segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Emigração: uma longa saga da viagem humana

 


 5 de Fevereiro de 2024  Robert Bibeau 


Por Khider Mesloub.

 

Historicamente, o fenómeno da emigração remonta aos primórdios dos tempos. A emigração é tão antiga como a própria humanidade. A mobilidade é intrinsecamente humana. É uma outra constante na história do homem e da humanidade.

Desde o seu aparecimento em África, a humanidade nunca deixou de migrar. Há mais de 200.000 anos que o homem se desloca em busca de novos territórios para conquistar ou colonizar. A mobilidade geográfica é a imagem de marca da humanidade. Este movimento incessante é uma caraterística humana. Os movimentos populacionais marcaram a história da humanidade, aproximando povos e culturas diferentes.

A história da humanidade foi marcada por migrações. O homem sempre quis ver se noutro lugar a relva é mais verde, se os recursos naturais são mais abundantes, se as condições climáticas são mais favoráveis à sobrevivência. Sem as migrações constantes, a raça humana nunca teria percorrido o globo terrestre nem moldado a história.

A história da humanidade é marcada por migrações incessantes. Os habitantes da Terra nunca deixaram de mudar o seu ambiente. Na Antiguidade e durante a Idade Média, muitos povos deslocaram-se de um continente para outro, nomeadamente entre a Ásia Central e a Europa.

Estes movimentos populacionais, ao favorecerem a mistura de culturas, deram continuamente origem a novas entidades étnicas e instituições políticas. Além disso, sem as migrações, não haveria agricultura, nem mesmo escrita. Antes de se difundirem na Europa através das migrações, as técnicas de plantação e de colheita já eram utilizadas há muito tempo no Próximo Oriente, onde tinham sido inventadas. Do mesmo modo, os primeiros alfabetos, inventados pelos povos semitas e no Egipto, foram mais tarde adoptados pelos gregos e romanos. E o que é que podemos dizer das populações asiáticas do Extremo Oriente chinês?

Não há dúvida de que nenhuma região do mundo foi povoada de forma "homogénea" e contínua ao longo do tempo. Nem uma cultura puramente autóctone e duradoura.

Portanto, somos todos filhos e filhas de imigrantes. A humanidade é feita de imigrantes. Não existe um povo eticamente puro. Homogéneo do ponto de vista racial. A humanidade é fruto de uma perpétua miscigenação de povos, de uma mistura de "raças", de etnias, de culturas, de línguas e sobretudo de modos de produção.

A Argélia é uma terra de acolhimento: os seus habitantes são descendentes de egípcios, iraquianos, sauditas, iemenitas, tunisinos, marroquinos, africanos, italianos, espanhóis, germânicos (vândalos), bizantinos, berberes, etc. Durante muito tempo, a Argélia foi um país de acolhimento e de ocupação estrangeira (acolheu milhares de tribos de vários países e foi conquistada à força por várias potências estrangeiras).

E agora, na era do capitalismo mundializado, é a vez de alguns argelinos emigrarem para outros países de acolhimento para venderem a sua mão de obra, usufruírem de melhores condições de vida e de salários "razoáveis". É a lei da evolução humana. Mais ainda no capitalismo, que se caracteriza pela circulação permanente de mercadorias, pessoas e trabalhadores (a mercadoria última). A emigração do capital, tal como a emigração das mercadorias e dos trabalhadores, é parte integrante do capitalismo.

"A pobreza leva as pessoas a emigrar, a riqueza convida à expatriação, mas quando chegamos somos todos imigrantes." A pobreza é repulsiva, a riqueza atractiva.


Qualquer proletário que leve uma vida de vagabundo, querendo furiosamente virar-lhe as costas, parte em busca do El Dorado, inclusive aceitando viver num país estrangeiro, clandestino.

Foi esta a situação na Europa durante séculos. No final do século XV, a Europa tinha-se tornado uma terra de emigração. Milhões de europeus, os "harragas" (imigrantes clandestinos – NdT) dos primórdios do capitalismo, fizeram-se ao mar em barcos improvisados, arriscando a vida para chegar ao Novo Mundo e a novas terras. Sem passaportes ou vistos. Apenas com o seu trabalho como bagagem. Ou o seu sentido de comércio, de negócio e de transacção. Ou o seu espírito predador, dominador e colonizador. Como foi o caso dos imigrantes europeus invasores que partiram à conquista da América. Os Estados Unidos são um país artificial construído por sucessivas vagas de imigrantes.


A própria classe operária europeia era constituída por 100% de imigrantes. Este facto é frequentemente esquecido. No caso da França, a classe operária francesa, por definição urbana, é o produto da emigração camponesa, da expatriação forçada da população rural, expulsa das suas terras para as obrigar a migrar para as cidades recém-industrializadas, aglomerações industriais à procura de mão de obra.

A França oficial e institucional, ou seja, monárquica, nobre e senhorial, foi ela própria obra de imigrantes "bárbaros". É preciso não esquecer que os verdadeiros construtores da França provêm de populações imigrantes germânicas, nomeadamente os francos. Eles próprios eram parentes dos turcos e dos macedónios. Os francos são originários da recomposição de numerosas tribos migratórias antigas, os Amsivarii, os Chattuarii e os Chattii, etc. Por comodidade e hábito, os romanos designavam-nos por "francos". Segundo os historiadores, os francos eram uma tribo de bárbaros que vagueou durante muito tempo pela Europa antes de se estabelecer nas províncias romanas, que conquistaram a partir do século V, antes de invadirem a Gália ou os gauleses.

Sem as invasões bárbaras e, por conseguinte, sem a chegada dos migrantes germânicos, a França (que não existia na altura; e se a Gália pôde entrar na história antes, foi graças aos romanos estrangeiros que, através da administração e do direito, reuniram os gauleses, até então desunidos) teria tido um destino menos real (nos dois sentidos da palavra). Quatro povos germânicos invadiram a Gália após a queda do Império Romano, mas só os francos, uma tribo guerreira, impuseram efectivamente o seu poder. Muito mais do que os Alamanni (na Alsácia), os Visigodos (no Midi) e os Borgonheses (na Borgonha).

É importante sublinhar que na "França" deste período antigo e proto-feudal, os povos não tinham uma língua única, nem cultos e culturas idênticos, nem uma consciência histórica comum, e muito menos uma consciência nacional. Além disso, a língua francesa nem sequer existia, uma vez que só surgiu por volta do ano 900 a partir de uma mistura de latim, germânico e franco. Chamava-se então "françois" (pronuncia-se "franswè"). Nessa altura, a língua francesa só era falada nas regiões de Orleães, Paris e Senlis, e apenas pelas classes sociais privilegiadas. Por outras palavras, o resto da plebe, os camponeses e os artesãos, falavam o seu dialecto local: alsaciano, basco, bretão, catalão, occitano ou langue d'oc, langue d'oïl, etc.

A França foi construída por imigrantes (francos) e estabeleceu como língua oficial uma "língua estrangeira" (em todo o caso, durante séculos estrangeira para a esmagadora maioria da população do hexágono, que falava o seu próprio vernáculo): cerca de 80% do vocabulário francês provém do latim, a língua falada em Itália, difundida pelo antigo Império Romano. A identidade nacional da França é fruto de diversas origens. Uma coisa é certa: na França multiétnica e multilingue, as identidades não são imutáveis, mas o resultado de uma mistura constante.

Do mesmo modo, a classe operária europeia é uma classe de imigrantes vindos do campo, do campesinato. Estes camponeses tiveram de deixar as suas aldeias para emigrarem para as novas cidades fabris, onde foram muito mal recebidos, tanto pela sua moral, considerada grosseira e, por conseguinte, incompatível com os valores da sociedade "civilizada" de acolhimento, como pela sua concorrência, considerada desleal (pela sua aceitação de retribuições módicas eles faziam baixar os salários).


O ostracismo dos imigrantes é tão antigo como a própria humanidade. A política de bode expiatório dos estrangeiros remonta aos primórdios dos tempos.

No entanto, após um longo período de declínio da migração europeia (os europeus -irlandeses, alemães, italianos, espanhóis, etc.) deixaram de emigrar após o fim da Segunda Guerra Mundial, graças aos "Gloriosos Anos Trinta"), quando a Europa entrou num período de crise, muitas pessoas estão novamente a começar a deslocar-se para o estrangeiro para escapar à pobreza.

De facto, desde 2022, à medida que a crise económica se agrava em toda a Europa, milhões de pessoas pensam em mudar-se para o estrangeiro para escapar ao elevado custo de vida provocado pela inflação especulativa galopante e pelo desemprego endémico.

Só em Inglaterra, 4,5 milhões de britânicos estão a pensar em mudar-se para o estrangeiro num futuro próximo para escapar ao elevado custo de vida. São estes os resultados de um inquérito britânico. Este fenómeno de expatriação afecta todos os países europeus. Por conseguinte, vários milhões de europeus são susceptíveis de emigrar para o estrangeiro. Comparado com as nossas poucas centenas de argelinos, este parece ser um verdadeiro êxodo.

Ironia da história, muitos dos europeus que desejam exilar-se optam por emigrar para um país do Golfo, o novo Eldorado dos emigrantes em busca de prosperidade. Seguindo o exemplo dos seus antepassados ao longo de vários séculos, estes novos migrantes estão simplesmente a seguir o seu instinto de sobrevivência, que lhes dita que emigrem para climas mais clementes, a fim de continuarem a usufruir de melhores condições de vida. Esta lei da sobrevivência migratória é uma lei que toda a humanidade, atirada para a miséria, cumpriu em algum momento da história.

Desde há cerca de trinta anos, após a década negra e a consequente falta de perspectivas profissionais, nomeadamente para os jovens com muitas qualificações, alguns argelinos optam, com grande pesar, por se exilarem para garantir um futuro melhor para si próprios. Esta partida forçada para o estrangeiro é sempre vivida como um desgosto, uma amputação do eu. Os argelinos não emigram porque já não amam o seu país, mas porque amam demasiado a vida. Por amor à vida, sacrificam uma parte de si próprios, da sua família, dos seus amigos, do seu bairro, da sua cidade, para viverem como a maioria dos seus contemporâneos em todos os países modernos, em condições sociais prósperas: ter um emprego, uma habitação decente, uma vida conjugal feliz, uma descendência educada, a garantia de um futuro radioso.

Na era do capitalismo mundializado, caracterizado pela interdependência das empresas e dos capitais e pela troca acelerada de mercadorias, os assalariados tendem também a integrar-se nestas dinâmicas de interconexão e de circulação. Acompanham o movimento de desenvolvimento e de migração tecnológica. Onde quer que o progresso ofereça melhores perspectivas de emprego e melhores condições de vida, os proletários deslocam-se e imigram. É a lei da oferta e da procura, que se aplica também ao mercado de trabalho, agora alargado à escala internacional. Onde a oferta de trabalho é maior, a mão de obra tende a deslocar-se. Onde as condições de vida são melhores, os pobres migram.

Tal como os capitalistas movimentam livremente o seu capital e deslocalizam facilmente as suas empresas para os quatro cantos do mundo, os proletários devem também, para assegurar a sua sobrevivência, fazer uso desse direito de migrar para onde possam beneficiar de melhores condições de trabalho e de remuneração. Eles não escolheram nascer sob o capitalismo, nem escolheram ser proletários (ou seja, aqueles que têm apenas a sua força de trabalho para sobreviver).

Dito isto, a terra pertence a toda a humanidade. Cada um é livre de encontrar a felicidade no país da sua escolha. Como escreve Tobie Nathan: "Pode dizer-se que a migração torna as pessoas mais ousadas". Pode, de facto, dar asas aos audazes. Por outras palavras, dá a capacidade de se ultrapassar, de ser transcendido por uma situação pela qual se está a lutar: um melhor nível de vida. A migração pode transformar um pássaro proletário, que definha no seu miserável ninho nacional, numa águia que domina a sua nova terra do alto do seu sucesso social e da sua prosperidade pessoal.

A expatriação pode também ser uma fonte de riqueza intelectual e cultural. Ibn Sina, conhecido no Ocidente como Avicena (do latim medieval Avicenna), discerniu e sublinhou com razão este facto: "O conhecimento adquirido num país estrangeiro pode ser uma pátria, e a ignorância pode ser um exílio vivido no próprio país".  Por outras palavras, a pobreza não é apenas material, mas também intelectual e cultural. Actualmente, algumas pessoas emigram por razões intelectuais, culturais ou religiosas.  Fogem da aridez cerebral e espiritual da sua sociedade esclerosada, repressiva e opressiva.

Uma coisa é certa: desde que a humanidade existe, a sua vida tem sido marcada por viagens e nomadismo. Em todo o caso, antes de se tornar sedentária, foi nómada durante centenas de milhares de anos.

O nomadismo é a marca do homem: sai da infância para a adolescência, depois abandona a adolescência para entrar na idade adulta, depois na idade da sabedoria, a velhice. De um bairro para outro. De uma cidade para outra. Um país por outro. A sua família para construir a sua própria família. A mulher por outra. Um emprego por outro. A vida pela morte.

Mesmo na morte, segundo várias religiões monoteístas, ele continua a sua viagem nómada, seja em direcção ao inferno ou ao paraíso. Mesmo no além, onde as eternas deambulações continuam provavelmente a impor-se à alma imortal do homem.

Segundo certas crenças da metempsicose (passagem da alma de um corpo para outro), a vida humana é uma eterna migração, uma vez que a alma viaja eternamente, passando sucessivamente por seres distintos (humanos, animais ou vegetais) no final de cada existência. Para esta doutrina, a transmigração das almas pode ocorrer não só nos seres humanos (reencarnação), mas também nos não-humanos, animais ou vegetais.

Khider MESLOUB

 

Fonte: L’émigration: une longue saga du périple anthropoïde – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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