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de Dezembro de 2024 René Naba
RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
O dossier “Gaza, um ano depois”, em cinco partes, é co-publicado em parceria com a Escola Popular de Filosofia e Ciências Sociais (Argel)
https://ecolepopulairedephilosophie.com/
https://www.madaniya.info/ dedica um dossier em duas partes a dois
países do Médio Oriente, em conflito um com o outro na guerra israelita em
Gaza,
– A Turquia, que possui o maior exército terrestre
da NATO, reduzida a um papel de comparsa devido à sua duplicidade.
-Iémen, o país árabe mais pobre, vencedor
de uma coligação petro-monárquica e agora uma equação incontornável do poder de
decisão regional devido ao seu envolvimento activo na guerra anti-Israel por
solidariedade com os palestinianos.
Iémen, uma equação de poder regional incontornável devido ao seu envolvimento na guerra de Gaza
Iémen, uma reprodução em miniatura de
Gaza; um ensaio geral antes do fim da guerra de Gaza.
Atormentado pela agressão petro-monárquica
desde 2015, sobreposta a um bloqueio terrestre pelas petro-monarquias e a um
bloqueio naval pela Quinta Frota dos EUA, ancorada em Manama, o Iémen tem sido
uma reprodução em miniatura de Gaza. Um primeiro ensaio geral para a guerra de Gaza
de 2023-2024
Apesar da considerável desproporção de forças e da destruição sistemática das infra-estruturas do Iémen pela força aérea saudita, tal como os israelitas fizeram em Gaza, os Houthistas mantiveram os seus adversários sob controlo, infligindo danos nos centros económicos vitais dos seus adversários, as instalações petrolíferas sauditas da ARAMCO e do Abu Dhabi, tal como o Hamas fez contra Israel.
Se contra Gaza, os americanos enviaram para Israel uma força de intervenção de 2.000 soldados para proteger o perímetro do centro nuclear de Dimona e o centro de espionagem electrónica Urim, os britânicos criaram um grande centro de espionagem electrónica no Iémen para decifrar as comunicações Houthi após uma série de reveses para as forças pró-monarquia em Agosto e Setembro de 2021, culminando com a queda do reduto da Al Qaeda no Iémen, no distrito de Al Bayda, geralmente referido como o Tora Bora do Iémen.
O centro de espionagem britânico foi construído no distrito de Al-Mahra, situado no sul da Península Arábica, na fronteira com Dhofar (Sultanato de Omã). Al-Mahra é uma zona cobiçada pela Arábia Saudita e pelo Sultanato de Omã. Os britânicos criaram este centro em Setembro de 2021, na sequência do ataque ao petroleiro israelita Mercer Street no Mar Arábico. Um petroleiro gerido pelo bilionário israelita Eyal Ofer. A missão do centro é descodificar não só as comunicações dos Houthistas, mas também as comunicações marítimas nesta zona altamente estratégica, na intersecção do Mar Vermelho, do Golfo de Aden, do Oceano Índico e do Golfo Pérsico.
Os britânicos estabeleceram um perímetro de segurança em torno desta base ao longo das costas do distrito, proibindo a pesca aos habitantes locais, o que provocou o descontentamento da população, privada de uma fonte de rendimento.
O desenvolvimento desta base britânica vem completar as instalações ocidentais em Djibuti, que é uma verdadeira encruzilhada de cabos submarinos, o “local de chegada dos cabos submarinos que ligam a Europa, o Médio Oriente, a Ásia e a África”. Com 8 cabos submarinos, o Djibuti é o quarto país mais conectado do continente africano. Desde 2013, é a sede do primeiro centro de dados da região. Actualmente, o país sonha em tornar-se um centro digital regional.
Vitoriosos sobre os seus adversários de coligação, os Houthistas estão, no entanto, empenhados numa guerra contra Israel, em solidariedade com o Hamas palestiniano, desde a operação “Dilúvio de Al Aqsa”, em Outubro de 2023, perturbando o tráfego marítimo internacional numa zona que é a veia jugular do sistema energético mundial.
Um passeio no parque que se transforma em pesadelo
O Iémen normalmente serve como um farol de
segurança para a Arábia Saudita no seu flanco sul, uma função idêntica à do
Bahrein no seu flanco norte, a tal ponto que, para garantir o seu trono, a
dinastia Wahhabi interveio militarmente nestes dois países aos primeiros
vislumbres da Primavera Árabe, para reprimir, em Fevereiro de 2011, a revolta
popular em Manama e para empurrar a revolta popular árabe para os países com
uma estrutura republicana na costa do Mediterrâneo (Líbia, Síria), depois contra
o Iémen, a fim de derrotar a hidra Houthi do Iémen com a ajuda da sua união
petro-monárquica e dos seus países satélites.
Durante trinta e cinco anos, de 1960 a
1995, a Arábia Saudita exerceu total controlo sobre a vida política do Iémen,
tanto sob o mandato de Ali Abdallah Saleh como dos seus antecessores,
nomeadamente o Coronel Ibrahim Al Hamdi, que ela assassinará, ao ponto de se
opor à criação de um ministério da defesa para poder conceder subsídios directos
tanto às forças armadas do Iémen como às principais confederações tribais.
O baptismo do rei Salman Ben Abdel Aziz no
Iémen, em 25 de Março de 2015, dois meses após a sua ascensão ao trono,
pretendia ser uma demonstração da força e do vigor do monarca, após dez anos de
letargia induzida por seu antecessor, o nonagenário Abdallah .
A obra do seu filho, o príncipe herdeiro
Mohammad Ben Salman, a expedição punitiva deste monarca octogenário, também
portador de uma doença debilitante (Alzheimer), contra o país árabe mais pobre,
transformou-se num pesadelo. A caminhada transformou-se numa jornada até o fim
do inferno.
O soberano, cauteloso, tinha, no entanto,
tomado todas as precauções: para a primeira guerra frontal da dinastia Wahhabi
desde a fundação do Reino, há quase um século, foi criada uma coligação de sete
países, alinhando 150.000 soldados e 1.500 aviões. Uma força-tarefa (task-force,
NdT) apoiada por mercenários de empresas militares privadas do tipo Blackwater
de memória sinistra e da conivência tácita das “Grandes Democracias
Ocidentais”.
A punição pretendia ser exemplar e
dissuadir todos os que se opusessem à hegemonia saudita na região, nomeadamente
os houthis, uma seita cismática do islão sunita ortodoxo, tanto mais que a
dinastia wahhabita considera o Iémen, o país situado à direita (Yamine) no
caminho para Meca, segundo o seu significado etimológico, como a sua reserva
absoluta, a sua válvula de segurança.
De 2015 a 2023, o número de perdas
iemenitas é pesado: 150 mil pessoas mortas, mais de 227 mil iemenitas também
morreram devido à fome e à falta de cuidados de saúde durante a guerra. A crise
humanitária continua até hoje.
A expedição punitiva petro-monárquica – “A
Tempestade da Firmeza” – revelou-se, no entanto, catastrófica, apesar do
bloqueio naval da Quinta Frota Americana na área (Golfo Pérsico-Oceano Índico),
apesar da poderosa ajuda da França para um mini-desembarque de tropas
legalistas em Áden, a partir da base militar francesa no Djibuti. Apesar da
supervisão francesa das tropas sauditas assegurada pelo contingente da Legião
Estrangeira estacionado na base francesa no Abu Dhabi, “Cidade Militar de
Zayed”. Apesar do desenvolvimento de uma base de rectaguarda saudita na cidade
portuária de Assab (Eritreia), no Mar Vermelho, para o recrutamento e formação
de quadros do exército leal pró-saudita.
Mas a solidariedade com a luta palestiniana não é a única motivação dos Houthis.
Questões estratégicas do Golfo Pérsico e do Estreito de Ormuz
O Golfo Pérsico-Árabe, um dos principais
fornecedores de energia do mundo, serve também de gigantesca base militar
flutuante para o exército americano, que se abastece em profusão junto dos seus
protegidos petro-monárquicos, no seu próprio país e a preços baixíssimos. Todos
eles, em graus diferentes, pagam aqui o seu tributo, dando ao seu protector
todas as facilidades. A zona é coberta por uma rede de bases aéreas navais
anglo-saxónicas e francesas, as mais densas do mundo.
Com um curso de água de mil quilómetros de comprimento e cerca de 50 quilómetros de largura no seu ponto mais estreito, o Golfo é uma junção entre o mundo árabe e o mundo persa, entre o sunismo e o xiismo, os dois grandes ramos do Islão.
Faz fronteira com o Irão, que se considera a ponta de lança da Revolução Islâmica, com o Iraque, que há muito se considera a sentinela avançada do flanco oriental do mundo árabe, e com seis monarquias petrolíferas de formação recente, pouco povoadas e vulneráveis, mas cuja produção de petróleo bruto é a mais elevada do mundo.
É também uma zona intermediária entre a Europa, para a qual é o primeiro fornecedor de petróleo, e a Ásia, que seria a primeira a ser afectada por qualquer interrupção do tráfego marítimo. Por fim, segundo os estrategas ocidentais, o Golfo apoia o famoso “arco do Islão” de confrontação no Terceiro Mundo, que se estende do Afeganistão a Angola, passando pelo Corno de África.
A maior armada pós-Vietname concentrou-se aí durante a guerra Iraque-Irão (1979-1989). Nada menos de 70 navios, com um total de 30.000 homens, pertencentes às frotas de guerra americana, soviética, francesa e britânica, cruzaram as águas do Golfo, do Estreito de Ormuz, do Mar Arábico e do norte do Oceano Índico. Esta armada era complementada por frotas dedicadas à defesa costeira dos países da região.
Com o alastramento do conflito Iraque-Irão, na sequência da decisão iraquiana de declarar uma “zona de exclusão marítima”, 540 navios (petroleiros, cargueiros) foram afundados ou danificados - quase o dobro da tonelagem afundada durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), transformando esta via navegável num gigantesco cemitério marinho.
O encerramento total do Estreito de Ormuz, por onde transitam 90% do petróleo produzido no Golfo, privaria o Ocidente de um quarto do seu consumo diário de energia. Vinte mil navios passam todos os anos por esta auto-estrada marítima, transportando um terço do abastecimento energético da Europa.
Em Manama (Bahrein), a frota americana instalou o quartel-general da Quinta Frota, responsável pelo Oceano Índico. Dispõe igualmente de instalações na ilha de Masirah (Sultanato de Omã), bem como na costa africana do Oceano Índico, em Berbera (Somália), Mombaça (Quénia) e na ilha britânica de Diego Garcia.
Como sinal da importância estratégica da zona, durante o protectorado britânico sobre o sul da Arábia, o Reino Unido fez do porto de Aden, a principal cidade do sul do Iémen, o bastião da presença britânica a leste do Suez para assegurar a rota para a Índia.
A militarização das rotas marítimas é também um dos objectivos de Washington nesta zona de absoluta ilegalidade que liga o Mediterrâneo ao Sudeste Asiático e ao Extremo Oriente através do Canal do Suez, do Mar Vermelho e do Golfo de Aden. Nesta zona altamente estratégica, os Estados Unidos efectuaram o maior destacamento militar fora do território nacional em tempo de paz.
O mundo árabe tem três das principais rotas marítimas transoceânicas, mas não controla nenhuma delas. O Estreito de Gibraltar, que faz a ligação entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo, está sob a vigilância da base britânica situada no promontório de Gibraltar, um enclave em território espanhol.
A junção do Mediterrâneo com o Mar Vermelho está sob o controlo das bases britânicas situadas nas duas extremidades do Canal do Suez (as bases de Dhekelia e Akrotiri (Chipre) e a base de Masirah (Sultanato de Omã).
Por fim, a passagem entre o Golfo Pérsico e o Oceano Índico está sob o controlo apertado de uma série de bases da NATO: o campo franco-americano em Djibuti, a base aérea naval francesa em Abu Dhabi, o quartel-general do CENTCOM no Qatar e a base aérea naval americana em Diego Garcia.
Em virtude do princípio da liberdade de navegação, todas as rotas transoceânicas, com excepção do estreito de Bering, estão sob controlo ocidental. Do Estreito de Gibraltar ao Bósforo, aos Dardanelos, ao Estreito de Malaca e ao Estreito de Ormuz.
Enquanto a China conseguiu contornar este estrangulamento desenvolvendo a sua “estratégia do colar de pérolas” através do desenvolvimento de uma série de portos amigos ao longo das suas rotas de abastecimento, do Sri Lanka à África Oriental, à Europa com a zona de comércio livre do Pireu e à Rússia com Tartous e Banias na costa síria do Mediterrâneo, o mesmo não aconteceu com o mundo árabe. Para além de alinhar estes países recalcitrantes à hegemonia ocidental, o confronto está também na base de uma operação de contorno do Estreito de Ormuz, substituindo a via terrestre pela via marítima para o transporte de hidrocarbonetos do Golfo para a Europa, através dos portos mediterrânicos da Turquia, pelo projecto TAP, o oleoduto transanatoliano destinado a fazer chegar à Europa a produção de petróleo bruto das petro-monarquias e do Iraque.
O desenvolvimento da capacidade do oleoduto da antiga IPC (Iraq Petroleum Cy) desde os campos petrolíferos do Norte do Iraque até ao terminal sírio de Banias está também nos planos das companhias petrolíferas, em caso de queda do regime sírio, reduzindo assim a dependência excessiva da Europa Ocidental em relação aos hidrocarbonetos provenientes da Argélia e da Rússia, dois países fora da esfera da Aliança Atlântica. Trata-se de um imperativo, tendo em conta a evolução do tráfego marítimo mundial: dos vinte maiores portos de contentores do mundo, treze situam-se na Ásia, um continente que será responsável por mais de metade da produção mundial em 2020.
Na perspectiva de um confronto, os Estados Unidos concluíram um novo sistema de radar no Qatar, que se junta aos já instalados em Israel e na Turquia, para formar um vasto arco regional de defesa anti-míssil.
Quase 80 anos após a sua independência, os países árabes continuam sob controlo. A coberto do princípio da liberdade de navegação, o mundo árabe e as suas jazidas petrolíferas estão a ser drasticamente controlados.
O mesmo se aplica à navegação e ao direito à auto-determinação, que, estranhamente, confere independência ao Kosovo e ao Sudão do Sul, mas não à Palestina ou ao Sara Ocidental, reduzindo este princípio a uma variável de ajustamento conjuntural.
O império marítimo de Abu Dhabi
Sob a liderança do seu presidente, Mohamad Ben Zayed, os Emirados Árabes Unidos realizam a diplomacia portuária e de canhoneiras há quase dez anos, do Iémen ao Corno de África, procurando estender a sua influência ao Oceano Índico. Se o Abu Dhabi se queixa dos objectivos expansionistas do Irão, censurando Teerão pela anexação, durante o tempo do Xá do Irão, de três ilhotas no Golfo Árabe-Pérsico (a ilha de Abu Moussa e o Grande e Pequeno Túmulo), também não hesitou anexar a ilha iemenita de Socotra, na entrada do Golfo de Aden.
Presença israelita no Mar Vermelho
Mas, para além da solidariedade com os
palestinianos, o compromisso dos Houthis na guerra contra Israel vai ao
encontro de um objectivo estratégico: afrouxar o controlo que rodeia o Iémen,
tanto pela NATO como por Israel.
Israel reforçou consideravelmente a sua
presença no Mar Vermelho para combater o Irão. A Marinha Israelita está
presente na área em portos da Eritreia, e em pequenas unidades navais no
arquipélago Dahlak e Massawa, e num posto de escuta no Monte Amba Sawara. “A
presença de Israel na Eritreia é muito focada e precisa, envolvendo a recolha
de informações no Mar Vermelho e a monitorização das actividades iranianas”,
afirma Stratfor, a empresa americana de consultoria estratégica.
Além disso, Israel e os Emirados Árabes
Unidos, que normalizaram as suas relações diplomáticas em 2020, assinaram um
acordo de comércio livre “histórico”, o primeiro do género entre o Estado
hebreu e um país árabe.
Dubai e Bahrein também contribuíram
discretamente para aliviar o bloqueio marítimo que atinge Israel desde a
decisão dos Houthis no Iémen de impedir o abastecimento do porto de Eilat.
Navios de carga com destino a Israel descarregam a sua carga em Manama e Dubai
para serem transportadas em camião até ao estado judeu.
E a Autoridade Portuária do Dubai (DPA),
empresa gestora dos portos DP World do Dubai, associou-se a um grupo israelita
para licitar um dos dois principais portos de Israel e estudar a abertura de
uma linha de navegação directa entre os dois estados do Médio Oriente. A
estatal DP World, que opera portos de Hong Kong a Buenos Aires, assinou uma
série de acordos com a Dover Tower de Israel, incluindo uma oferta conjunta
para privatizar o porto mediterrâneo de Haifa, um dos dois principais terminais
marítimos de Israel: Os portos de Ashdod e Haifa são os alvos. A DPA também
está presente em África, particularmente no Senegal, e o Abu Dhabi empreendeu
uma colonização económica desenfreada de África.
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Para aprofundar este tema, consulte este
link: https://www.madaniya.info/2020/11/15/abou-dhabi-vers-une-colonisation-economique-de-lafrique/
Israel justificou a sua presença no Mar
Vermelho pelo facto de a tomada do poder pelos Houthis ter como consequência
imediata o incentivo ao tráfico de armas a partir da Faixa de Gaza controlada
pelo Hamas, através da Península Egípcia do Sinai. Durante anos, as armas
iranianas destinadas a este enclave, sujeito a um bloqueio israelita, passaram
pelo Sudão. Mas as autoridades sudanesas, na sequência de vários ataques de
drones atribuídos a Israel contra comboios de armas, recusaram-se a permitir
que os iranianos abrissem uma base permanente no seu território.
Os Houthis têm, portanto, contas antigas a
acertar com Israel devido às suas repetidas intervenções secretas na guerra
civil no Iémen, que remonta à década de 1960, devido à grande importância que
este país tem aos olhos dos estrategas israelitas como uma saída de Israel ao
Oceano Índico e ao Extremo Oriente.
A vassalagem está tão bem internalizada
que o Abu Dhabi até procurou forçar o Iémen a normalizar as suas relações com
Israel muito antes da conclusão do “Pacto de Abraão” na primeira década do
século XXI, durante o tempo do Presidente Abdallah Saleh, ao. ponto de a
agressão petro-monárquica contra o país árabe mais pobre apareceu
retrospectivamente como uma tentativa de trazer este país recalcitrante,
considerado uma importante encruzilhada estratégica de navegação marítima
internacional.
Ali Abdullah Saleh, assassinado em 4 de Dezembro
de 2017, governou o Iémen durante 34 anos, primeiro como Presidente da
República Árabe do Iémen, de 1978 a 1990, e depois como Presidente do Iémen
unificado, de 1990 a 2012.
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos utilizaram contra o Iémen os mesmos métodos utilizados pelos israelitas contra os palestinianos: eliminar civis indefesos para semear o terror e destruir sistematicamente a infra-estrutura do país, a fim de minar os alicerces da vida cultural e social, com o objectivo subjacente de forçando o Iémen a subscrever a ordem petro-monárquica regional. E normalizar as suas relações com Israel. Esta é a principal revelação contida num documento publicado pelo jornal libanês Al Akhbar datado de 9 de Outubro de 2020. Israel trouxe a sua experiência para a coligação petro-monárquica na sua guerra de agressão contra o Iémen, lançada em 2015, e procurou, em compensação, obter a restituição da nacionalidade iemenita a várias dezenas de milhares de judeus iemenitas que fugiram do país para Israel no momento da proclamação da independência do Estado Hebraico”, acrescenta o jornal relatando as palavras do Sr. Yehya Sarih, porta-voz das forças armadas do Iémen.
A rivalidade entre Abu Dhabi e Catar
A guerra da picrocolina entre Abu Dhabi e
o Qatar constitui, antes de mais, uma guerra dos incendiários do Golfo com o
objectivo de culpar os outros pela devastação do planeta que a empresa
petrolífera (Abu Dhabi) e a empresa de gás (Qatar) infligiram ao resto do mundo
pela desintegração planeada do mundo árabe.
A promoção dos antigos corsários da
pirataria marítima da “Costa dos Piratas”, estes “anões petro-monárquicos”, ao
posto de Mestres do Mundo Árabe pelo campo atlantista, em nome da “democracia
do carbono” ficará para a posteridade como sintoma de uma grave aberração
mental, contra-producente, ao mesmo tempo como uma mancha moral indelével a ser
inscrita na história do mundo ocidental.
Para além desta aversão mútua, o Abu Dhabi
demonstra uma agressão desenfreada ao Qatar pelo seu papel como incubadora do
jihadismo errático durante a chamada sequência da Primavera Árabe,
particularmente durante a Guerra da Síria (2011-2014). O Abu Dhabi acusou a
Irmandade Muçulmana, da qual o Hamas é o braço palestiniano, de ter fomentado
um golpe de Estado contra a dinastia Ben Zayed. Assumindo a posição oposta de
Doha, o Abu Dhabi demonstrou então a sua solidariedade com Damasco, agora a operar
com plenos poderes consulares, a embaixada da Síria na capital dos Emirados
Árabes Unidos.
Desde então, o Abu Dhabi tem sofrido com a
reabilitação da imagem hedionda do Qatar na opinião ocidental, particularmente
após o papel de Doha na evacuação de cidadãos ocidentais do Afeganistão após a
queda de Cabul nas mãos dos Taliban, em 15 de Agosto de 2021, e o seu papel na
libertação de reféns israelitas e ocidentais detidos pelo Hamas em Gaza, em Novembro
de 2023
Quarto maior produtor mundial de gás
(depois dos Estados Unidos, Rússia e Irão), membro da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP), o Qatar recusou-se a aderir à Federação dos
Emirados Árabes Unidos. Ele, portanto, administra uma riqueza fabulosa por sua
própria conta.
Padrinho da Irmandade Muçulmana, é o
financiador oficial de Gaza e do Hamas.
Para superar o seu rival do gás, o Abu Dhabi também se envolveu na restauração da Autoridade Palestiniana com vista a substituir este órgão tão difamado pelo Hamas em Gaza no final das hostilidades, de acordo com os desejos dos israelitas e dos americanos .
Os Estados Unidos reactivam a guerra no
Iémen, através das tribos iemenitas sob a supervisão do Abu Dhabi, a fim de
conter os ataques contra Israel
Os Houthis, ansiosos por não comprometer a
sua trégua com a Arábia Saudita, notificaram Riade da sua intenção de realizar
ataques balísticos contra Israel, num movimento que apareceu como um pedido
para a passagem inofensiva dos seus projécteis. Escaldados pela sua desventura
no Iémen, os sauditas adoptaram uma atitude discreta face a esta nova crise
regional, contentando-se com apelos à “contenção”, uma forma educada de
desinteresse.
Esta aparente neutralidade não impediu, no
entanto, a Arábia Saudita de participar, em meados de Junho de 2024, em Manama,
numa reunião conjunta do chefe do Estado-Maior israelita, Herzi Halévi, com os
seus homólogos de cinco países árabes (Egipto, Jordânia, Arábia Saudita ,
Emirados Árabes Unidos e Bahrein). Esta reunião secreta realizada sob a égide
do Centcom, comando central americano, teve como objectivo coordenar a defesa
destes países contra ataques balísticos dos países do “eixo de resistência”
(Iémen, Iraque, Líbano) e considerar “o dia seguinte “em Gaza, nomeadamente a
participação das forças árabes na manutenção da ordem no enclave em
substituição do Hamas.
A Arábia Saudita também está
indirectamente a exercer pressão sobre Sanaa através de restricções às
actividades bancárias árabes e islâmicas que operam no Iémen, mas os Houthis,
em resposta, criaram um escritório de coordenação em Bagdad com a milícia
iraquiana Al Hachd Al Chaabi
Para quem fala árabe; veja este link .
Mas este comportamento ambivalente dos
sauditas não agradou aos americanos, que trabalharam para reactivar a guerra no
Iémen, através das tribos iemenitas sob a supervisão do Abu Dhabi, a fim de
conter os ataques contra Israel. Melhor ainda, os líderes pró-Abu Dhabi do sul
do Iémen apressaram-se a fazer as suas ofertas de serviço. Assim, Aidarous Al
Zoubeidi, presidente do Conselho de Transição do Iémen do Sul, mobilizou-se em
apoio a Israel, fazendo ofertas de serviço aos americanos, propondo mesmo a
abertura de uma nova frente no Iémen do Norte até para aliviar a pressão sobre
o Estado Hebraico.
Ansiosos, porém, por evitar uma extensão
do conflito entre Israel e Gaza ao perímetro ultra-sensível do Golfo Pérsico
Árabe, do Oceano Índico e do Mar Vermelho, os Americanos condicionaram o seu
acordo ao facto de os Iemenitas do Sul serem colocados sob o comando do general
Tarek Saleh, chefe do Estado-Maior do governo do Iémen do Sul, cujas forças
estão posicionadas perto do estreito de Bab El Mandeb, coordenando também as
suas operações com o comando da Quinta Frota norte-americana baseada em Manama.
O General Tarek Saleh foi investido por
Abu Dhabi na defesa do Golfo de Aden.
Quaisquer que sejam os seus planos, o
Egipto foi responsável por neutralizar os primeiros mísseis iemenitas
disparados na direcção de Israel, levando os Houthis a mudar a sua trajectória.
Para além do seu tratado de paz com
Israel, o Cairo parece preocupado com o facto de a tensão no Mar Vermelho dificultar
a navegação no Canal de Suez, privando o Egipto de receitas substanciais
resultantes do direito de passagem através da via navegável que liga o Golfo
Arábico ao Mediterrâneo.
Mais de 68 navios passam diariamente pelo
Canal de Suez para transportar 12% dos bens comercializados no mundo. Além
disso, o desvio do tráfego marítimo através do Cabo da Boa Esperança aumentará
consideravelmente os custos do transporte marítimo e, portanto, reavivará a
inflação na Europa já afectada pela Guerra da Ucrânia.
O trânsito através do Mar Negro foi
amplamente interrompido após a invasão da Ucrânia pela Rússia; a seca reduziu
os fluxos de água através do Canal do Panamá, limitando o transporte marítimo e
aumentando os custos.
Em todos os aspectos, a guerra de destruição
israelita de Gaza, através das suas voltas e reviravoltas, parece calamitosa,
tanto para a imagem de Israel, que foi grandemente prejudicada na opinião
ocidental, como para o crédito dos Estados Unidos, que é incapaz de quebrar o
impulsos vingativos do seu potro israelita, bem como da economia europeia e do
Ocidente em geral.
Ao iniciar “a incursão militar mais bem
sucedida do século XXI”, nas palavras de William Scott Ritter, antigo inspector
da comissão especial das Nações Unidas no Iraque entre 1991 e 1998, o Hamas
reabilitou-se aos olhos da opinião árabe sobre o seu desvio no início da
Primavera Árabe, ao reunir, em 2011, a coligação islamo-atlantista, contra os
seus irmãos de armas da Síria e do Hezbollah libanês.
Ao fazer-se passar por um verdadeiro
defensor da Mesquita de Al Aqsa, o movimento islâmico palestiniano é agora
visto por uma grande fracção dos palestinianos como o autêntico representante
da luta nacional palestiniana, face a uma Autoridade Palestiniana
desacreditada. O mesmo se aplica ao canal transfronteiriço de língua árabe do
Qatar, Al Jazeera, que pagou um preço elevado pela liberdade de informação numa
guerra que Israel queria que ocorresse à porta fechada.
Desde o início da resposta israelita
contra Gaza, em 8 de Outubro de 2023, os Houthis lançaram mais de uma centena
de ataques contra navios que atravessavam o Mar Vermelho. Eles filmam drones
feitos por eles mesmos por 2 mil dólares cada. Em resposta, a Marinha dos EUA
está a tentar derrubá-los usando mísseis que custam entre 1 milhão e 4 milhões
de dólares cada.
Em última análise, foi o movimento de
resistência mais pobre e menos armado que criou a principal surpresa no final
de 2023: os Houthis que começaram a atacar selectivamente navios com destino a
Israel ou afiliados ao país. O resultado líquido desta acção é a redução de 85%
no tráfego no porto israelita de Eilat.
Os combatentes iemenitas impõem a sua própria versão da política de duplo padrão ocidental, na qual todos os outros navios são livres de passar. Navios russos, chineses e iranianos, bem como navios registados no resto do mundo, passam sem incidentes pelo Estreito de Bab el-Mandeb para passar pelo Mar Vermelho em direcção ao Canal de Suez.
A Batalha de Radfan
Para que conste, os bombardeamentos
anglo-americanos no Iémen coincidiram com o 60º aniversário da chamada revolta
Radfan, em 1964. Um facto que caiu no lixo da história na memória dos
anglo-saxões, mas não naquela dos Houthis
Radfan é uma região montanhosa localizada
a cerca de cinquenta quilómetros a norte de Áden, o principal porto do sul do
Iémen. No início da década de 1960, fazia parte de uma criação colonial
britânica – a Federação da Arábia do Sul, um agrupamento de xeques e sultanatos
estabelecido por Londres.
O Reino Unido estava preparado para
conceder a independência à Arábia do Sul, sob certas condições. Sir Kennedy
Trevaskis, o Alto Comissário em Aden, observou que a independência deve
“garantir que plenos poderes passem decisivamente para mãos amigas”. O
território permaneceria assim “dependente e sujeito à nossa influência”.
Grande parte da população recusou-se a
cooperar com os planos britânicos. Em Janeiro de 1964, os membros da tribo
Radfan lançaram ataques contra alvos da Federação e comboios britânicos na
região.
Na memória viva das pessoas, as feridas
nunca cicatrizam. A luta contra o colonialismo ocidental continua viva no
Iémen, o que explica o ardor dos Houthis.
Notavelmente, o tráfego marítimo nos
países do “Sul global” (Ásia, América Latina, África) não foi afectado por este
confronto entre o país árabe mais pobre e o país mais poderoso do mundo.
Ao reconhecer a capacidade regional de
perturbação de um movimento confinado até agora no muito complexo teatro
iemenita, os Estados Unidos estão a fazer o jogo do poder Houthi. Confrontado
com novos conflitos na Europa (Ucrânia) e no Médio Oriente (Israel-Palestina),
e tensões no Indo-Pacífico, Washington deve mobilizar as suas forças em todas
as frentes, o que exacerba as vulnerabilidades do seu aparelho militar para um
período político crucial.
Os Houthis, o grande desafio para a
marinha americana na contemporaneidade
A batalha do Mar Vermelho liderada pelos
Houthis constitui o maior desafio para a marinha americana da era contemporânea
na medida em que põe em causa a primazia da marinha americana nesta zona
sensível através da qual transitam dois terços dos abastecimentos estratégicos
de Israel.
Na aplicação da “teoria do anel marítimo”,
os Estados Unidos pretendiam, de facto, conter a China e a Rússia, já
percebidas como os dois principais concorrentes dos Estados Unidos no século
XXI.
No 6º mês do conflito
israelo-palestiniano, ocorreu uma manobra naval conjunta dos países BRICS
(Rússia, China, África do Sul) além do Irão, Paquistão, Cazaquistão e
Azerbaijão, na zona de confronto dos Houthis com os Marinha Ocidental (Estados
Unidos, Reino Unido, França), em 12 de Março de 2024, no sector Mar
Vermelho-Golfo de Aden, numa abordagem subliminar pretendia desafiar a marinha
dos três países da NATO sobre a livre disposição deste perímetro altamente
estratégico.
Além destas manobras, os Houthis
bombardearam o arquipélago de Socotra, concretamente o ilhéu Abd al Kuri, que
alberga uma base conjunta do Abu Dhabi e dos americanos, numa demonstração da capacidade
de intervenção das milícias iemenitas. O bombardeamento de Socotra teve também
como objectivo impedir a transformação da base americano-emirada numa
plataforma de orientação da navegação para o porto israelita de Eilat (Oum Al
Rachrach na sua designação palestiniana).
Socotra é a maior ilha do arquipélago de
Socotra composta, além de Socotra, por Abd al Kuri, Darshas, e pelas ilhotas
rochosas de Sabuniyah e Kal Firawn. Socotra mede 133 quilómetros de comprimento
e cerca de quarenta quilmetros de largura, enuma área de 3.579 km 2. Localizada
a 1.000 km de Sana'a, com 140 km de comprimento e 40 km de largura, Socotra é
um arquipélago de quatro ilhas isoladas e duas ilhotas rochosas, está
localizada no noroeste do Oceano Índico, próximo do Corno de África.
Recorde-se: Os americanos procederam, a
partir do final da Segunda Guerra Mundial, ao seu desdobramento geo-estratégico
segundo a configuração do mapa do almirante William Harrison, desenhado em 1942
pela Marinha americana, com vista a circundar todo o mundo eurasiano ,
articulando a sua presença num eixo baseado em três posições centrais: o
Estreito de Behring, o Golfo Árabe-Pérsico e o Estreito de Gibraltar.
Com o objectivo de provocar uma
marginalização total de África, uma marginalização relativa da Europa e
confinar num cordão de segurança um “perímetro insalubre” constituído por
Moscovo-Pequim-Delhi-Islamabad, contendo metade da humanidade, três mil milhões
de pessoas, mas também a mais elevada densidade da miséria humana e a maior
concentração de drogas do planeta
85 anos depois, os Houthis mantêm a
vantagem contra a frota ocidental, enquanto a marinha iraniana controla a
totalidade de uma das duas costas do Golfo Arábico e a China, que tem uma base
no Djibuti, também está fortemente presente economicamente na Etiópia, além
disso, patrocinadora do acordo para normalizar as relações entre as duas
potências regionais do Golfo petrolífero, os dois líderes antagónicos do mundo
muçulmano, a Arábia Saudita e o Irão.
Para aprofundar este assunto, consulte este
link https://www.madaniya.info/2023/06/01/accord-iran-arabie-saoudite-sous-legide-de-la-chine/
A nova versão da guerra de Gaza confirma
isto: nos confins do mundo árabe, os combatentes furtivos dos planaltos do
Iémen, na zona do Golfo, e os combatentes do Hezbollah, no Mar Mediterrâneo,
através do seu envolvimento, estão agora em equação essencial para o poder de
tomada de decisão regional; indicação clara do início da desocidentalização do
Planeta.
Sobre a guerra de desgaste travada pelo
Hezbollah contra Israel, veja este link https://www.madaniya.info/2023/12/12/france-gaza-un-plan-abracadabrantesque-francais-pour-la-cessation-of-
hostilidades em Gaza/
Para aprofundar o tema do Iémen, veja
estes links para falantes de árabe:
Os Estados Unidos estão a reactivar a
guerra no Iémen, através das tribos iemenitas sob a supervisão do Abu Dhabi, a
fim de conter os ataques Houthi contra Israel, leia neste link .
Os líderes pró-Abu Dhabi do Iémen do Sul
estão a correr para fazer as suas ofertas de serviço, leia neste link .
As principais companhias marítimas
internacionais estão a afastar-se do Mar Vermelho por medo da balística Houthi.
O Egipto e a Arábia Saudita derrubaram os
primeiros mísseis iemenitas disparados contra Israel, levando os Houthis a
mudar a sua trajectória.
Os Houthis informaram antecipadamente a
Arábia Saudita sobre o seu envolvimento na guerra de Gaza em apoio ao Hamas,
leia neste link .
Sobre a questão das petromonarquias que o
Iémen enfrenta, veja estes links:
·
https://www.renenaba.com/larabie-aoudite-face-au-double-defi/
·
https://www.renenaba.com/larabie-aoudite-face-au-double-defi-2/
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/295925
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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