19 de Setembro de 2023 René Naba
RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
Antecipando as eleições presidenciais egípcias pós-Mubarak, previstas para Maio de 2012, Mohammad Morsi convidou 107 ulemás do mundo muçulmano para o Cairo, a 5 de Fevereiro de 2012, três meses antes da data das eleições, para declarar a Jihad contra a Síria, país que foi parceiro do Egipto em 4 guerras contra Israel (1948, 1956, 1967 e 1973).
Este acto eleitoral
viria a revelar-se fatal para o primeiro presidente islamista eleito no maior
país árabe. Foi deposto pelo exército um ano mais tarde, que não lhe perdoou o
facto de ter posto em causa a "irmandade de armas" entre os exércitos
egípcio e sírio.
O texto completo
encontra-se em anexo.
Fatwa de 107 Ulemás do Mundo Muçulmano a propósito da Guerra da Síria
Terça-feira 15 Rabih Al Awal 1434 da Hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina, que marca o ano inicial do calendário islâmico – NdT)., correspondente a 7 de Fevereiro de 2012.
Primeiro comunicado conjunto dos Irmãos
Muçulmanos e dos grupos salafistas, assinado nomeadamente pelas seguintes
personalidades: Sheikh Youssef Al Qaradawi, pregador do Qatar, Rached
Ghannouchi, líder do partido An Nahda, o ramo tunisino dos Irmãos Muçulmanos,
bem como dois pregadores sauditas, Awad Al Qarni e Salmane Al Awda
"Não é permitido aos membros das
forças armadas sírias, das forças da ordem ou de qualquer outra formação de
segurança matar um membro do povo sírio ou abrir fogo contra ele.
Devem desobedecer às ordens para o
fazer, mesmo que isso signifique matar o soldado recalcitrante. Cabe-lhes
abandonar o seu posto e desistir da sua missão.
"Não é admissível continuar a
exercer as responsabilidades de segurança e das forças armadas nas actuais
circunstâncias. Cabe-nos a nós separarmo-nos com urgência.
"Apelamos ao apoio ao Exército
Sírio Livre (FSA) com vista ao seu reforço e à sua adesão para ajudar a
defender os civis e as cidades visadas pelas autoridades, enquanto estas
estiverem presentes.
"Apelamos aos muçulmanos e ao mundo
livre para que apoiem as formações do Exército Sírio Livre com todos os meios
materiais e morais que lhe permitam cumprir a sua missão face ao poder.
"A necessidade de apoiar os
revolucionários sírios e de lhes prestar toda a assistência material e moral de
que necessitam para levar a cabo a sua revolução e recuperar a sua liberdade e
os seus direitos.
"Apelamos aos Estados árabes e
muçulmanos para que tomem uma posição firme contra o regime sírio, expulsando
os seus embaixadores e cortando relações com ele.
"Quanto aos países que o apoiam, em
particular a Rússia e a China, apelamos aos povos muçulmanos para que enviem
mensagens de protesto a estes dois Estados; para que se manifestem diante das
suas embaixadas em todo o mundo; para que boicotem os seus produtos, para que
não preservem os seus interesses económicos e militares na Síria através do
derramamento de sangue.
"Que estes dois países saibam que o
futuro desta região pertence aos seus povos, independentemente do tempo que
demore.
"Quem apostar em regimes
repressivos dispostos a matar o seu povo perderá inevitavelmente".
"Apelamos ao mundo muçulmano para
que forme comités populares, para que faça tudo o que puder para apoiar a
revolução do povo sírio e para que ajude os refugiados sírios e as pessoas deslocadas,
em particular as que se encontram na Turquia, na Jordânia e no Líbano, que têm
grande necessidade de alimentos, medicamentos, abrigo e apoio material.
Colocar as coisas em perspectiva
Qatar-Síria: em conjunto com a França, a
aposta nos Irmãos Muçulmanos, uma má aposta num mau parceiro.
O Qatar esteve envolvido na questão
síria "até ao âmago".
Contribuiu para transformar um movimento
movido por reivindicações populares num conflito entre o regime sírio e
"jihadistas sem fronteiras", apoiados por "irmãos", reféns
até à obsessão de uma estratégia de conquista do poder.
Em concertação com a Turquia, o Qatar
concebeu um plano para mudar o regime na Síria, garantindo que o Conselho
Nacional Sírio ficará sob o controlo dos Irmãos Muçulmanos. E, no caso de esta
estrutura falhar, encorajar a militarização da revolta popular, inicialmente um
movimento de protesto civil, aumentando o número de grupos combatentes e
legitimando a jihad global na Síria.
Mas, na Síria, o Qatar fez uma má aposta
num mau parceiro, na medida em que a Irmandade gozava de pouco apoio popular,
ao contrário do seu ramo egípcio. Apesar da nossa posição sobre a natureza
criminosa e repressiva do regime sírio, é importante recordar os seguintes
factos:
A Síria recusou dar seguimento aos
pedidos americanos de encerramento das representações do Hamas e da Jihad
Islâmica Palestiniana em Damasco. Esta recusa foi comunicada por Farouk Al
Chareh, na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros da Síria, ao seu homólogo
americano Colin Powell. Esta recusa desencadeou o processo legislativo para a
adopção do Syrian Accountability Act e a consequente deterioração das relações
entre a Síria e os Estados Unidos.
É notório que a Síria tinha criado
campos de treino militar e gabinetes de representação política do Hamas e de
outras organizações populares.
O Qatar começou a comportar-se como uma
grande potência regional, colaborando com a NATO para provocar a queda do
coronel Muammar Kadhafi, apoiando de todas as formas possíveis a Irmandade
Muçulmana egípcia para suceder a Hosni Mubarak, fornecendo ao partido An Nahda,
o ramo tunisino da Irmandade, recursos financeiros substanciais e conduzindo os
seus membros directamente da prisão para o parlamento.
Fonte: Flashback: Morsi, la destitution – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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