Publicamos aqui um
artigo da Fracção Interna da CCI (FICCI) datado de 2004. Foi publicado no seu
boletim 26. O objectivo político desta republicação é múltiplo. Em primeiro
lugar, continuamos o nosso esforço de reapropriação e de reflexão sobre a
teoria da crise e os debates que ela tem gerado, que iniciámos no número
anterior com a reprodução do texto de Anton Pannekoek sobre A teoria do colapso do
capitalismo. Em segundo lugar, o texto da FICCI baseia-se num artigo do
então BIPR, actual Tendência comunista internacionalista, que retomava a
questão da decadência, reafirmando a sua realidade, mas alertando contra
qualquer visão mecânica ou fatalista da crise do capital que o veria
desmoronar-se por si mesmo ou, pelo menos, enfraquecer-se de tal forma que
bastaria um simples movimento do proletariado para o destruir. Evidentemente,
partilhamos e apoiamos esta visão e esta posição.
Este artigo tem também
o mérito de apresentar não só o debate entre Pannekoek e Paul Mattick, que teve
lugar no meio conselhista dos anos 30, sobre a crise em si, mas também as
questões políticas que lhe estão subjacentes: ou como a visão catastrófica ou fatalista
da crise está ligada ao conselhismo, essa forma moderna de oportunismo economicista
que Lenine combateu no início do século XX; como a visão, veiculada por
Mattick, segundo a qual a catástrofe da própria crise e as suas repercussões
nas condições de vida do proletariado conduziriam mecanicamente este último à
luta revolucionária. O resultado é uma subestimação tanto do papel como da
dimensão, ou escala, da consciência de classe - e, portanto, do partido
político proletário.
Se o texto tivesse
ficado por aqui, as razões para a sua republicação hoje teriam sido largamente
satisfeitas. Mas, como bónus suplementar, o texto da FICCI retoma também a
teoria da decomposição do CCI. Mostra claramente que se trata de uma versão
moderna da teoria oportunista do colapso automático do capitalismo. É claro que
a crítica da FICCI permanece dentro do quadro programático da CCI original - em
particular a sua plataforma dos anos 70 - e, portanto, também da posição de
Rosa Luxemburgo, como exposta no seu livro A Acumulação de Capital. Não poderia ser de
outra forma, uma vez que ela se definiu e interveio como uma “fracção interna”
dessa organização. A este respeito, o texto mostra claramente o salto
“qualitativo” que se deu entre o quadro de decadência definido pelo CCI nos
anos 70 e a adopção da teoria da decomposição e, sobretudo, a substituição de
facto da primeira pela segunda. Não há dúvida de que a análise original da
decadência feita pelo PCCE tinha fraquezas conciliares. Mas a transição para a
decomposição marcou de facto o início de um processo de questionamento das
posições históricas da organização.
Hoje em dia, começam a
aparecer críticas à teoria da decomposição da CCI, como as Contra-teses sobre a
decomposição que apareceram no site “opposition-communiste.org”, ou no da
revista conselhista Controverses. No caso de Controverses, é lamentável
que tenha chegado tarde demais, pois os redactores - ou o redactor principal -
não podiam desconhecer a luta da FICCI na altura, uma vez que ainda eram
membros do CCI e defendiam a sua posição contra a fracção.
O objectivo desta
última parte do texto da FICCI é precisamente argumentar, demonstrar, ou mesmo
“desmontar”, como a teoria da decomposição está tipicamente ligada ao
conselhismo e às implicações políticas conselhistas que ela implica. Para nós,
hoje, a teoria da decomposição foi, simultaneamente, um produto do conselhismo
congénito do CCPE - que nunca foi realmente capaz de ultrapassar, apesar dos
seus esforços no final dos anos 70 e início dos anos 80 - e um factor de
aceleração dessa deriva conselhista oportunista. Remetemos os leitores para a
nossa crítica da plataforma do CCPE e para a nossa própria plataforma.
As notas de rodapé são
da FICCI. Caso contrário, estão entre parêntesis rectos e 2024 está indicado.
Conservámos a tradução directa do período da FICCI para as citações.
A equipa editorial
Colapso automático do capitalismo ou
revolução proletária
(Fracção Interna do CCI, 2004)
Com o título “Para uma definição do conceito de
decadência”, o BIPR publicou recentemente um artigo, primeiro em italiano no Prometeo de 8 de Dezembro de 2003,
depois no seu site Web em inglês e francês, no qual apresenta de forma aberta e
sucinta a sua posição sobre o conceito de decadência do capitalismo. O artigo
não só reconhece que o conceito tem “valor”, mas discute a diferença entre uma
noção clara da decadência do capitalismo e o que seria uma “falsa perspetiva”.
Reconhece explicitamente a existência de uma fase ascendente e de uma fase
decadente no capitalismo.
“O valor do termo
decadência reside na identificação dos factores que, no processo de acumulação
de capital, na determinação das crises cíclicas, como em todas as outras formas
de expressão das contradições económicas e sociais da sociedade capitalista,
tornam todos estes fenómenos mais agudos, menos controláveis, a ponto de
minarem cada vez mais os próprios mecanismos que presidem ao processo de
valorização e acumulação do capital (...). A investigação sobre a decadência
conduz ou à identificação dos mecanismos que presidem ao abrandamento do
processo de valorização do capital, com todas as consequências que daí advêm,
ou à permanência numa perspectiva falsa, vãmente profética ou, pior ainda,
teleológica e desprovida de qualquer verificação objectiva”.
Gostaríamos de saudar e sublinhar a importância da publicação deste artigo
porque abre a possibilidade de uma discussão séria e aprofundada dos acordos e
divergências sobre esta questão que, à luz da perspectiva aberta pelo 11 de Setembro
de 2001, é mais actual do que nunca e exige o maior esclarecimento possível por
parte dos revolucionários [1]. A melhor maneira de o fazer é exprimir as nossas
reflexões e comentários críticos e, ao mesmo tempo, apelar aos grupos e
elementos do campo proletário para que participem neste debate necessário [2].
Na medida em que vários aspectos são abordados, começaremos por voltar aqui apenas à primeira preocupação expressa pelo BIPR no seu texto em relação a uma confusão que tem existido no campo proletário entre a noção de “decadência” e a de “colapso económico” do capitalismo. Demos a palavra ao BIPR (sublinhado nosso):
“O termo decadência em relação à
forma das relações de produção e à sociedade burguesa tem aspectos de um certo
valor, mas também ambiguidades. A
ambiguidade reside no facto de a ideia de decadência ou de declínio progressivo
da forma produtiva capitalista resultar de uma espécie de processo inelutável
de autodestruição que depende essencialmente do seu próprio ser. Isto pode ser comparado aos efeitos auto-destrutivos
dos neutrões que se chocam com os átomos após a sua trajectória imposta; apesar
das forças contraditórias, eles juntam-se gradualmente até se destruírem uns
aos outros. A abordagem atómica anda de mãos dadas com a posição teleológica do
desaparecimento e da destruição da forma económica capitalista como um
acontecimento historicamente datado, economicamente inelutável e socialmente
predeterminado. Para além de uma abordagem infantil e idealista, isto acaba por
ter repercussões negativas a nível político, gerando a hipótese de que, para
assistir à morte do capitalismo, basta ficar à beira-mar ou, na melhor das
hipóteses, intervir numa situação de crise, e só isso, os instrumentos
subjectivos da luta de classes são vistos como o empurrão final de um processo
irreversível. Nada poderia estar mais longe da verdade. O aspecto contraditório
da forma capitalista, as crises económicas que dela derivam, a renovação do
processo de acumulação momentaneamente interrompido pelas crises, mas que
recebe novas forças através da destruição do capital excedente e dos meios de
produção, não põem automaticamente em
causa o seu desaparecimento. Ou é o fator subjetivo que intervém, do qual a
luta de classes é o eixo material e histórico, e as crises a premissa económica
determinante, ou então o sistema económico reproduz-se a si próprio, reeditando
a um nível superior todas as suas contradições, sem criar assim as condições da
sua própria destruição[3] ”.
De facto! A ideia de que o
capitalismo, ao entrar na sua fase de decadência, poderia autodestruir-se,
desmoronar-se por si próprio, sob o peso das suas contradições puramente
económicas, à margem da luta de classes, teve de ser combatida sistematicamente
ao longo da história no campo marxista. Já abordámos esta questão, de passagem,
em várias partes da nossa série sobre a decadência. Recordemos aqui, por
exemplo, como Rosa Luxemburgo já teve de alertar para esta possível
interpretação da sua teoria:
“Por um lado, ao expandir-se à custa
das formas de produção não-capitalistas, antecipa o momento em que toda a
humanidade será efectivamente constituída apenas por capitalistas e
proletários, tornando assim impossível qualquer expansão ulterior e,
consequentemente, qualquer acumulação. Por
outro lado, na medida em que esta tendência se impõe, ela exaspera os antagonismos de classe e a anarquia económica e
política internacional a tal ponto que, muito antes de a evolução económica ter
chegado às suas últimas consequências, isto é, ao domínio absoluto e
exclusivo da produção capitalista, terá
lugar a rebelião do proletariado internacional, que necessariamente porá fim ao
regime capitalista” (Rosa
Luxemburgo, A Acumulação do Capital, Crítica
das Críticas[4] )
“Rosa Luxemburgo levou o seu
raciocínio teórico até aos limites em que qualquer acumulação seria
“impossível”. Imediatamente a seguir, como que para alertar contra falsas
conclusões, especifica que “muito
antes da rebelião do proletariado internacional”. Este ponto limite é apenas um recurso teórico, uma espécie de “ponto de
mira no horizonte” inacessível, cujo único sentido é sublinhar o limite
histórico do capitalismo. Isto era tanto mais necessário na altura quanto era
necessário combater a perigosa teoria do “desenvolvimento ilimitado e pacífico”
do capitalismo. Foi só mais tarde, noutras circunstâncias históricas, as da
contrarrevolução estalinista, e perante uma outra luta política, a da luta
contra a teoria da “estabilização” do capitalismo, que se desenvolveu a teoria
da “queda” do capitalismo, teoria por vezes erradamente atribuída a Rosa
Luxemburgo, teoria segundo a qual o capitalismo poderia colapsar, colapsar ao
atingir um ponto de contradição “económica”, sem a mediação da luta de classes,
que Rosa Luxemburgo rejeitou explicitamente”.
(Guerra imperialista ou revolução proletária, Boletim n°19 da nossa fracção, Junho
de 2003)
A “teoria do colapso do sistema capitalista” de Grossmann
Mas foi certamente a partir da segunda metade da década de 1920, e em
particular com a obra de Henryk Grossmann, A
lei da acumulação e do colapso do sistema capitalista, que surgiu a
principal fonte de confusão entre a noção de “decadência” e a de “colapso
económico” do capitalismo.
Grossmann tentou combater as teorias que defendiam a possibilidade de o
capitalismo atingir uma situação de equilíbrio, de desenvolvimento pacífico,
ilimitado e sem crises. No entanto, ao fazê-lo, construiu uma teoria particular
que, apesar da sua pretensão de ser a primeira a “reconstruir o método de Marx e a clarificar o seu sistema teórico”,
na realidade continha profundos desvios tanto do método materialista-histórico
como da teoria da acumulação capitalista de Marx:
- em primeiro lugar, ao rejeitar os desenvolvimentos teóricos anteriores do
campo revolucionário em relação aos limites históricos do capitalismo e da
decadência (particularmente a teoria de Rosa Luxemburgo, mas não só) como meras
interpretações “erróneas” de Marx,
sem primeiro tentar compreender o seu significado histórico, a luta de classes
específica que exprimiam, ou a verdade histórica relativa a um período
específico que continham;
- em segundo lugar, deduzindo especulativamente a sua teoria não do
desenvolvimento histórico real mas de uma nova interpretação dos famosos “padrões de reprodução” de Marx, e
tomando depois alguns acontecimentos reais como “prova” desta teoria. Grossmann pegou nos esquemas desenvolvidos por
Otto Bauer para refutar Rosa Luxemburgo e continuou-os aritmeticamente durante
várias décadas, mostrando mesmo que esses esquemas acabaram por conduzir a uma
paralisia, a um “colapso” da
acumulação capitalista. Com esta “verificação”,
Grossmann poderia facilmente ter chegado à mesma conclusão que R. Luxemburgo:
nomeadamente, que o problema do desenvolvimento histórico do capitalismo não
pode ser resolvido pela elaboração de um qualquer esquema. Em vez disso,
Grossmann lança-se numa teoria completa do “colapso
do capitalismo” causado por uma “falta
de valorização em relação à sobreacumulação”, por uma “diminuição da massa de mais-valia”, que é uma pura dedução do
esquema que elaborou. Mas, ao fazê-lo, deslocou o problema crucial da economia
política que Marx tinha conseguido explicar criticamente, isto é, a tendência
para a queda da taxa de lucro como produto da contradição fundamental entre a
tendência para o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas e as relações
de produção capitalistas limitadas pela procura do lucro, a acumulação; deixou
de lado precisamente a tendência por detrás da qual descobrimos a existência de
um limite histórico para o capitalismo;
- em terceiro lugar, ao concluir, a partir da sua própria teoria, que o
capitalismo entra em colapso apenas com base nas suas contradições económicas,
Grossman chega à conclusão de que a acumulação se torna “inútil” para os capitalistas:
“... apesar de todas as interrupções
periódicas e de todas as atenuações da tendência para o colapso, com o
progresso da acumulação capitalista, o mecanismo mundial caminha
necessariamente para o seu fim. De facto, com o crescimento absoluto da acumulação
de capital, a valorização do capital gerado torna-se progressivamente mais
difícil. Se estas tendências opostas se enfraquecem ou paralisam mutuamente
(...), então a tendência para o colapso
torna-se predominante, e a sua validade absoluta impõe-se como a 'última crise'[5]”.
Esta noção de “colapso económico” é repetida ao longo de todo o livro de Grossmann, ao ponto de se tornar o modelo típico para a concepção de um fim “automático” do capitalismo, apesar de o próprio Grossmann (e os seus defensores, como Paul Mattick) tentarem rejeitar esta noção. Assim, no último capítulo do seu livro, ele considera de facto a questão da luta de classes como o quadro em que emerge toda a questão económica. No entanto, Grossmann reduz a luta de classes ao aumento dos salários, à pressão que a luta pelo aumento dos salários exerce sobre a tendência para o colapso económico: a tendência para o colapso diminui se os salários baixarem e acelera se subirem. E, no mesmo sentido, reduz a importância da revolução:
“O objectivo final pelo qual a
classe operária luta (...) consiste, como indica a lei do colapso aqui
destacada, no resultado produzido pela luta de classes imediata de cada dia e
cuja materialização é acelerada por essas lutas” (ibid., Considerações finais).
Por outras palavras, a luta pelos salários (“a luta imediata de todos os dias”) “acelera a materialização” do
colapso económico do capitalismo. No final, Grossmann reduz a luta de classes
(uma vez que já foi reduzida à luta pelos salários) a uma variável dentro da
sua teoria económica do colapso, até à revolução. Não nega “a questão política
do poder”, não nega a necessidade da revolução proletária, mas “simplesmente”
identifica-as com o colapso económico. Dilui-os neste último. Mas depois, como
salienta o BIPR:
“Para além de uma abordagem infantil
e idealista, isto acaba por ter repercussões políticas negativas, gerando o
pressuposto de que, para ver a morte do capitalismo, basta sentar-se no banco,
ou, na melhor das hipóteses, intervir numa situação de crise, e só assim, os instrumentos
subjectivos da luta de classes são percebidos como o empurrão final num
processo irreversível.”
A corrente “conselhista” e a teoria do colapso
A teoria de Grossmann esteve no centro de importantes discussões no campo
proletário dos anos 30, nomeadamente no seio da corrente dos comunistas de
conselho.
Anton Pannekoek rejeitou-a e criticou-a não só do ponto de vista teórico,
mas também do ponto de vista metodológico. Segundo Pannekoek, Grossmann
defendia uma posição mecanicista em que as leis sociais e económicas se
impunham aos homens como se fossem um “poder
sobre-humano” independente. Para Marx, pelo contrário, existe uma relação
dialéctica entre as leis e as necessidades sociais e a vontade e a acção
humanas:
“Para Marx, o desenvolvimento da
sociedade humana, que significa também o desenvolvimento do capitalismo, é
determinado por uma necessidade férrea, semelhante a uma lei natural. Mas este
desenvolvimento é, ao mesmo tempo, obra dos homens que nele participam, cada um
determinando as suas acções de forma consciente e intencional, ainda que não
com consciência da totalidade social (...). Toda a necessidade social se impõe
através dos homens; isto significa que o pensamento, a vontade e a acção humana
(...) são completamente determinados pelo efeito do ambiente circundante; e é
apenas através da totalidade destas acções humanas determinadas principalmente
pelas forças sociais que a submissão à lei é imposta no desenvolvimento social”.
(A. Pannekoek, “La théorie de l'effondrement du capitalisme”, Rätekorrespondenz n°1, 1934, traduzido
por nós do espanhol em ¿ Derrumbe del
capitalismo o sujeto revolucionario?, Éditions Siglo XXI, Cuadernos de
Pasado y Presente nº 78)
Por outras palavras, embora as relações de produção que os homens
estabelecem entre si constituam o eixo do desenvolvimento social, as relações
sociais não se reduzem a essas relações de produção, nem são as únicas que as
determinam. Todas estão envolvidas, em particular as relações políticas e a
luta de classes. Contra a “dedução de que
o capitalismo deve entrar em colapso do ponto de vista puramente económico, no
sentido de que - independentemente da interferência humana e das revoluções -
não pode sobreviver como sistema económico”, Pannekoek define o colapso do
capitalismo como nada mais do que o resultado da revolução proletária:
“A economia como uma totalidade de
homens que trabalham e labutam pelas suas necessidades vitais, e a política (no
sentido lato) como uma totalidade de homens que operam e lutam como uma classe
pelas suas necessidades vitais, constituem um único ambiente que se desenvolve
de acordo com leis precisas. A acumulação de capital, as crises, a
pauperização, a revolução proletária, a tomada do poder pela classe operária,
formam uma unidade indivisível que actua como uma lei natural: o colapso do
capitalismo”. (A. Pannekoek, Ibidem.)
Por seu lado, Paul Mattick, ao defender o livro de Grossmann, não só
rejeita a crítica que lhe é feita de um “colapso por razões puramente
económicas” e “independente da intervenção humana”, como reafirma que “a
análise da acumulação capitalista conduz à luta de classes” e que o fim do
capitalismo será o produto da revolução proletária. Chega mesmo a retomar a
noção de R. Luxemburgo sobre a diferença entre a perspectiva de chegar a um
ponto em que a acumulação se torna “impossível” e a realidade histórica em que
a revolução proletária ocorrerá “muito antes”:
“O reconhecimento teórico de que o sistema capitalista, devido às suas contradições internas, deve necessariamente caminhar para o colapso não implica de modo algum que o colapso efectivo seja um processo automático, independente dos homens (...). Antes que o 'ponto limite' obtido teoricamente com base num conjunto de abstracções encontre o seu paralelo na realidade, os operários já terão realizado a sua revolução.” (P. Mattick, « Sur la théorie marxiste de l'accumulation et de l'effondrement », Rätekorrespondenz n°4, 1934, traduzido por nós do espanhol)
Na realidade, Mattick desenvolve aqui a sua própria posição política, na
qual se separa de Grossmann, uma vez que, para este último, o “colapso económico” não é um “ponto limite teórico” distinto da
“revolução”, como afirma Mattick. Pelo contrário, é o ponto em que “a impossibilidade de continuar a acumulação”
e a passagem do controlo da sociedade para as mãos do proletariado coincidem e
se identificam.
Assim, o cerne do debate entre Pannekoek e Mattick sobre a obra de
Grossmann não reside na possibilidade, ou não, de um “colapso automático” do
capitalismo, uma vez que ambos, para além de rejeitarem explicitamente esta
noção, reafirmam claramente que o fim do capitalismo só chegará com a revolução
proletária. A sua verdadeira divergência, no entanto, centra-se precisamente
nas condições dessa revolução, nas condições de desenvolvimento da luta e da
consciência revolucionária do proletariado.
P. Mattick critica Pannekoek por ignorar as condições materiais necessárias
para a abertura de uma situação revolucionária, um curso para a tomada
revolucionária do poder por parte do proletariado: condições de crise profunda,
sem saída, do capital que levaria ao empobrecimento insuportável das massas operárias,
que seriam levadas a uma luta definitiva contra o capital - uma condição que
Mattick, retomando os conceitos de Grossmann, chama de “tendência ou início de
colapso”. E, de facto, para Pannekoek nos anos 30, as situações catastróficas
do capitalismo (crises, guerras), embora conduzam a uma “perda de ilusões”
sobre a possibilidade de melhoria no quadro do capitalismo e à luta de classes
do proletariado, são apenas uma constante do capitalismo que determina, em
última análise, a abertura de um caminho para a revolução. O factor
determinante, segundo Pannekoek, é a consciencialização, a “auto-educação” das
massas proletárias:
« Parece uma contradição que a crise actual, tão profunda e funesta como nenhuma outra antes, não mostre indícios de um renascimento da revolução proletária. Mas a supressão das velhas ilusões é a sua primeira grande tarefa (...). A própria classe operária, como massa, deve liderar a luta e deve adaptar-se às novas formas de luta (...). E embora esta crise possa diminuir, novas crises e novas lutas terão de surgir. Nessas lutas, a classe operária desenvolverá o seu espírito de luta, encontrará os seus objectivos, educar-se-á, tornar-se-á independente e aprenderá a tomar o seu destino, ou seja, a produção social, nas suas próprias mãos (...). A auto-libertação do proletariado é o colapso do capitalismo.» (Pannekoek, idem.)
Pelo contrário, para Mattick, é precisamente a tendência para o colapso
económico do capitalismo, para o agravamento das condições de vida do
proletariado, que conduzirá, de forma natural e espontânea (poderíamos mesmo
dizer mecânica), à luta revolucionária da classe:
« As lutas de classes dependem da posição de classe do proletariado. Terão sempre e necessariamente um carácter económico. Só quando começa o colapso, isto é, quando o capital só pode continuar a existir com base no empobrecimento absoluto e contínuo das massas, é que esta luta económica se transforma, quer as massas tenham consciência disso ou não, numa luta política que coloca a questão do poder (...). A revolução impõe-se aos homens através desta situação económica.» (P. Mattick, idem.)
E assim, enquanto para Pannekoek a consciência de classe é o factor
determinante, para Mattick, pelo contrário, a consciência de classe é
simplesmente um produto, um reflexo das condições materiais e da actividade
espontânea das massas. E não desempenha qualquer papel activo na transformação
das lutas “económicas” em lutas “políticas”. Para Mattick, a revolução surge
apenas da “necessidade” económica, da qual a consciência é apenas um reflexo
passivo:
« ... a consciência deve, em última
análise, impor-se. Mas, nestas condições [do capitalismo], ela só o pode fazer
tomando forma concreta. Os homens fazem por necessidade o que fariam por sua
própria vontade (...). A insurreição das massas não pode desenvolver-se a
partir da “consciência-intelecto”; as condições de vida capitalistas excluem
essa possibilidade, uma vez que a consciência é, em última análise, sempre a da
prática existente. No entanto, as necessidades materiais das massas levam-nas à
acção como se fossem realmente revolucionariamente educadas; elas tornam-se
“conscientes dos factos”. As suas necessidades vitais só podem ser expressas
revolucionariamente. A acção revolucionária do proletariado não pode ser
explicada por outros motivos que não sejam os das suas necessidades materiais
vitais. Mas estas dependem da condição económica da sociedade. Se o capital não
tem um limite objectivo, então também não podemos contar com uma revolução. » (P.Mattick, idem.)
Por um lado, Pannekoek chega à conclusão de que a noção de “colapso
económico” não é mais do que um subterfúgio para introduzir a justificação da
necessidade de um partido para dirigir as massas proletárias, porque, com base
nesta noção, tendemos a aceitar que a revolta revolucionária pode ter lugar sem
que as massas proletárias tenham “amadurecido revolucionariamente”, isto é, sem
que seja necessário chegar à consciência de classe. Basta que um partido tome o
poder em seu nome:
A partir da teoria de Grossmann, podemos deduzir que a revolução “é independente da sua maturidade revolucionária [dos operários], da sua capacidade de assumir e manter o controlo da sociedade”. Isto significa que um grupo revolucionário, um partido com objectivos socialistas, tem de surgir como uma nova autoridade [“dominio”, novamente na versão espanhola] para substituir a antiga... (Pannekoek, idem.)
Por outro lado, Mattick conclui que o empobrecimento absoluto que acompanha
o “colapso económico” seria suficiente para a abertura de um curso
revolucionário, uma vez que a consciência seria apenas algo posterior e
passivo, um reflexo da própria actividade das massas, que surgiria da pura
“necessidade” económica.
Assim, por detrás da polémica sobre o “colapso”, vemos como, no seio da
corrente “conselhista”, se separou ideologicamente a relação dialéctica entre
as condições materiais (“económicas”) e as condições organizativas e
conscientes (“políticas”) indispensáveis à abertura de um caminho para a
revolução. Mas, como bem assinalam os camaradas do BIPR :
« Ou é o factor subjectivo que intervém, do qual a
luta de classes é o eixo material e histórico, e as crises a premissa económica
determinante, ou o sistema económico
reproduz-se a si próprio, repetindo todas as suas contradições a um nível
superior...»
A nova teoria do CCI sobre o “colapso automático do
capitalismo
Não
podemos terminar esta rápida panorâmica das teorias do “colapso” sem mencionar
a teoria da “decomposição social” defendida pelo actual TPI. Não é nossa
intenção retomar aqui as críticas gerais a esta teoria, que já abordámos em
diversas ocasiões.[6] Aqui, queremos apenas chamar a atenção para o facto de esta teoria, na
medida em que se tornou a bandeira de uma organização em degeneração, se ter
tornado cada vez mais uma teoria com caraterísticas semelhantes às das teorias
do colapso do passado.
Expressa
em termos gerais, esta teoria sustenta que, perante o impasse histórico a que
chegaram as duas classes fundamentais da sociedade capitalista, a burguesia e o
proletariado, a persistência da crise económica abre caminho a uma fase
“terminal” da decadência do capitalismo. O impasse histórico deve-se ao facto
de as duas classes sociais, o proletariado conseguindo travar a eclosão de uma
nova guerra imperialista mundial, mas ao mesmo tempo permanecendo incapaz de
elevar as suas lutas ao nível de um movimento revolucionário internacional,
estarem a bloquear mutuamente o caminho para a respectiva solução histórica da
crise económica crónica do capitalismo. A fase “terminal” da decadência conduz
então a uma decomposição crescente do tecido social, a uma desintegração
crescente das relações sociais em todos os domínios e em todas as classes, ao
“cada um por si”, ao caos, à irracionalidade e a calamidades de todo o tipo
(terrorismo agravado e incontrolado, guerras e conflitos regionais, catástrofes
provocadas por fenómenos naturais, fomes, epidemias, banditismo, etc.). Mas as
consequências mais importantes da decomposição situam-se ao nível das classes.
Por um lado, a tendência da burguesia para seguir o seu próprio caminho abre a
possibilidade de ela já não ser capaz de se organizar em “blocos”
imperialistas, fechando assim definitivamente a alternativa de uma nova guerra
mundial; por outro lado, a influência da decomposição no seio do proletariado
leva ao perigo de este perder definitivamente a sua capacidade de se unificar,
de tomar consciência e de alargar a sua luta revolucionária, abrindo caminho a
uma terceira “via”: o fim da humanidade pela decomposição.
É certo
que a teoria da decomposição contém, desde o início, um elemento de “colapso”:
a possibilidade de o capitalismo (e com ele toda a humanidade) chegar ao fim, não
como produto da luta de classes, mas como produto do prolongamento indefinido e
sem saída da crise, da simples impossibilidade de continuar a avançar como
sistema. No entanto, deve notar-se que no início - e durante muitos anos - a
par da noção de “decomposição”, o CCI manteve - de uma forma contraditória - a
análise marxista “clássica” da crise, das lutas imperialistas e da luta de
classes. Por exemplo, nas teses de 1990 sobre a decomposição, esta continuava a
ser vista como um fenómeno da “superestrutura”, ou seja, como um “efeito”,
enquanto a crise económica continuava a ser vista como o factor determinante da
situação social: «A crise económica, ao
contrário da decomposição social que diz respeito essencialmente às
superestruturas, é um fenómeno
que afecta directamente a infraestrutura da sociedade sobre a qual assentam
essas superestruturas; neste sentido, ela põe a nu as causas últimas de toda a
barbárie que se abate sobre a sociedade, permitindo assim ao proletariado tomar
consciência da necessidade de uma mudança radical de sistema...”. (La décomposition, phase ultime de la décadence du
capitalisme, Tese 17, Revue
internationale 62, 1990, sublinhado por nós.)
Actualmente,
por outro lado, o CCI não só chegou à conclusão de que a decomposição se tornou
um “factor decisivo na evolução da
sociedade” ou que “é o factor central
na evolução de toda a sociedade”, mas que “a decomposição significa um processo
lento de aniquilação das forças produtivas até um ponto em que a construção
do comunismo se torna impossível”. (The Marxist Roots of the Notion of Decomposition,
International Review 117, 2004, sublinhado nosso.)[7]
Aqui, o
CCI não está a referir-se à destruição das forças produtivas causada pela crise
capitalista, mas ao capitalismo como um todo na fase de Decomposição em que entrou. Refere-se a um processo geral
que “leva lenta mas irreversivelmente à
destruição da humanidade”: “o
processo de destruição da humanidade, sob os efeitos da Decomposição, embora
lento e insidioso, é irreversível” (idem). Por outras palavras, para o CCI,
o modo de produção capitalista já não
implica uma tendência para o desenvolvimento das forças produtivas. Mas muito
pelo contrário. Ele implica um processo de destruição das forças produtivas.
Assim, o atual CCI nega sua própria teoria da decadência que, rejeitando a tese
de Trotsky de que “as forças produtivas
da humanidade deixaram de crescer”, defendia que “bloqueios absolutos no crescimento das forças
produtivas aparecem durante as fases de decadência. Mas (no sistema
capitalista, uma vez que a vida económica não pode existir sem a acumulação
crescente e permanente de capital), eles surgem apenas momentaneamente. (Brochura do CCI sobre A Decadência do Capitalismo, cap. Que desenvolvimento das forças produtivas? sublinhado no original)
Mas com
a sua nova definição, o CCI de hoje não só nega a sua teoria da decadência,
como também rejeita simplesmente, nem mais nem menos, a contradição fundamental
do capitalismo tal como exposta pelo próprio Marx, para quem esta contradição
consiste no facto de que “o sistema de
produção capitalista implica uma tendência para
um desenvolvimento absoluto das forças produtivas (...) enquanto, por outro
lado, o sistema tem como objetivo a conservação do valor-capital existente e a
sua valorização (...). Os limites que servem de quadro intransponível à
conservação e ao desenvolvimento do valor-capital (...) estão, pois,
constantemente em contradição com os métodos de produção que o capital tem
necessariamente de empregar para o seu próprio fim, e que tendem a promover um aumento ilimitado da produção, um
desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais do trabalho
(...)” (K. Marx, O Capital, Tomo III,
cap. XV, Conflit entre l'extension de la
production et la mise en valeur, Éditions Sociales, sublinhado nosso).
No
mesmo sentido, o CCI foi originalmente capaz de analisar e reconhecer, ao nível
da vida burguesa, a existência tanto da “tendência
para o cada um por si e para o caos” como da tendência para a formação de
um novo conjunto de blocos imperialistas, como tendências contraditórias que
actuam simultaneamente. Hoje, em contrapartida, o CCI resvala cada vez mais
para a ideia de que as grandes potências já não caminham para uma guerra
imperialista generalizada, mas que são cada vez mais - e em primeiro lugar os
Estados Unidos - os principais promotores da paz e da ordem social, através das
suas tentativas de impedir que os países e regiões da periferia do capitalismo
caiam no caos e nas guerras locais. Desta forma, abre-se a porta ao
oportunismo, ou seja, a uma política de colaboração de classes.
E,
finalmente, em relação ao proletariado, se inicialmente a decomposição
significava “dificuldades adicionais” para a sua luta, agora o CCI está a
desenvolver cada vez mais a noção de “perda de identidade” da classe operária
para introduzir a ideia de que com a decomposição entrámos numa fase de
desintegração e desmembramento da classe operária, sector a sector, ou seja, um
processo de desaparecimento prático da classe operária enquanto tal.
Por
fim, a erosão dos fundamentos do marxismo no domínio “económico” tem a sua
contrapartida na erosão dos mesmos também no domínio “político”:
“A decomposição obriga o proletariado a
afiar as armas da sua consciência, da sua unidade, da sua auto-confiança, da
sua solidariedade, da sua vontade e do seu heroísmo (...)”, diz o
actual CCI. No entanto, segundo o mesmo CCI, a decomposição produz exactamente
o contrário: “os efeitos da decomposição
têm um impacto profundamente negativo na consciência do proletariado, no seu
sentido de si próprio como classe (...). Servem para atomizar a classe, para
aumentar as divisões dentro dela e para a dissolver (...)” (The Marxist Roots of the Notion of Decomposition,
International Review 117).
Então
como é que se pode dizer que “a
decomposição obriga o proletariado a afiar as armas da sua consciência”,
etc.? Quando, por exemplo, o marxismo (e com ele o “velho” CCI) afirma que a
crise, ao agravar as condições de vida do proletariado, “obriga-o” a
levantar-se e a lutar, está a exprimir uma necessidade objectiva, produto das
próprias condições materiais do capitalismo. Por outro lado, quando o CCI diz
que “a decomposição obriga o proletariado
a afiar as armas da sua consciência”, não está a expressar uma necessidade
objectiva. O que ele expressa é simplesmente o desejo do próprio CCI de que o proletariado “afie as armas da sua consciência” etc., um desejo que, no entanto,
não tem substância material (porque, de acordo com o próprio CCI, o que produz
objectivamente a decomposição é precisamente o oposto). Assim, o CCI reduz o
determinismo histórico a um mero imperativo moral.
Toda
esta “evolução” da teoria da decomposição no seio do CCI, e particularmente nos
últimos anos, não pode ser explicada simplesmente como um reflexo da
multiplicação e extensão dos fenómenos que tenta explicar. É verdade que, no
final dos anos 80, se assistia de facto a um período de “impasse histórico”,
confirmado pelo colapso do bloco imperialista de Leste. Não só o perigo de uma
terceira guerra mundial recuou momentaneamente, mas sobretudo o proletariado,
sem sofrer uma derrota histórica da dimensão da que conheceu a partir de meados
da década de 1920, entrou num período de confusão, desmoralização e recuo nas
suas lutas, como produto da implosão do bloco de Leste e da campanha
desenvolvida pela burguesia sobre “o fim do comunismo”, “a vitória final da
democracia” e “o fim da história”. E é na interpretação deste período que se encontra a
origem e a explicação da teoria da “decomposição social”.
No
entanto, e sobretudo a partir de 2001 (marcado pela destruição das Torres
Gémeas em Nova Iorque), com a nova expressão aberta de uma tendência para a
bipolarização imperialista e para a guerra generalizada, por um lado, e, por
outro, com as manifestações do proletariado de uma retoma internacional das
suas lutas de classe (Argentina, França, Grã-Bretanha, Itália...), ou seja, com
o regresso ao primeiro plano da cena histórica da alternativa “guerra ou
revolução”, é sabido que o CCI não só já não era capaz de analisar esta
mudança, nem de reconhecer que o “impasse histórico” só podia ser momentâneo,
mas chegou mesmo ao ponto de negar - e até de ocultar consciente e
voluntariamente - estas expressões da alternativa histórica de classe e de
abandonar cada vez mais até as noções básicas do marxismo para, em troca,
apoiar, introduzir e impor a teoria
da decomposição, apesar de esta teoria se estar a revelar cada vez mais
insubstancial e absurda.
Assim,
como nos outros casos de teorias do “colapso”, o predomínio dogmático da teoria
da “decomposição” em detrimento da análise marxista não pode ser explicado
apenas pelas condições sociais “objectivas”, e ainda menos quando estas tendem
a mudar e a contradizer cada vez mais claramente a teoria que as tentou
explicar. Só pode ser explicado pelas dificuldades internas da organização em
que esta teoria surgiu, pela perda da capacidade de crítica e análise, porque
no seu seio existem obstáculos ao questionamento desta teoria e, finalmente,
porque esta teoria se transformou num instrumento para justificar uma
determinada orientação, posição e atitude política.
Vale a
pena notar que a atitude política do actual CCI também tem algumas semelhanças
com a dos antigos “conselhistas”. De facto, os conselhistas consideravam que a
classe operária não precisava de uma organização política para a guiar, para a
dirigir politicamente (ou, em última análise, como no caso de A. Pannekoek,
reduziam o papel dos revolucionários a uma espécie de educadores ou
conselheiros). Em última análise, como no caso de A. Pannekoek, reduziram o
papel dos revolucionários a uma espécie de educadores ou conselheiros), posição
que implicava, por si só, a dissolução das próprias organizações conselhistas.
Por seu lado, o actual CCI adopta uma atitude cada vez mais passiva e
desdenhosa em relação às lutas operárias, negando implicitamente a sua função
de factor activo de orientação e de impulso no seio da classe operária (ou
reduzindo o seu papel a “cultivar e
desenvolver em profundidade e extensão estas qualidades” [(sic) As raízes
marxistas da noção de decomposição, idem.] da classe operária para contrariar
os efeitos da decomposição), o que contém em si mesmo a sua eventual
liquidação. E é certo, como assinala o BIPR, que tanto a teoria do “colapso”
como a da “decomposição” acabam “por ter
repercussões negativas no plano político, gerando a hipótese de que, para ver a
morte do capitalismo, basta estar sentado no banco”.
Por fim, a teoria da
“decomposição social” atingiu também o domínio do funcionamento da organização
dos revolucionários. Segundo ela, a decomposição social contém também uma
tendência dos militantes de se deixarem levar pelo individualismo e pela
ideologia burguesa em geral, de formarem clãs e gangues dentro da organização;
esta é a razão pela qual a teoria da decomposição que foi introduzida e domina
o CCI nos últimos anos, também serviu, sobretudo, para justificar a política do
tipo "bolchevização", disciplinar, de "laminação" de
opiniões divergentes, sufocamento de debates e proibição de oposições (fracções)
sob o pretexto de lutar contra “clãs” e “elementos problemáticos”. Assim, como
em outras teorias do “colapso”, por trás da teoria da decomposição descobrimos
a tendência para a liquidação – de uma forma ou de outra –da organização
revolucionária.
A
Fracção interna do CCI, Junho de 2004 (Bulletin 26)
Fonte: Fonte: Révolution ou guerre#29
Este artigo foi traduzido para
Língua Portuguesa por Luis Júdice
[1]. Foi o que tentámos mostrar
na série de artigos sobre a história da teoria da decadência publicados no
nosso boletim (nºs 19, 20, 22 e 24).
[2]. Esta necessidade é sentida no campo proletário, como o
demonstra não só o recente debate em torno do CCI (a NCI argentina, o grupo
russo) mas também a recente publicação de outros artigos sobre o assunto por
outros grupos ou indivíduos.
[3]. [Classificação do GIGC em 2024: https://www.leftcom.org/fr/articles/2003-12-01/pour-une-d%C3%A9finition-du-concept-de-d%C3%A9cadence
]
[4]. Existem diferenças substanciais
entre a versão francesa deste livro (edição Maspéro) e a versão espanhola
(edição Grijalbo). Parece-nos que esta última é menos “absoluta” e mais
precisa. Por isso, traduzimos esta passagem directamente da versão espanhola.
[5]. H. Grossmann, The law of accumulation and
collapse of the capitalist system, cap.2-VIII, The Marxist theory of collapse is simultaneously a theory of crises,
traduzido por nós do espanhol, Édition Siglo XXI, 1979.
[6]. Ver,
por exemplo, L'évolution aléatoire de ce
qui fut une organisation marxiste (et donc déterministe), boletim 21 da
nossa fracção, Outubro de 2003, Guerre
impérialiste ou révolution prolétarienne: la décadence du capitalisme et le
marxisme (4e partie) e Contresens dans la théorie de la décomposition et les
pas du CCI vers l'opportunisme, boletim 24, Abril de 2004.
[7]. Este artigo, que pretende
estabelecer “as raízes marxistas da
decomposição”, tenta colmatar as lacunas revisionistas abertas pela Resolução do 15º Congresso sobre a
situação internacional e que nós destacámos (ver o nosso boletim 21). A nossa
crítica provocou uma certa confusão entre muitos militantes e apoiantes do CCI.
O ilustre liquidacionista que redigiu o artigo viu-se assim obrigado, numa
tentativa de encurtar a crítica, a afirmar que “o marxismo sempre colocou o resultado da evolução histórica em termos
de alternativa” e que “mais do que
nunca, a luta de classes do proletariado é o motor da história”. Isto não
come pão e satisfará os seguidores da facção familiar. Mas a resolução do
congresso mantém-se e não foi corrigida pelo 16º Congresso das RI que acaba de
se realizar. E, sobretudo, como os nossos leitores poderão constatar nesta
parte do nosso texto, a deriva oportunista no plano teórico e a revisão das
posições marxistas continuam a verificar-se no artigo da Revista Internacional. Ao tentar tapar certas lacunas oportunistas,
abre novas lacunas. O fundamento marxista da noção de decomposição é mais do
que frágil desde o primeiro artigo da série anunciada sobre o assunto.
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