2 de Fevereiro de 2024 Robert Bibeau
Por Arezki Ighemat, Ph.D em economia
Mestre em Literatura Francófona (Universidade de Purdue). Este
artigo está disponível em arquivo WORD: Os Pecados Originais do Conflito
Israelo-Palestino, O Mandato Britânico e a Declaração Balfour (1) E no webjournal: Os Pecados Originais do Conflito Israelo-Palestino: O
Mandato Britânico e a Declaração Balfour – The International Diplomatic Tribune
(tribune-diplomatique-internationale.com)
Artur J. Balfour (segundo a partir da esquerda) em
1917 durante uma visita aos Estados Unidos. (AP Foto)
"A razão pela qual o Estado de Israel existe hoje e por que hoje 1 500 000 árabes palestinianos são refugiados é que, durante 30 anos, a imigração judaica foi imposta aos árabes palestinianos pelo poder militar britânico até que os imigrantes fossem suficientemente numerosos e suficientemente bem armados para poderem defender-se a si próprios com tanques e aviões próprios. A tragédia na Palestina não é apenas local; é uma tragédia para o mundo, porque é uma injustiça que ameaça a paz do mundo" (Arnold J. Toynbee, historiador britânico, citado em Robert John e Sami Hadawi, The Palestine Diary, Vol. I (1914-1945), New World Press, 1970, p. xiv.
"Qualquer compreensão da questão
palestina, portanto, requer algum exame da Declaração [Balfour] que pode ser considerada a raiz do problema da
Palestina" (The Question of Palestine: Origins and Evolution Of the
Palestine Problem, Part I (1917-1947), Unitednations.org).
INTRODUÇÃO
É impossível
compreender o conflito israelo-palestiniano e formar uma opinião objectiva
sobre as suas verdadeiras causas e possíveis soluções sem remontar às suas
origens históricas. O ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023 - que,
segundo algumas fontes, matou 1.139 pessoas e feriu cerca de 3.400 - e a
resposta pesada de Israel contra Gaza - que, segundo a Anadolu Ajncy (Agência
de Informação Turca), matou 22.835 pessoas e feriu 58.416 até 8 de Janeiro de
2024, sem contar com a destruição de edifícios e infra-estruturas públicas -
são apenas um episódio entre muitos na história do conflito. O ataque do Hamas
e a reacção israelita não são, infelizmente, nem o primeiro nem o último.
Foram feitas várias tentativas para resolver o conflito, mas nenhuma conseguiu encontrar uma solução justa que satisfizesse tanto os palestinianos como os israelitas. A solução de dois Estados - um Estado palestiniano ao lado de um Estado israelita - não parece ter merecido a aprovação de ambas as partes, apesar do que pensam as grandes potências. A solução de um Estado - um Estado palestiniano onde viveria a minoria judaica, ou um Estado israelita coabitando com a maioria palestiniana - não parece dar garantias suficientes a nenhuma das partes.
Soluções alternativas - como um Estado federal "palestiniano e israelita" sob um regime internacional - também são rejeitadas por ambas as partes. O objectivo deste artigo não é reconstituir as guerras recíprocas recorrentes entre as duas comunidades, nem recordar todas as tentativas de resolução do conflito israelo-palestiniano desde o início da crise. Pensamos fazer esse trabalho num ou mais artigos. O objectivo do presente artigo é remontar às origens - aos pecados originais - deste drama que se arrasta há demasiado tempo e que acabará por inflamar - se não for resolvido de uma forma ou de outra - toda a região e, provavelmente, o mundo inteiro. Recuar às origens mais antigas do conflito israelo-palestiniano exigiria também mais do que um artigo de jornal.
No entanto, para compreender a raiz do problema, é necessário e suficiente traçar os principais factores que contribuíram para o surgimento ou desenvolvimento da crise. É por isso que consideramos que as etapas seguintes da história do conflito são essenciais para compreender a situação actual e, eventualmente, pensar em possíveis soluções para o conflito. Assim, abordaremos sucessivamente: (a) a Palestina na era otomana, (b) o Mandato Britânico sobre a Palestina, (c) a Declaração Balfour de 1917, (d) o Plano de Partilha da Palestina de 1947, (e) o Movimento Sionista e a sua estratégia, e (f) a situação do conflito em 1945/46.
A PALESTINA NOS TEMPOS OTOMANOS
Em 1516, o Império Otomano, depois de ter derrotado os mamelucos,
conquistou Bilad al Sham, que compreendia então quatro regiões - Síria, Líbano,
Jordânia e Palestina - bem como partes da Turquia. Este foi o início de 401
anos de domínio otomano na Palestina. A Palestina era então constituída por
três Estados: Jerusalém, Gaza e Nablus, todos eles ligados à província de
Damasco. De acordo com algumas fontes, em 1600 a população da Palestina era
composta por 232.000 habitantes de várias religiões, sendo as principais
enumeradas no quadro#1 :
O nome "Palestina" foi-lhe dado no século XII a.C. pelos antigos
egípcios. Os assírios chamavam-lhe "Phalastu/Palastu/Pilistu" nos
séculos VII e VIII a.C. O nome "Palestina" apareceu pela primeira vez
no século V a.C., quando o antigo historiador grego Heródoto se referiu à
"Palaistina", um território situado entre o Egipto e a Fenícia, como
uma terra de muitas fés. De acordo com várias fontes, durante o período
otomano, as três principais comunidades religiosas da Palestina - muçulmanos,
cristãos e judeus - viviam em harmonia e paz graças a um sistema conhecido como
"Millet", no âmbito do qual as autoridades otomanas concediam um
certo grau de autonomia às três comunidades para gerirem os seus assuntos
religiosos e civis de acordo com os seus próprios hábitos e costumes,
respeitando simultaneamente as leis e os regulamentos do Império.
No seu romance A Rift in Time: Travels with my Ottoman Uncle, publicado
pela Profile Books, em 2010, Raja Shehadeh, advogado palestiniano de Ramallah,
escritor e co-fundador da organização palestiniana de defesa dos direitos
humanos Al Haq, conta que "a Palestina otomana atribuía grande importância
à história e à identidade palestinianas. Foi uma época em que as três religiões
monoteístas coexistiam sem conflitos" (ver Ayse Betul Aytekin, How Peace
flourished in Ottoman Palestine: A Story of Coexistence, TRT World.com, Outubro
de 2023). A propósito do sistema de "Millet", Kim Kemal Oke,
professor de História e de Relações Internacionais na Universidade de Istambul
Ticaret, afirmou: "Era o talismã [porte bohneur] da harmonia social"
(Ayse Betul Aytekin, op. cit). De facto, este sistema valorizava cada uma das
comunidades, dando-lhes a possibilidade de nomearem os seus próprios líderes
religiosos e de gerirem os seus próprios assuntos, de praticarem as suas
próprias línguas, de estabelecerem os seus próprios tribunais e de praticarem
as suas próprias crenças.
Este sistema harmonioso e autónomo é simbolizado por uma inscrição por cima
da Porta de Jaffa, na Cidade Velha de Jerusalém, onde se lê em árabe: "Não
há Deus senão Alá e Ibrahim é o seu melhor amigo". A própria porta, que é
uma das sete portas de Jerusalém, chama-se "Bab el Khalil" (Porta do
Amigo). Num artigo não assinado, publicado em 29 de Abril de 1914 no jornal
"Falastin", um dos jornais mais influentes fundado em 1911 em Jaffa,
estava escrito: "Até há 10 anos, os judeus eram um elemento nativo e
fraterno da era otomana. Viviam e misturavam-se livremente e em harmonia com os
outros elementos e mantinham relações laborais, viviam nas mesmas zonas e
mandavam os filhos para a mesma escola" (Lorenzo Kamel, Framing the
Palestine Partition Plan, The Cairo Review of Global Affairs, Winter 2022). O
académico e escritor Yaacov Yehoshua, um rabino judeu polaco/alemão, no seu
livro de memórias Childhood in Old Jerusalem, publicado em 1965, escreveu que,
em Jerusalém, "havia complexos habitacionais partilhados por judeus e
muçulmanos.
Éramos como uma família [...] Os nossos filhos brincavam com os filhos dos
muçulmanos no pátio e, se as crianças do bairro vizinho nos magoavam, os
muçulmanos que viviam no nosso complexo protegiam-nos. Eram os nossos
aliados" (Lorenzo Kamel, op. cit). Comparando a vida na Palestina da época
otomana com a vida durante o Mandato Britânico, Raja Shehadeh afirmou: "A
era otomana já não é possível hoje em dia, principalmente devido à politização
da religião, o que não acontecia nessa altura" (Raja Shehadeh, A Rift of
Time, op. cit). A Comissão Real para a Palestina de 1936 (conhecida como a
Comissão Peel), presidida por Lord Peel para investigar as razões das revoltas
durante o Mandato Britânico, concordou que o período anterior ao Mandato foi de
coexistência pacífica entre as duas comunidades:
"Um defensor da
causa árabe disse-nos que os árabes, ao longo da sua história, nunca tiveram um
sentimento anti-semita, mas mostraram que o espírito de compromisso está
profundamente enraizado nas suas vidas. Segundo este apoiante, não há pessoa
mentalmente decente que não queira fazer tudo o que for humanamente possível
para aliviar as pessoas em dificuldades...". (Governo britânico, Comissão
Real da Palestina, Relatório cmd 5479 (1937), p. 395). Esta coexistência entre
comunidades de diferentes credos não significou, no entanto, que a paz reinava
na Palestina e na região em geral.
Para citar apenas alguns dos conflitos vividos pela Palestina na época, uma das revoltas foi a chamada "Naquib al Ashraf", no século XVIII, provocada pela repressão e pelas taxas impostas pelo Império. Outra revolta foi a de Zahir al Umar al-Zaydani, no final do século XVIII, que levou ao estabelecimento de uma autonomia relativa na Galileia. Duas outras revoltas contra o sistema de tributação tiveram lugar em 1825 e 1831, esta última liderada por Ibrahim Pasha, filho do sultão egípcio Mohammed Ali Pasha. A estas revoltas internas juntam-se as revoltas externas, como a invasão das regiões costeiras de Gaza, Jaffa, Haifa e Acre por Napoleão Bonaparte, em 1799. Os anos que se seguiram foram também anos de turbulência provocada por rebeliões egípcias e por facções palestinianas locais contra as autoridades otomanas, até que uma aliança entre os impérios otomano, britânico, russo e austríaco conseguiu pôr o exército egípcio fora de acção. Em 1878, a Palestina tinha sido dividida em três distritos: o distrito de Jerusalém (governado directamente por Istambul), o distrito de Nablus e o distrito de Acre (ligado à província de Beirute). Nessa altura (1878), a população da Palestina - que tinha duplicado em 178 anos - estava distribuída como mostra o quadro#2 :
Ao mesmo tempo (em
1878), a primeira colónia sionista tinha sido estabelecida na Palestina e o
primeiro afluxo de imigrantes judeus tinha começado em 1882. Os milionários
judeus europeus Barão Edmond de Rothschild e Barão Maurice de Hirsch
financiaram as primeiras colónias judaicas na Palestina. Em consequência do
afluxo de imigrantes e das colónias, desenvolveu-se um sentimento nacionalista
entre a população palestiniana, que levou às primeiras revoltas contra o
sistema de colonização sionista. No entanto, a Primeira Guerra Mundial, em
1914, e a ocupação da Palestina pelas forças britânicas, em 1917, impediram
estas primeiras "Intifadas". O Mandato Britânico e a Declaração de
Balfour de 1917 puseram fim à vontade de independência da Palestina, por um
lado, e favoreceram a colonização do território palestiniano pelos sionistas,
por outro, graças, nomeadamente, ao fluxo de imigrantes judeus provenientes da
Europa. Vejamos agora as três principais causas do imbróglio
israelo-palestiniano.
O MANDATO BRITÂNICO NA PALESTINA
O mandato britânico na Palestina foi inspirado por um memorando adoptado em
Junho de 1922 por Winston Churchill, então Secretário das Colónias. O
Memorando, também conhecido como "Livro Branco sobre a Palestina",
tinha sido redigido por Sir Herbert Samuel, então Alto Comissário para a
Palestina, e destinava-se a pôr termo aos motins dos palestinianos que exigiam
o seu direito à soberania sobre o seu território e o fim da imigração judaica
para a Palestina. O Memorando reafirmava dois princípios básicos segundo os
quais a presença dos judeus na Palestina era: (1) "um direito e não um
sofrimento" e (2) "uma ligação histórica". Este último
princípio, segundo a Comissão Peel, significava que a comunidade judaica tinha
uma ligação histórica com a Palestina. O Mandato, que se baseava no artigo 22º
da Convenção da Sociedade das Nações e na resolução de San Remo (Itália) de 25
de Abril de 1920 do Conselho Supremo das Principais Potências Aliadas, só
entrou em vigor em 29 de Setembro de 2023.
O principal objectivo do Mandato era prestar assistência à Palestina, a fim
de lhe permitir, após um certo período de tempo, governar-se a si própria. Na
realidade, como veremos mais adiante quando falarmos da Declaração Balfour, o
verdadeiro objectivo era permitir o estabelecimento de um "lar nacional para o povo
judeu", quando a comunidade judaica representava apenas 3% antes do Mandato
e 9% em 1922. Desde então, na sequência do incentivo à imigração judaica para a
Palestina, a população judaica aumentou de 9% para 22% entre 1922 e 1936 (ver A
Brief History of the Israeli Occupation of Palestine, TRT World, 2019).
Inicialmente, o Mandato pretendia ser uma fase de transição que conduzisse
à independência da Palestina. Com efeito, previa-se que "as aspirações das
comunidades palestiniana, cristã e judaica" seriam uma consideração
primordial na escolha da própria Potência Mandatária" (ver The Question of
Palestine: Origins and Evolution of the Palestine Problem, Part I (1917-1947),
UnitedNations.org). De facto, o Mandato Britânico foi estabelecido sem ter em
conta o Artigo 22 (parágrafo 4) da Convenção da Sociedade das Nações, que
estipula que os desejos das comunidades não judaicas devem ser uma consideração
primordial na escolha da Autoridade Mandatária. Lord Sydenham, antigo
governador de Vitória, antigo secretário do Comité de Defesa Imperial e antigo
presidente do Tribunal de Recurso britânico, foi ainda mais longe e disse a
Arthur Balfour "O que fizemos foi (por meio de concessões, não ao povo
judeu, mas à secção sionista extremista) criar um mal que está a crescer no
Oriente e que ninguém pode dizer até onde irá" (ver Governo britânico,
Hansard Report, Câmara dos Lordes, 21 de junho de 1922, p.. 1025, citado em The
Question of Palestine: Origins and Evolution of the Palestine Problem, op.
cit).
Apesar de todas estas contradições entre factos, textos e declarações,
"a Organização Sionista conseguiu inscrever no texto final do Mandato os
princípios de 'ligação histórica' [historical attachment] e de 'reconstituição'
[State, Commonwealth] para o povo judeu e fazer aprovar o texto pela Sociedade
das Nações em 24 de Julho de 1922, que entrou em vigor em Setembro de 1923, na
sequência do Tratado de Lausanne entre as potências aliadas vitoriosas e o
Império Otomano, assinado em Outubro de 1922. O texto final do Mandato conferia
às potências aliadas a autoridade para dividir os países sob os mandatos da
Sociedade das Nações, incluindo a Palestina, e incorporava a Declaração Balfour
de 1917, determinando assim o destino da Palestina e a emergência do Estado
israelita.
Três artigos do Mandato são particularmente dignos de nota. O artigo 2º
estipula que "A Autoridade Mandatária será responsável por colocar o país
[Palestina] em condições políticas que assegurem o estabelecimento do lar
nacional judeu...". O artigo 4º estabelece que "Uma Agência Judaica
apropriada será reconhecida como um organismo público com o objectivo de
aconselhar e cooperar com a 'Autoridade que administra a Palestina' em
condições económicas, sociais e outras, com vista a assegurar o estabelecimento
do lar nacional judaico e os interesses da população judaica da
Palestina...". O artigo 6º estabelece que "A Administração da Palestina
[...] facilitará a imigração judaica em condições aceitáveis e encorajará, em
colaboração com a Agência Judaica, a colonização do [território palestiniano]
por judeus, incluindo as terras públicas e as terras devolutas" (ver
"A Questão da Palestina: Origens e Evolução do Problema da Palestina,
op.cit"). No entanto, no texto final do mandato não foi feita qualquer
referência aos direitos dos palestinianos, a começar pelo direito de escolher a
sua autoridade mandatária.
A DECLARAÇÃO BALFOUR
Numa carta a Lionel Walter Rothschild, banqueiro, político e presidente do
Conselho de Deputados dos judeus britânicos (1925-1926), o ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico, Arthur James Balfour, escreveu:
"Caro Lord
Rothschild, tenho o prazer de lhe transmitir a seguinte Declaração de pesar do
Governo de Sua Majestade em relação às aspirações judaicas sionistas, que foi
submetida ao Gabinete para aprovação: 'O Governo de Sua Majestade vê
favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu, e fará
uso da seguinte Declaração de Simpatia para com o Povo Judeu: tudo o que
estiver ao seu alcance para facilitar a consecução deste objetivo, entendendo-se
que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das
comunidades não judaicas da Palestina ou os direitos políticos e o estatuto de
que gozam os judeus noutros países. Ficar-lhe-ia grato se quisesse chamar a
atenção da Federação Sionista para esta Declaração"
(Assinado: Arthur James Balfour).
Esta declaração é conhecida desde então como a "Declaração Balfour" e faz parte integrante do mandato britânico acima referido. Recorde-se que, em 1915, numa outra correspondência entre o Xerife Hussein, Emir de Meca, e Sir McMahon, Comissário britânico no Egipto, o Governo britânico tinha prometido a independência da Palestina. Nessa correspondência, Hussein apelava inequivocamente à independência dos países árabes, incluindo a Palestina. A resposta do Governo britânico foi igualmente inequívoca:
As potências da Entente estão decididas a dar à raça árabe a oportunidade
de voltar a formar uma nação no mundo... e que nenhum povo seja submetido a
outro" (ver "The Question of Palestine: Origins and Evolution of the
Palestine Problem", op.cit).
O historiador britânico Arnold J. Toynbee, na altura membro do British
Office, escreveu em 1968 sobre esta correspondência: "Segundo a minha
interpretação da correspondência Hussein-McMahon, a Palestina não foi excluída
pelo Governo britânico da área em que se tinha comprometido com o Rei Hussein a
reconhecer e apoiar a independência árabe. Por conseguinte, os árabes
palestinianos podiam perfeitamente partir do princípio de que a Grã-Bretanha
estava empenhada em preparar a Palestina para se tornar um Estado
independente" (ver The Question of Palestine: Origins and Evolution of the
Palestine Problem, op.cit).
Deve também notar-se que a Declaração Balfour fala de um "lar nacional"
para os judeus e não de um "Estado" no sentido da Carta das Nações Unidas.
A utilização da expressão "pátria nacional" em vez de "Estado"
deixou margem para todo o tipo de interpretações. No entanto, no espírito dos
seus iniciadores, "o lar nacional sempre significou um eventual Estado
judeu" (ver Reunião entre Chaim Azriel Weizmann, um dos principais líderes
do sionismo mundial, Arthur Balfour e Lloyd George, então primeiro-ministro
britânico, 1922). De acordo com algumas fontes, a Declaração Balfour teve
quatro razões principais não declaradas:
"(1) o desejo do governo britânico e das outras potências aliadas de
manter o controlo sobre a Palestina por razões estratégicas (mantendo o Egipto
e o Canal do Suez sob a soberania e influência britânicas); (2) a necessidade
da Grã-Bretanha de assegurar o apoio dos judeus americanos e russos para apoiar
o esforço de guerra e garantir a vitória dos Aliados; (3) a importância do
lobby sionista e a estreita relação entre a comunidade sionista e o governo
britânico (alguns membros do governo britânico são eles próprios membros do
Movimento Sionista Mundial); e (4) o desejo do governo britânico de mostrar
solidariedade para com os judeus perseguidos na Europa" (ver A Brief
History of the Israeli Occupation of Palestine, TRT World, 2019). É também de
salientar que, sem o apoio das outras potências aliadas, a Declaração Balfour
não teria provavelmente sido adoptada. Quanto ao apoio americano, Arthur
Balfour foi citado numa reunião do Conselho de Ministros britânico, em 4 de Outubro
de 1917: "O Presidente Wilson é extremamente favorável ao Movimento"
(ver A Brief History of the Israeli Occupation of Palestine, op. cit).
A França também apoiou a Declaração Balfour. Numa carta a Nahum Sokolow, um
sionista polaco, Jules Camdon, um diplomata francês, escreveu que a França era
a favor de uma "colonização judaica da Palestina". Esta carta
afirmava expressamente: "Seria um acto de justiça e de reparação
testemunhar, através da protecção das potências aliadas, o renascimento da
nacionalidade judaica nesta terra de onde os judeus foram exilados há tantos
séculos" (ver A Brief History of the Israeli Occupation of Palestine, TRT
World, op. cit).
A França também apoiou a Declaração Balfour. Em uma carta a Nahum Sokolow,
um sionista polonês, Jules Camdon, um diplomata francês, escreveu que a França
era a favor de uma "colonização judaica da Palestina" (a França era a
favor de uma colonização judaica da Palestina). A carta afirmava expressamente:
"Seria um ato de justiça e reparação testemunhar, através da proteção das
potências aliadas, o renascimento da nacionalidade judaica naquela terra da
qual os judeus foram exilados há tantos séculos" (ver Uma Breve História
da Ocupação Israelita da Palestina, TRT World, Op. cit).
É esta contradição
entre os objectivos do Mandato e da Declaração Balfour - que prometia a criação
de um "lar nacional" para os judeus, por um lado, e, para os árabes
(incluindo a Palestina), a obtenção da sua independência após um certo período
de tempo, por outro - que constitui o nó górdio do conflito
israelo-palestiniano que se mantém até hoje. É também de salientar que existem
diferenças significativas de linguagem entre o primeiro projecto da Declaração
Balfour, elaborado pela Organização Sionista, e a sua versão final. O primeiro
projecto afirmava: "O Governo de Sua Majestade aceita o princípio de que a
Palestina deve ser 'reconstituída' como um lar para o povo judeu",
enquanto a versão final afirmava: "O Governo de Sua Majestade considera
favoravelmente o estabelecimento de um 'lar nacional para o povo judeu'".
O termo "re-constituição" significaria que o lar judaico já existia e
que o objectivo era simplesmente "restabelecê-lo".
Uma segunda diferença entre estas duas versões é que a primeira afirma que "o Governo de Sua Majestade utilizará todos os meios ao seu alcance para assegurar a realização deste objectivo (reconstituição do lar nacional judaico) e discutirá os meios e métodos necessários" com a Organização Sionista, enquanto a versão final não faz qualquer referência à Organização Sionista (a menção a esta Organização foi suprimida por iniciativa de Chaim Weizmann (ver "A Questão da Palestina: Origens e Evolução do Problema da Palestina, op.cit).
Outra fonte de
contradição na Declaração Balfour foi o facto de - apesar de a população
palestiniana representar 90% da população total da Palestina em 1917 e possuir
97% das terras da Palestina - a Declaração Balfour se referir à comunidade
palestiniana como "a comunidade não judaica existente na Palestina",
ou seja, como se a comunidade palestiniana fosse a "minoria" (ver J.
M.N Jeffries, Palestine: The Reality, Longmans Green, 1939, pp. 248-257, citado
em "The Question of Palestine: Origins and Evolution of the Palestine
Problem, op. cit).
Outra injustiça contida na Declaração Balfour foi a fórmula no final do texto: "que nada será feito que possa prejudicar os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer país". A injustiça reside no facto de a Declaração não fazer qualquer referência aos direitos políticos dos palestinianos, a começar pelo seu direito à independência.
Várias personalidades britânicas criticaram a Declaração. Uma delas foi Lord Curzon, então Secretário dos Negócios Estrangeiros e Vice-Rei da Índia e Presidente do Conselho da Liga das Nações. Curzon escreveu: "Ele [Weizmann] prevê um Estado judeu que possua a maior parte das terras e dirija a administração. Ele [Weizmann] está a tentar alcançar este objectivo por detrás do ecrã e sob a égide das autoridades britânicas" (ver Governo britânico, Public Record Office Cabinet n0.27/23, 1918, citado em "The Question of Palestine: Origins and Evolution of the Palestine Problem", op.cit). No entanto, os defensores da Declaração Balfour e, por conseguinte, da criação de um Estado judaico na Palestina eram dominantes. Assim, durante uma entrevista entre Arthur Balfour e Justice Brandeis (juiz judeu americano e antigo presidente da Organização Sionista Mundial (1914-1918), Brandeis declarou "Os sionistas procuram estabelecer este lar na Palestina porque estão convencidos de que o eterno desejo judaico pela Palestina é um facto da maior importância; que é a manifestação de uma luta pela sobrevivência de um povo antigo que estabeleceu o seu direito a viver, um povo cuja civilização com 3.000 anos produziu uma fé, uma cultura e uma individualidade que lhe permite contribuir largamente no futuro, como fez no passado, para o avanço da civilização.
Que não é apenas um direito, mas um dever para a nacionalidade judaica sobreviver e desenvolver-se" (ver Louis Dembitz, Brandeis Speech to the Eastern Countries Conference of the Reform Council of Rabbis, 25 de abril de 1915) e Louis Brandeis, The Jewish Problem: How to Solve it", 17 de maio de 2009).
O PLANO DE PARTILHA DA PALESTINA
O Plano de Partilha da Palestina foi iniciado pelas Nações Unidas em 29 de Novembro de 1947. O Plano previa a criação de dois Estados: um Estado Palestiniano e um Estado Judeu, integrados por uma União Económica. O plano previa igualmente que Jerusalém fosse colocada sob um regime de "corpus separatum", ou seja, sob a égide das Nações Unidas (Resolução 181 (II) da Assembleia Geral da ONU, de 29 de Novembro de 1947). Duas semanas mais tarde, o Secretário Colonial britânico, Arthur Creech Jones, anunciou o fim do Mandato Britânico com efeitos a partir de 15 de Maio de 1948. Em 15 de Maio de 1947, as Nações Unidas criaram uma Comissão Especial de Inquérito sobre a Palestina (UNSCOP) - composta por 11 países (Austrália, Canadá, Checoslováquia, Guatemala, Índia, Irão, Países Baixos, Peru, Suécia, Uruguai e Jugoslávia) - para investigar as causas do conflito israelo-palestiniano e encontrar uma solução para o mesmo. Este comité apresentou dois cenários: (1) o da maioria dos membros que propunha dois Estados separados com relações económicas entre si; e o cenário da minoria dos membros que apoiava a criação de um único Estado binacional (ou federal) constituído por duas zonas autónomas, uma judaica e outra palestiniana, com Jerusalém como capital. A comunidade judaica aceitou o primeiro cenário (dois Estados), enquanto os palestinianos se opuseram aos dois cenários. Foi proposto um terceiro cenário em que apenas os judeus que tivessem chegado à Palestina antes da Declaração Balfour (1917) seriam admitidos e reconhecidos como cidadãos do Estado previsto.
Este último cenário foi rejeitado pela
comunidade judaica. O Alto Comité Árabe (que representava a causa
palestiniana), liderado por Amin al Husseini, o Grande Mufti de Jerusalém,
recusou-se a reconhecer a UNSCOP, argumentando que os direitos dos palestinianos
não deveriam ser objecto de investigação e que deveriam ser reconhecidos como
seus direitos naturais com base na Carta das Nações Unidas. No caso dos dois
Estados separados, o Plano de Partição previa que o Estado Palestiniano teria
um território de 11 000 km2 (ou seja, 42% da área da Palestina) e o Estado
Judeu teria um território de 14 000 km2 (ou seja, 56%), sendo o restante (ou
seja, 2%) - representado pelas cidades de Jerusalém, Belém e a região
circundante - uma área administrada internacionalmente. O Plano de Partilha
previa: (1) o fim do Mandato Britânico sobre a Palestina; (2) a retirada
gradual das forças armadas britânicas e (3) a demarcação das fronteiras entre
os dois Estados e Jerusalém. O Plano propunha igualmente uma união económica entre
os dois Estados e a protecção dos direitos religiosos das minorias. O Plano foi
aceite e celebrado pela comunidade judaica (nomeadamente a Agência Judaica),
mas o Alto Comité Árabe, a Liga Árabe e outros países árabes recusaram-se a
adoptá-lo. Os palestinianos também rejeitaram o Plano porque violava o próprio
princípio da autodeterminação reconhecido pela Carta das Nações Unidas, que
estipula que os povos têm o direito de decidir o seu próprio destino.
Perante este imbróglio, e na ausência de acordo sobre uma das soluções propostas, o Plano não pôde ser aplicado, o que deu origem a recorrentes ataques recíprocos, como testemunha o ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023 e a reacção do governo de Netanyahu, que se mantém até hoje.
A ideia da partilha já tinha sido aceite pelo Governo britânico após a adopção do "Livro Branco" de Julho de 1937 e pela Comissão Real sobre a Palestina (Comissão Peel) na sequência do fracasso do Mandato Britânico. O Livro Branco de 1937 justificava o Plano de Partição da seguinte forma: "[1] Existe um conflito irreconciliável entre as aspirações
dos árabes e dos judeus na Palestina; [2] "estas aspirações não podem ser satisfeitas nos termos do actual Mandato e (3) é [necessário] que um esquema de partição de acordo com as recomendações da Comissão Real represente a solução mais adequada para o impasse. Os árabes ganhariam a sua independência e poderiam assim cooperar em pé de igualdade com os árabes de outros países vizinhos [...]. Por outro lado, a partição asseguraria o estabelecimento de um lar nacional judaico e libertaria a comunidade judaica de qualquer possibilidade de ser submetida a um governo árabe".O Plano de Partição teria também resultado na conversão do "Lar
Nacional Judaico" num "Estado Judaico...". (ver Governo
Britânico, Relatório da Comissão de Partição da Palestina, cmd 5854 (1938),
citado em "The Question of Palestine: Origins and Evolution of the
Palestine Problem, op. cit). O que é particularmente importante é a última
parte da citação acima: "o lar nacional judeu" seria, de acordo com o
Plano de Partição, convertido num "Estado judeu". Por outras
palavras, deveria existir um "Estado de facto" (o Estado judeu)
dentro de um "Estado de jure" (o Estado palestiniano). Outro Livro
Branco, o Livro Branco MacDonald, publicado em 17 de Maio de 1939, afirmava que
a criação de dois Estados independentes - um Estado judeu e um Estado
palestiniano - era "impraticável". O objectivo do governo britânico
com o Plano de Partição era o estabelecimento, no prazo de 10 anos, de uma
Palestina independente. Este Estado deveria ser um Estado em que palestinianos
e judeus partilhassem o governo de forma a assegurar a salvaguarda dos
interesses de cada comunidade (ver Statement of Policy, MacDonald White Paper,
cmd 6019 (1939), citado em "The Question of Palestine: Origins and
Evolution of the Palestine Problem, op.cit). Para os judeus, esta solução ia
contra o seu projecto de estabelecer (ou "reconstituir") um Estado
judaico.
Em 1942, reunidas no
Biltmore Hotel (Nova Iorque), as organizações sionistas propuseram, numa
declaração denominada "Biltmore Progamme", a criação de uma
Comunidade Judaica na Palestina onde "judeus e árabes, praticando as suas
próprias culturas e tradições, cooperariam como cidadãos livres e contribuiriam
para a prosperidade e o bem-estar do Estado unitário. Os cidadãos árabes da
Comunidade Judaica seriam tratados da mesma forma que os cidadãos francófonos
do Canadá. Seria um Estado judaico democrático composto por judeus, muçulmanos
e cristãos e, se os houver, por budistas e outros [credos]" (ver Louis E.
Levinthal, The Case for a Jewish Commonwealth in Palestine, Sage Journal,
vol.240, número 1, julho de 1945). É evidente que, nesta Comunidade, os judeus
seriam os responsáveis e os palestinianos meros súbditos.
O MOVIMENTO SIONISTA E SUA ESTRATÉGIA
A quarta causa principal do conflito israelo-palestiniano - alguns
consideram-na a primeira - é o Movimento Sionista. O Movimento Sionista,
implementado pela Organização Sionista e pela Agência Judaica, foi quem
teorizou e implementou a estratégia e o plano para estabelecer um Estado
judaico na Palestina. Foi criado e dirigido por líderes sionistas como Theodor
Herzl, fundador do Movimento, no Primeiro Congresso Sionista em Basileia
(Suíça) em 1897, e Chaim Azriel Weizmann, presidente da Organização Sionista
Mundial (OMS) de 1921 a 1931 e novamente de 1935 a 1946. O objectivo da WZO era
criar uma pátria judaica em "Eretz Yisrael" (a Terra de Israel), ou
seja, na Palestina. O WZO era apoiado por duas organizações aliadas: uma
organização financeira chamada Jewish Colonial Trust (JCT), fundada em 1899
para financiar o WZO, e uma organização fundiária chamada Jewish National Fund
(JNF), fundada em 1901 para adquirir terras na Palestina.
Alguns membros do Movimento Sionista, como já foi referido, eram também membros
do governo britânico. É o caso de Herbert Samuel, o primeiro funcionário de
religião judaica a fazer parte do gabinete britânico e líder do Partido Liberal
inglês. Defensor do sionismo no seio do governo britânico, escreveu um
memorando em Janeiro-Março de 1915 (dois meses após a declaração de guerra
contra o Império Otomano) intitulado "O futuro da Palestina". Em
1920, foi nomeado Comissário para a Palestina, responsável pelo governo do
território palestiniano. Neste memorando, Herbert Samuel escreveu: "A
anexação britânica da Palestina [onde] plantámos 3 a 4 milhões de judeus
europeus" (ver Meyer Weisgel, (ed), Chaim Weizmann, NY, Dial Press, 1944,
p. 131, citado em "The Question of Palestine: Origins and Evolution of the
Palestine Problem, op. cit). Chaim Weizmann, o outro líder do sionismo,
escreveu numa carta a um apoiante do sionismo: "Se a Palestina caísse na
esfera de influência britânica e a Grã-Bretanha encorajasse uma colónia judaica
na Palestina, como uma dependência britânica, poderíamos ter, em 20 ou 30 anos,
um milhão de judeus na Palestina - e talvez mais... eles [os judeus] formariam
uma guarda eficaz do Canal do Suez" (Chaim Weizmann, Trial and Error, NY,
Harper, 1999, p. 149).
Para concretizar os seus objectivos, a Organização Sionista Mundial
utilizou três meios: (1) a imigração judaica em grande escala para a Palestina,
(2) a aquisição de terras palestinianas e (3) a recusa de empregar
trabalhadores palestinianos. A política de imigração foi implementada pela
Agência Judaica e pela Federação Geral dos Trabalhadores Judeus, sob a égide da
WZO. A política de aquisição de terras era da responsabilidade do Departamento
de Colonização da WZO, da Associação Judaica de Colonização na Palestina e da
Keren ha-Yesod, uma organização responsável pela angariação de fundos e pelo
financiamento dos colonatos judeus na Palestina. A política de emprego de
trabalhadores palestinianos era regulada pela Constituição da Agência Judaica,
que estipulava que "(1) a Agência promoverá a colonização agrícola com base
na mão de obra judaica... Será estabelecido como princípio a utilização de mão
de obra judaica..., (2) "o colono, por conseguinte, compromete-se a... se
e sempre que for obrigado a recrutar, recrutará apenas trabalhadores
judeus" (ver Governo Britânico na Palestina, Report on Immigration, Land
and Settlement and Development, cmd 3686, pp. 52-53, citado em The Question in
Palestine, cmd 3686, pp. 52-53, citado em The Question of Palestine: Origins
and Evolution of the Palestine Problem, op.cit). Perante estes objectivos
colonialistas da WZO, os palestinianos sublinharam que o problema da Palestina
não residia na presença da comunidade judaica na Palestina:
"Queremos
enfatizar, mais uma vez, que a população judaica da Palestina, que vivia lá
antes da guerra, nunca teve um problema com seus vizinhos árabes. Gozava dos
mesmos direitos e privilégios que os cidadãos otomanos e nunca tinha sido a
favor da Declaração Balfour" (ver John Norton Moore, The Arab-Isaraeli
Conflict, Princeton University Press, 1974, pp. 22SS, citado em "The
Question of Palestine: Origins and Evolution of the Palestine Problem, op.cit").
Um dos líderes sionistas, Vladimir Jobotinsky, escritor, poeta e fundador da Organização Sionista de Auto-Defesa em Odessa (Rússia), disse em Julho de 1921: "Hoje os judeus são uma minoria na Palestina. Dentro de vinte anos, poderão facilmente tornar-se maioritários. Se fôssemos árabes, também não aceitaríamos isso" (Lorenzo Kamel, Framing the Partition Plan for Palestine, op. cit). Outro dirigente sionista alemão, Arthur Ruppin, director do Gabinete da Palestina da Organização Sionista e responsável pela imigração judaica para a Palestina, declarou no 8º Congresso Sionista, em 1907, que o objectivo dos sionistas era: "A criação de um ambiente judaico e de uma economia judaica fechada em que os produtores, os consumidores e os intermediários seriam todos judeus" (Lorenzo Kamel, Framing the Partition Plan for Palestine, op. cit).
SITUAÇÃO DO CONFLITO ISRAELO-PALESTINIANO EM 1945/1946
Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1945/46), as posições
das duas comunidades - o povo palestiniano, maioritário, e a comunidade
judaica, minoritária e representada principalmente pelas organizações sionistas
- eram totalmente opostas, ou mesmo "irreconciliáveis", segundo
alguns. Para resumir estas divergências, citaremos duas declarações, uma da
Agência Judaica em Maio de 1945 e outra dos países árabes na Conferência de
Londres (Setembro de 1946 a Fevereiro de 1947), cujo objectivo era resolver a
questão palestiniana e encontrar uma forma de pôr fim ao mandato britânico
sobre a Palestina.
Em Maio de 1945, a Agência Judaica apresentou ao Governo Britânico as
seguintes exigências: "(1) que seja encontrada uma resposta imediata para
estabelecer a Palestina como um Estado judaico, (2) que a Agência Judaica seja
investida de todos os poderes necessários para trazer para a Palestina tantos
judeus quantos forem necessários e possíveis para ocupar e desenvolver, rápida
e plenamente, todos os recursos do país, especialmente a terra e os recursos
energéticos, (3) que seja concedido um empréstimo internacional e outras ajudas
para a transferência do primeiro milhão de judeus para a Palestina e para o
desenvolvimento económico do país, (4) que seja concedida uma compensação em
espécie ao povo judeu para a reconstrução da Palestina e - como primeiro gesto
- que todas as propriedades alemãs na Palestina sejam utilizadas para a
reinstalação de judeus que desejem estabelecer-se na Palestina" (ver Royal
Institute of International Affairs, RIIA, Great Britain in Palestine, pp.
139-140, citado em "The Royal Institute of International Affairs, RIIA,
Great Britain in Palestine, pp. 139-140, citado em "The Question of
Palestine: Origins and Evolution of the Palestine Problem", op. cit).
Destes pedidos resulta claramente que o objectivo da Agência Judaica era a
ocupação do território palestiniano e o seu domínio pela população judaica,
nomeadamente através da imigração judaica para a Palestina.
Por seu lado, os palestinianos tinham também feito uma série de exigências
ao governo britânico na Conferência de Londres de 1946/47, que eram totalmente
opostas às da Agência Judaica. Estas exigências eram principalmente as
seguintes "(1) que a Palestina deveria ser um Estado unitário com uma
maioria árabe permanente e que deveria alcançar a independência após um curto
período de transição (2 a 3 anos) sob os auspícios do Mandato Britânico, (2)
que dentro deste Estado único, os judeus que adquirissem a nacionalidade
palestiniana (cuja condição era ter residido durante 10 anos) deveriam ter
plenos direitos civis da mesma forma que os outros cidadãos da Palestina, (3)
que deveriam ser estabelecidas salvaguardas para proteger os direitos
religiosos e culturais da comunidade judaica, (4) que a comunidade judaica pode
obter um certo número de lugares na Assembleia Legislativa, proporcionalmente
ao número de cidadãos judeus na Palestina (tal como definido), desde que em
caso algum o número de representantes judeus exceda 1/3 do número total de
membros e (5) que todas as leis relativas à imigração e à transferência de
terras requerem o consentimento dos árabes da Palestina, expresso pela maioria
dos membros árabes da Assembleia Legislativa, e que as salvaguardas
estabelecidas pela comunidade judaica só podem ser alteradas com o
consentimento da maioria dos judeus na Assembleia" (ver Governo Britânico,
A História Política da Palestina, p. 38, citado em "A Questão da
Palestina: Origens e Evolução do Problema da Palestina", op. cit. cit).
O que é impressionante ao ler e comparar as exigências da Agência Judaica e
as dos palestinianos é a sua oposição quase total. Enquanto as exigências dos
palestinianos se preocupavam com a salvaguarda dos interesses da comunidade
judaica, as da Agência Judaica ignoravam completamente os direitos dos
palestinianos. Daí o impasse que era real na época e persiste até hoje.
CONCLUSÃO
A história da Palestina não pode ser resumida, como já dissemos, num único
artigo, de tão longa e complexa que é. O que apresentamos acima é apenas uma
visão geral, uma visão panorâmica, dos principais factores que levaram ao que é
conhecido como a "Questão Palestiniana". Antes de falar desses
factores, pareceu-nos útil dar uma visão geral da situação da Palestina na
época otomana. Vimos que durante os 401 anos de domínio otomano sobre a Palestina,
as comunidades judaica e palestiniana viveram em harmonia graças ao sistema de
Millet que atribuía importância e autonomia a cada uma das três comunidades
principais (muçulmanos, cristãos e judeus). Quanto às causas da "Questão
Palestiniana" - que se mantêm actuais - as principais são: o Mandato
Britânico sobre a Palestina, a Declaração Balfour de 1917, o Plano de Partilha
da Palestina de 1947 e o Movimento Sionista liderado pela Organização Sionista
Mundial (OMS).
O objectivo original do Mandato Britânico na Palestina era ajudar a Palestina, administrativa, política e economicamente, a alcançar a independência no espaço de poucos anos. Infelizmente, como vimos, este resultado nunca foi alcançado. Pelo contrário, a Declaração Balfour de 1917 não ajudou em nada. Incentivou a criação de um "lar nacional para o povo judeu", nomeadamente através da promoção da imigração judaica para a Palestina, ignorando totalmente as aspirações dos palestinianos e o seu direito à autodeterminação. O resultado foi o surgimento e o desenvolvimento de conflitos recorrentes entre as duas comunidades, conflitos que persistem até hoje, como testemunha o ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023 e a resposta selvagem israelita que se seguiu. Perante este impasse, foi adoptado em 1947 um Plano de Partilha da Palestina, que dividia a Palestina em duas partes e concedia a maior parte do território à comunidade judaica e uma pequena parte aos palestinianos.
Este Plano, que se destinava a pôr termo aos conflitos entre as duas comunidades, teve, de facto, o efeito de agravar a situação. O outro grande factor que contribuiu para o surgimento e acentuação do conflito foi o Movimento Sionista, cujo objectivo, desde a sua criação em 1878, foi o de estabelecer um "Estado" judeu em terras palestinianas através de colonatos, que nunca deixou de incentivar até aos dias de hoje. Várias iniciativas internacionais foram adoptadas para tentar resolver este conflito antigo e eterno, mas até agora nenhuma foi bem sucedida. Na situação actual da Palestina, a questão que se coloca é a seguinte: "Será ainda possível falar de um Estado palestiniano quando o território ocupado pelos palestinianos representa apenas cerca de 10%? A suposta solução de dois Estados, ainda defendida pelas instâncias internacionais e pelas grandes potências que apoiam Israel, mas rejeitada por ambas as comunidades, apenas criaria um Estado "Golias" face a um Estado "David", o que poderia terminar com a vitória do primeiro sobre o segundo.
Conferência de San Remo (Itália) em 1920
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Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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