a conservação do valor antigo e a criação de nova mais-valia. O processo de produção capitalista só alcança este produto específico através da troca de capital por trabalho, que por esta razão se chama trabalho produtivo". Marx K., Histoire de Doctrines Économiques, Éditions Costes, 1947, tomo 2, p. 199-200, tradução de Molitor.

A partir desta análise, em que a fonte da riqueza capitalista é revelada como trabalho excedente derivado do trabalho assalariado (escravatura livre), Marx escreveu O Capital, o obituário do sistema capitalista.

2-b) Da reprodução simples à reprodução prolongada

Nenhuma sociedade pode existir sem a repetição cíclica da produção. A reprodução é, portanto, a condição para a existência de qualquer sociedade. A produção assume a forma capitalista, o período fabril, aquele em que o trabalhador vem trabalhar com as suas ferramentas. A classe operária é o elemento central da produção, a dominação do capital durante este período é apenas formal. O método de exploração limita-se à extracção da mais-valia absoluta. Nesta fase, a mais-valia criada não é capaz de se expandir através do aumento do capital. Na reprodução ampliada, como veremos, será bem diferente.

"Além disso, o capital produtivo, ou o modo de produção correspondente ao capital, tem apenas dois níveis de desenvolvimento: A manufactura e a grande indústria. O primeiro implica a divisão do trabalho; o segundo, uma associação das forças de trabalho (com um modo de actividade uniforme) e a utilização das forças da ciência que implica uma transferência da associação e, por assim dizer, do espírito colectivo do trabalho para as máquinas, etc. No primeiro estádio, a massa de trabalhadores (acumulada) tem de ser grande.

Na primeira fase, a massa de operários (acumulados) tem de ser grande em relação à quantidade de capital: na segunda, o capital fixo é grande em relação aos operários associados no seu trabalho." (Marx, "Grundrisse" 3, Capítulo sobre o Capital, ed. 10/18, página 136).

Esta passagem é muito importante porque marca uma linha divisória clara entre a submissão formal ao capital e a submissão real a ele. Quando o maquinismo intervém, não liquida a exploração baseada na mais-valia absoluta; este tipo de exploração continua muito presente, apesar do rápido desenvolvimento das novas tecnologias. O resultado é que a produção de mais-valia absoluta continua a existir ao lado da produção de mais-valia relativa, mas, como demonstrámos num texto anterior, está no corredor da morte.

"Se toda a classe dos assalariados fosse exterminada pelo maquinismo, que coisa terrível para o Capital que, sem o trabalho assalariado, deixa de ser Capital" (Trabalho assalariado e Capital K Marx).

De facto, depois de substituir a força física humana como prolongamento da mão, a tecnologia das máquinas vai querer intervir como prolongamento do cérebro humano, como é hoje evidente com a inteligência artificial.

"Podemos, no entanto, afirmar que, com esta "3ª revolução", a máquina não deixará de ser uma arma nas mãos dos capitalistas para destruir as condições de existência humana. A revolução liliputiana apenas prolonga este processo. Digamos que a revolução ciclópica do início do século XIX viu a máquina realizar tarefas que podem ser analisadas como transferências de capacidade física do trabalhador para a máquina. Estas tarefas eram simplesmente uma extensão da mão. A revolução liliputiana, com os seus robots, computadores e, de uma forma mais geral, as TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação), está a fazer transferências que são uma extensão do cérebro humano" (extracto de "Contribution sur "une 3éme Révolution industrielle" G.Bad 2001).

No ano 2023, entramos nesta nova fase da revolução técnica e científica que, com a inteligência artificial, pretende ser uma extensão do cérebro humano.

3-c) A contradição fundamental do capitalismo é aquela entre as forças produtivas e as relações de produção.

Foi no seu panfleto Socialismo utópico e socialismo científico para uso popular que F. Engels sintetizou várias passagens do Anti-Duhring, publicado em Paris em 1880, que teve um sucesso estrondoso e que se considera ter contribuído grandemente para a difusão do marxismo em França e noutros países. Temos de voltar a esta contradição porque ela é a fonte de todos os conflitos de classe, incluindo os conflitos nacionais que conduziram a duas guerras mundiais e que, com a guerra na Ucrânia, estão novamente a ameaçar a humanidade.

Quando as forças produtivas materiais e humanas estão demasiado desenvolvidas, entram em contradição com as relações de produção privadas ou estatais, e é neste ponto que se coloca a questão do "socialismo ou barbárie", da guerra imperialista ou da revolução mundial.

Até agora, o capital tem-se safado com a destruição maciça das forças produtivas materiais e humanas, para que o sistema de exploração possa continuar.

A guerra que se trava actualmente entre a Ucrânia, a NATO e a Rússia tem como objectivo a repartição do mundo. Esta guerra faz ressurgir a contradição fundamental do sistema capitalista no próprio coração do seu curso catastrófico, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Marx mostrou-nos que o capitalismo, tendo atingido uma determinada fase, se transforma no seu oposto, conduzindo-o à sua própria abolição.

"Uma vez que cada um dos seus limites está em oposição ao excesso inerente ao capital, a sua produção move-se em contradições que são constantemente superadas, mas também constantemente recriadas. Mas há mais. A universalidade para a qual ela se esforça incansavelmente encontra limites que, num certo nível da sua evolução, revelam que ela mesma é o maior obstáculo a essa tendência, e assim a empurra para a sua própria abolição" (Grundrisse 2.cap. du capital ed.10/18, p.215-216).

Do princípio ao fim, O Capital de Marx é um obituário do capital, demonstrando os seus limites e o seu inevitável colapso. Para Marx, economistas como Ricardo tinham compreendido o carácter positivo do capital mais claramente do que economistas como Sismondi, que também tinham compreendido a existência de obstáculos ao desenvolvimento das forças produtivas. Eles chegaram à conclusão de que o próprio capital produz contradições que devem levar à sua ruína.2 ; porque "é ela própria o maior obstáculo a esta tendência e empurra-a para a sua própria abolição".3

O resultado é que, de cada vez que uma crise atinge o mundo com algum significado, vemos reaparecer todo o debate sobre a crise final do capitalismo. A crise actual não é excepção a esta regra e traz de volta todas as análises daqueles que se dizem marxistas. No que nos diz respeito, temos refutado repetidamente a ideia de que o capitalismo entrou na sua fase descendente desde a Primeira Guerra Mundial, com todos os adjectivos que lhe estão associados: senil 4 , apodrecido, putrefacto, drogado. O nosso ponto de vista é que a evolução do capitalismo é catastrófica, o que significa que é forçado a avançar através de crises, guerras e insurreições, até se tornar o seu próprio inimigo pela força do seu próprio desenvolvimento. Aqueles que se aperceberam disto falar-vos-ão de pós-capitalismo. Voltaremos a este assunto mais tarde.

No entanto, não basta dizer a cada Acidente vascular cerebral (AVC)5 que esse colapso está "no horizonte". A. Pannekoek tinha compreendido bem o problema quando se manifestou contra as teorias do colapso que tornou dependentes das condições económicas e da tomada de consciência operária durante as crises.6

 "Uma vez que ele (capitalismo) traga para o seu domínio as centenas de milhões de pessoas amontoadas nas planícies férteis da China e da Índia, o trabalho essencial do capitalismo será feito... Assim, a expansão do capital fracassará." (A. Pannekoek, Les Conseils ouvriers)

Não é necessário demonstrar que o capitalismo está actualmente a expandir-se na China, na Índia e nos países ditos "emergentes". Na China, já está a enfrentar as consequências da verdadeira dominação do século XXI, ou seja, a substituição da força física, mas também do cérebro humano, pela maquinaria. Por conseguinte, o teatro dos futuros confrontos alargar-se-á e o proletariado criador de mais-valia ver-se-á cada vez mais reduzido, deixando o campo livre aos trabalhadores precários não assalariados e aos supranumerários migrantes. O que confirma que :

"As forças produtivas atingiram um nível de desenvolvimento em que qualquer inovação tecnológica produz mais títulos capitalistas (fictícios) para a mais-valia total do que cria mais-valia adicional. Como resultado, a relação capital-trabalho já não pode ser mantida: está condenada ou a destruir uma grande parte da força de trabalho, ou a ser destruída por ela". (The American working class: restructuring global capital, recomposing class terrain Loren Goldner, 1981)

NOTAS

1 "De facto, o que o capital, enquanto capitalista, quer produzir não é nem valor de uso directamente destinado ao consumo pessoal, nem mercadorias destinadas a serem transformadas primeiro em dinheiro e depois em valor de uso. O seu objectivo é o enriquecimento, a produção de mais-valia, o aumento do valor, isto é, a conservação do valor antigo e a criação de nova mais-valia. O processo de produção capitalista só alcança este produto específico através da troca de capital por trabalho, que por esta razão se chama trabalho produtivo". Marx K., Histoire de Doctrines Économiques, Éditions Costes, 1947, tomo 2, p. 199-200, tradução de Molitor.

Ver Grundrisse 2.chap. du capital ed.10/18, p.216.

Ver Grundrisse 2.cap. du capital ed.10/18, p.215-216.

J.Camatte, Tomás Tomás,

5 Origem e definição. Se lhe disserem que alguém foi espancado, compreenderá imediatamente que essa pessoa foi atacada e que recebeu alguns golpes desagradáveis. Já no século XIII, no sul de França, utilizavam-se verbos como "tabassar" ou "tabustar", que significavam "dar uma salva de pancadas" ou "sacudir, molestar", e a palavra "tabac", que deveria ter sido "tabas" mas que rapidamente se cruzou com mascar ou fumar tabaco, derivou destes verbos para designar um golpe ou golpes. No século XVII, "donner du tabac" significava "lutar".

Foi no início do século XIX que a nossa expressão apareceu entre os marinheiros. A associação de "coup" e "tabac" é um reforço destinado a sublinhar a violência do acontecimento temido. Foi no final do mesmo século que surgiu a expressão "passer à tabac" (levar uma sova), com a mesma origem. Por extensão, " passer à tabac" (ataque cardíaco/AVC – NdT) utilizado fora da marinha designa por vezes um acontecimento brutal susceptível de ter consequências significativas.

 6 "A classe operária deve esperar um grande número de catástrofes e não esperar especialmente uma catástrofe final; catástrofes políticas, como a guerra, e catástrofes económicas, como as crises, que assolarão sempre este sistema, por vezes de forma irregular. Mais ou menos periodicamente, mas em geral cada vez mais fortes à medida que o capitalismo se desenvolve. Graças a isso, as ilusões do proletariado cessarão, a sua tendência para o repouso dissipar-se-á cada vez mais, e desenvolver-se-á uma luta de classes cada vez mais forte. Se a examinarmos do ponto de vista destas contradições, não parece que a crise actual, embora mais profunda e devastadora do que todas as que a precederam, dê sinais do despertar de uma revolução proletária". (Anton Pannekoek: A teoria do colapso do capitalismo (Raetekorrespondenz, n.º 1, 1934).

 

Fonte: LA REPRODUCTION ÉLARGIE DANS LE COULOIR DE LA MORT partie 1/3 – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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