26 de Setembro de 2023 René Naba
RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
"A mensagem do mundo para Israel foi que a limpeza étnica da Palestina era aceitável, como compensação pelo Holocausto e séculos de anti-semitismo na Europa. A Palestina foi destruída em doze meses, mas a Nakba já dura há75 anos." Ilan Pappé, historiador israelita.
https://www.madaniya.info/ publica um dossier em
quatro partes por ocasião do 30.º aniversário dos Acordos de Oslo
israelo-palestinianos que deveriam pôr fim ao conflito e conduzir à criação de
um Estado palestiniano independente.
NOTA DO EDITOR
Em trinta anos, Israel recorreu a todos
os truques e subterfúgios para destruir os acordos israelo-palestinianos de
Oslo e para se libertar dos seus compromissos ao abrigo deste acordo, que se
revelou, em retrospectiva, uma armadilha monumental para obter da Organização
para a Libertação da Palestina (OLP) uma renúncia à luta armada em troca de um
Estado palestiniano. Um estado ilusório... com estatuto de miragem.
Além disso, Israel eliminou 50
jornalistas e realizou 430 assassinatos anti-palestinianos desde o ano 2000
(mais precisamente 2.700 assassínios selectivos desde a ocupação da Cisjordânia
e de Gaza em 1967).
Só em 2022, Israel matou 231
palestinianos, cujas histórias estão ligadas.
Com o objectivo constante de decapitar a
liderança palestiniana e silenciar a exigência nacional palestiniana. Em vão. A
reivindicação mantém-se porque, como diz o conhecido adágio, enquanto houver um
reclamante, um direito não se perde.
Os principais dirigentes palestinianos
foram certamente eliminados por assassínio extrajudicial, incluindo Yasser
Arafat, chefe da Organização de Libertação da Palestina (por envenenamento) e
os seus dois adjuntos Khalil Al Wazir, conhecido como Abu Jihad, número 2 da
OLP e chefe da sua ala militar, e Salah Khalaf, conhecido como Abu Iyad, chefe
dos serviços de segurança, ambos na Tunísia, bem como os dois líderes
históricos do Hamas, o xeque Ahmad Yassin e Abdel Aziz Al Rantissi.
A Fatah e o Hamas pagaram o preço mais
alto desta hecatombe, uma vez que os assassinatos selectivos do ramo
palestiniano da Irmandade Muçulmana incluíram os dois líderes históricos do
movimento, bem como os líderes militares em Gaza e na Cisjordânia.
A amizade estrondosa do emir do Qatar da
época, Hamad Ben Khalifa Al Thani, com o mais pró-israelita dos presidentes
franceses, Nicolas Sarkozy, e a sua parceria na destruição do mundo árabe
(Líbia, Síria) não o ajudaram, nem mesmo a visita espectacular do emir a Gaza,
numa atitude óbvia de reconhecimento do facto israelita.
A decapitação da direção do Hamas, que em 2011 rompeu a sua solidariedade estratégica com a Síria para se alinhar com o Qatar, não suscitou o menor comentário do Mufti da NATO radicado no Qatar, o pregador da televisão Al Jazeera, Youssef Qaradawi, que é mais rápido a apelar ao bombardeamento da Síria pela NATO do que a denunciar as políticas erráticas do seu soberano e benfeitor.
§
https://www.madaniya.info/2021/11/10/430-assassinats-cibles-anti-palestiniens-depuis-lan-2000/
RESUMO
A estratégia de desestabilização de
Israel tem sido constante e implacável, como mostra a cronologia que se segue.
O acaso do calendário nem sempre é fortuito. Por vezes é premeditado.
Desde o assalto ao aeroporto de Khaldé,
em Beirute, em Dezembro de 1968, à destruição da central iraquiana de Tammouz,
em Junho de 1981, para saudar a vitória do Presidente socialista francês
François Mitterrand e, ao mesmo tempo, dissuadi-lo de prosseguir a cooperação
franco-iraquiana no domínio nuclear, até à anexação dos montes Golã sírios e de
Jerusalém, às duas invasões israelitas do Líbano, às incursões na Tunísia para
eliminar os dois principais colaboradores de Yasser Arafat, o chefe militar,
Abu Jihad, e o chefe de segurança, Abu Iyad, Israel deu livre curso à sua
fúria, com o apoio das potências ocidentais, para grande satisfação das
monarquias árabes.
A impunidade de que Israel gozou durante
este período conduziu, trinta anos depois de Oslo, a uma "democracia
ilusória" governada por supremacistas, num país que chegou a ser descrito
como "a única democracia do Médio Oriente", e que agora é acusado de
praticar "crimes de apartheid". A extraordinária conivência ocidental
com o Estado hebreu torna também os que se dizem "grandes democracias
ocidentais" passíveis de serem acusados de cumplicidade no crime de
sociocídio contra o povo palestiniano.
Um registo mórbido digno das piores ditaduras, com total impunidade como pano de fundo, gerando um sintoma de megalocefalite (síndrome da cabeça grande) como o predador de Hollywood Harvey Weinstein e os vigaristas financeiros americanos Bernard Madoff e Marc Rich, o amigo indultado de Bill Clinton.
E um comportamento de perfeito "Estado pária", com uma enxurrada de escândalos com repercussões mundiais, desde a prática mafiosa da fraude até à taxa de carbono envolvendo um bando de bandidos franco-israelitas de alto voo, alguns dos quais se refugiaram em Israel para "escapar à justiça": Cyril Astruc, Fabrice Sakoun, Michel Keslassy (refugiado em Israel), Eddie Abittan, estabeleceu-se em Ra'ananna perto de Tel Aviv, finalmente Mardoché Mouly, Claude Dray, Albert Taieb. Fraude colossal ao IVA no mercado dos "direitos de poluir"; Sobreposto ao escândalo Pegasus revelando um sistema de espionagem mundial por um poderoso spyware da empresa israelita NSO; Por fim, o escândalo Team Jorge recebeu o nome da empresa que se envolveu num vasto empreendimento de desinformação liderado por uma agência israelita que venderia os seus serviços em todo o mundo, da qual a BFM era alvo em França.
A liberdade de
expressão, fundamento da democracia, não é uma forma de anti-semitismo. A menos
que estejamos a viver num sistema totalitário, ninguém pode escapar à crítica.
Ninguém pode estar isento de críticas, nem um indivíduo, nem um governo, nem um
Estado, especialmente um Estado que detém o monopólio da violência legítima. E
a acusação de anti-semitismo não deve ser utilizada como arma de destruição
maciça para silenciar todas as críticas a Israel.
"Não foram os
fascistas que derrubaram a República de Weimar, mas a falta de democratas. Não
esqueçamos que, no século XX, os Estados falharam na altura do nazismo e do
fascismo, cedendo à pressão dos grupos minoritários" (Richard von
Weizsäcker, Presidente da República Federal da Alemanha de 1984 a 1994). Fim da
nota
Um olhar retrospectivo
sobre esta mistificação.
1- Da Noruega
Aluno exemplar dos Estados Unidos, a Noruega apresenta-se como um grande país humanitário. É certo que a Noruega é um lugar carregado de um pesado simbolismo. Oslo, a sua capital, o local onde foi atribuído o mais prestigiado prémio Nobel, o "Prémio Nobel da Paz", ficou na história como o cenário das negociações que conduziram aos primeiros acordos directos israelo-palestinianos, os Acordos de Oslo, em 13 de Setembro de 1993. Mas Oslo é também o palco de uma terrível carnificina, em Julho de 2011, sintomática dos excessos do pensamento intelectual ocidental, na medida em que trouxe à luz do dia a aliança entre a extrema-direita europeia e Israel: um simulacro moral da aliança entre os descendentes das vítimas do genocídio hitleriano e os herdeiros espirituais dos seus antigos carrascos. Ver este link.
Apesar da sua reputação de exemplo, a
Noruega não hesita em recorrer a práticas tortuosas, tal como os regimes
autocráticos que tanto denuncia. Segundo o jornalista americano Seymour Hersh,
vencedor do Prémio Pullitzer, autor das revelações sobre o massacre de Mỹ Lai,
no Vietname, a tortura em Abu Ghraib, no Iraque, e o falso ataque com gás sarin
na Síria, a Noruega esteve envolvida na sabotagem dos gasodutos Nord Stream,
que transportam gás russo para a Europa Ocidental.
Não é irrelevante notar, neste contexto,
que o cargo de Secretário-Geral da NATO foi ocupado pelo antigo
Primeiro-Ministro norueguês Jens Stoltenberg de Outubro de 2014 a Setembro de
2023, ou seja, durante a sequência da Guerra da Crimeia e depois da Guerra da
Ucrânia. Isto deve-se, sem dúvida, ao facto de a Noruega, para além da sua
proximidade estratégica com os Estados Unidos, ter uma fronteira marítima de
112 km com a Rússia, que é também uma das fronteiras externas do Espaço
Schengen. A fronteira entre a Noruega e a Rússia é a fronteira entre o condado
de Finnmark, o condado mais setentrional do Reino da Noruega, e o oblast de
Murmansk, na Federação Russa. Situada para além do Círculo Polar Ártico, no
norte da Lapónia, é a fronteira terrestre mais setentrional da Europa.
2- O plano de Ariel Sharon para torpedear os Acordos de Oslo.
Dov Weisglass, antigo chefe de gabinete do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, confirmou, numa entrevista ao diário Haaretz, que a evacuação dos colonatos em Gaza e no norte da Cisjordânia se destina a impedir indefinidamente a criação de um Estado palestiniano, com o acordo de Washington. Trata-se de uma nova etapa do plano de Ariel Sharon para alterar a realidade do conflito com os palestinianos, que começou a pôr em prática logo que foi eleito Presidente do Conselho, em Fevereiro de 2001. Preparado ao pormenor pelo general da reserva Meir Dagan, então seu conselheiro para os assuntos de segurança, o plano de Sharon, que foi posto em prática logo que foi eleito Presidente do Conselho em Fevereiro de 2001, previa em pormenor a neutralização de Arafat, "um assassino com o qual não há negociação", e a destruição do acordo de Oslo, "a maior desgraça que se abateu sobre Israel". O objectivo desta operação cada vez mais intensa era isolar progressivamente o presidente palestiniano, tanto a nível interno como diplomático. Ver este link
Desapontado por não ter conseguido
capturar Yasser Arafat durante o cerco de Beirute, em Junho de 1982, Ariel
Sharon tinha mesmo brincado com o plano de abater um avião comercial que
suspeitava transportar Yasser Arafat. Ver este link
Visceralmente hostil aos palestinianos,
Ariel Sharon terá envenenado o líder palestiniano. Esta tese foi apoiada pelo
jornalista israelita Amnon Kapeliouk, autor de uma notável investigação sobre
os massacres dos campos palestinianos de Sabra Shatila, nos subúrbios do
sudeste de Beirute, que subscreveu na sua qualidade de Ministro da Defesa e
autorizou a invasão do Líbano. CF este link: Esclarecimento de Amnon Kapelyuk
§ https://www.monde-diplomatique.fr/2005/11/KAPELIOUK/12894
3- A contribuição de Benjamin Netanyahu para o fracasso dos Acordos de
Oslo.
Numa entrevista de 2001, sem saber que as câmaras estavam a rodar, Benjamin Netanyahu gabou-se de ter feito descarrilar os Acordos de Oslo através de declarações falsas e ambiguidades. "Interpretarei os acordos de tal forma que seja possível acabar com esta fuga para as linhas do armistício de 1967. Como o fizemos? Ninguém tinha definido com precisão o que eram zonas militares. As zonas militares, como disse, são zonas seguras; assim, pela minha parte, o Vale do Jordão é uma zona militar." Veja estes links: Glenn Kessler, "Netanyahu: 'America is a thing you can move very easy'", The Washington Post, 16 de Julho de 2010 (leia online[arquivo]). Vídeo Netanyahu gabando-se de inviabilizar os Acordos de Paz de Oslo [arquivo].
4- Uma retrospetiva das mais recentes revelações do Haaretz.
Trinta anos após a assinatura dos
Acordos de Oslo, os censores israelitas autorizaram a publicação de pormenores
dos bastidores destas negociações através de fugas de informação para o jornal
Haaretz, que o site online "Ar Rai Al Yom" traduziu para árabe a 14
de Fevereiro de 2023.
"Israel tinha fortes suspeitas em
relação a Yasser Arafat e tentou contorná-lo, criando canais secretos de
negociação que o líder da OLP desconhecia", escreve o diário israelita.
Shimon Peres, ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel na altura, descreveu
Arafat como uma "raposa" e duvidou da sua "seriedade" na
procura da paz. "Podemos contar com ele?", insistia o Sr. Perez junto
dos seus colaboradores.
Uri Sapir, Diretor-Geral do Ministério
dos Negócios Estrangeiros de Israel, descreveu Arafat como "estranho,
risível e fora da realidade". Em 28 de Julho de 1993, durante uma
discussão privada, disse aos seus colegas: "Estamos a lidar com uma
raposa. Estou preocupado. Será que este homem está a falar a sério? Não quero
ser vítima dele", manifestando o receio de que as negociações pudessem
fracassar, na medida em que "um tal fracasso seria embaraçoso para mim,
porque provaria que eu e a delegação israelita somos idiotas que foram
ingénuos". Dez dias antes, confidenciando ao mediador norueguês, Tari
Larsen, Shimon Peres disse-lhe: "Muitos aconselham-nos a não negociar com
Arafat, porque ele não é de confiança. Está constantemente a mudar de opinião
quando é que se deve confiar nele", acrescentou o Sr. Perez.
Segundo Uri Sapir, Ahmad Qorei, que
viria a ser o Primeiro-Ministro da Autoridade Palestiniana, e o seu adjunto
Hassan Asfour, apresentaram Yasser Arafat como uma "figura simbólica, mas
cujo egoísmo não deixa de suscitar pena". "É um exagero dizer que
Yasser Arafat é uma figura central do movimento palestiniano, na medida em que
a sua centralidade é um pouco exagerada, faltando-lhe realismo no plano
económico, sem a menor indulgência para com os seus críticos",
acrescentou. E concluiu: "Arafat é
uma personagem estranha, risível, egoísta e pouco concentrada”.
Paradoxalmente, outros documentos
revelados pelo Haaretz revelam um outro aspecto da personalidade do líder
palestiniano: "Arafat exerce uma influência marcante sobre a liderança
palestiniana e sobre o povo palestiniano no seu conjunto. Tem um poder
ilimitado para criar ou proibir um acontecimento na população palestiniana; é o
único capaz de pôr ordem nas fileiras palestinianas", lê-se.
Referindo-se a altas individualidades
palestinianas, Uri Sapir afirma que os seus interlocutores lhe disseram que
"o papel histórico de Yasser Arafat era assegurar o regresso do poder
palestiniano à Cisjordânia e a Gaza. Uma vez atingido este objectivo, os seus
sucessores, guiados pelo pragmatismo, teriam mais facilidade em encarar a
cooperação com os israelitas".
Um documento datado de 27 de Julho de
1993, que cita o parecer do conselheiro jurídico da delegação israelita, Yoel
Singer, descreve Ahmad Qurei como "um homem inteligente e astuto, que
mente a toda a gente para atingir os seus objectivos, ao ponto de Shimon Perez
se interrogar como poderia confiar em tal homem".
O Haaretz afirma que um dos documentos
secretos atribui a Ahmad Qorei a garantia de que o direito de regresso, um
direito fundamental da reivindicação palestiniana, caducaria ipso facto assim
que israelitas e palestinianos chegassem a um acordo permanente. "Não
tenham receio em relação a este ponto", terá dito Quoreih aos seus
interlocutores israelitas.
Num outro documento, Shimon Peres propõe
que Gaza seja transformada em Singapura com a perspectiva de o enclave
palestiniano se tornar "A Suíça do Médio Oriente". Tanto Shimon Perez
como o primeiro-ministro Yitzack Rabin opuseram-se ao regresso de Yasser Arafat
aos territórios palestinianos ocupados com o título de líder da OLP, sugerindo
que mudasse o seu título e renunciasse ao seu título de líder de combate
palestiniano. Ganharão o seu caso: Arafat regressará à Cisjordânia com o título
de "Presidente da Autoridade Palestiniana"
A versão árabe deste
texto pode ser encontrada
neste link
Para ir mais longe no tema da propaganda
israelita, veja estes links:
§
https://www.renenaba.com/israel-de-la-propagande-1/
§
https://www.renenaba.com/israel-de-la-propagande-2/
§
https://www.renenaba.com/israel-de-la-propagande-3/
Sobre os Estados Unidos e Israel, veja
estes links.
§
https://www.madaniya.info/2023/01/20/israel-etats-unis-3-4-de-la-guerre-semantique/
Fonte: Oslo, 30 ans après….Nakba et Palestine (1/4) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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