13 de Outubro de
2021 Robert Bibeau
Alastair Crooke – setembro 2021 – Fonte Al Mayadeen
Isto é mais do que uma alusão. Quando o Presidente
Biden foi questionado esta semana pelos jornalistas sobre a relação futura entre
os talibãs e a China, mostrou puro schadenfreude (alegria com o dano – NdT). 1 "A China tem um problema real com os
talibãs", disse Biden (que foi o efeito desejado da fuga dos EUA após vinte anos de destruição
deste país do terceiro mundo. NDE). E não só a China, acrescentou, mas também a
Rússia, o Irão e o Paquistão. "Estão todos a tentar descobrir o
que vão fazer agora. Portanto, vai ser interessante ver o que acontece.". (Por
outras palavras: a Aliança Atlântico-Americana está a passar a batata quente
afegã à aliança Xangai-China. NDE).
Manifesta claramente a esperança de que o Afeganistão se torne um pântano para a China e a Rússia, como tem sido para os Estados Unidos. O facto de Washington se ter recusado a incluir o nome doMovimento Islâmico da Turquestão Oriental (ETIM), numa resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Afeganistão, já deu a entender o que Washington tinha em mente para arrastar a China para a "lama afegã". O projecto de texto original exigia especificamente que os talibãs não apoiassem certos movimentos terroristas nomeados. A China também queria que o ETIM fosse identificado. Os EUA hesitaram e, eventualmente, a China e a Rússia abstiveram-se numa votação que foi omissa em citar nomes.
A ETIM é uma organização extremista islâmica uigure fundada no oeste da China. Os seus objetivos declarados são criar um Estado independente chamado Turquestão Oriental, substituindo a província chinesa de Xinjiang. Obama colocou-o na lista de organizações terroristas, Trump retirou-o e Biden deixou-o de fora.
É um cenário antigo. Parece que Biden e Washington não conseguem ultrapassar estes modelos rígidos e selados de outrora. Foi o ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Brzezinski que inicialmente persuadiu o Presidente Carter, após a invasão soviética do Afeganistão em 1979, a assinar a directiva secreta para "semear" o Afeganistão com rebeldes islâmicos radicais. Brzezinski esperava explicitamente sabotar o governo da época e afundar a União Soviética na lama afegã. Foi a primeira tentativa da América de usar jiadistas sunitas extremistas para enfraquecer e, em última análise, destruir os governos não conformes do Médio Oriente.
Hoje, em vez de preparar um pântano escavado pelos sauditas contra a Rússia na Ásia Central, parece que os EUA podem recorrer ao nacionalismo pan-turco como uma nova fórmula milagrosa para perturbar não só o Afeganistão, mas também toda a Ásia Central – e as suas linhas de abastecimento económico. "Ancara procurará usar a sua posição única e o acesso ao Afeganistão para melhorar as suas relações com os seus aliados da NATO, especialmente com os Estados Unidos",afirma um importante grupo de reflexão norte-americano de tendência belicista. Quanto aos custos associados, continuam: "Ancara provavelmente procurará ... subvencionar as responsabilidades que assume, procurando contratos privados e recursos financeiros externos dos aliados da NATO."
O Afeganistão tem uma minoria turca, e o grupo étnico turco estende-se - numa faixa - à Ásia Central e a Xinjiang. O Presidente Erdogan descreve periodicamente Xinjiang como o berço da raça turca. A maior parte das forças turcas deixou o Afeganistão em 27 de Agosto, aparentemente sob pressão dos talibãs. Erdogan insinuou, no entanto, que iria "procurar posicionar a Turquia como uma potência regional – com o propósito de 'segurança e estabilização (sic)". Propõe que a Turquia, os países turcos da Ásia Central e o Paquistão trabalhem em associação com os talibãs – se estes tomarem "medidas positivas". Não especificou quais eram essas medidas, mas a Turquia poderia aproveitar os seus laços com os países da Ásia Central para associar os objectivos turcos aos dos Estados Unidos e da NATO, de acordo com o principal grupo de reflexão hawking, o Instituto para o Estudo da Guerra.
Ou, naturalmente, poderia também integrá-los com alvos russos e chineses, pelo preço certo. Por "segurança e estabilização",é preciso ler a alavancagem,uma vez que Erdogan tem um potencial único de perturbação turca na Ásia Central e na China. (Todos os líderes falam agora numa linguagem puramente "orwelliana" (onde "estabilidade" significa instabilidade disruptiva, quando querem chamar a atenção de Washington!).
A segunda parte do "modelo padrão" dos EUA é enfraquecer o alvo o suficiente para que uma figura ou movimento da oposição maleável se transforme num canto do"espaço" político e depois treine ou implemente, como uma famosa oposição nos meios de comunicação social. Nas últimas semanas, porém, tal pessoa – Ahmad Massoud – rapidamente fugiu do Panshir para o estrangeiro, e a resistência cedeu. A "segunda componente" progrediu rapidamente: as reservas financeiras do Afeganistão foram congeladas e o FMI e o Banco Mundial foram ordenados a parar de conceder empréstimos aos talibãs, deixando o país enfraquecido e enfrentando uma grave catástrofe humanitária.
Então, vai funcionar? O Afeganistão vai afundar-se num pântano ou numa guerra civil?
Isto é certamente possível, numa
sociedade tão étnica e traumatizada, despedaçada por conflitos profundos. É
verdade que os islamistas sunitas têm pouca experiência em governar um país.
Mas o problema com os
"modelos antigos" é que remontam a 1979, e isso já foi há muito
tempo. Não reflectem as enormes mudanças que ocorreram desde a sua formulação.
Ao que estamos a assistir no Afeganistão é a uma liderança talibã muito
diferente da que eu já conheci no passado. Aprenderam com os erros do passado.
Mas não é essa a questão.
A diferença essencial é que, quando os EUA deixaram o Afeganistão pela primeira vez (após a retirada soviética), nada fez para reparar a superestrutura política do Afeganistão, após anos de criação deliberada de facções em conflito entre si em condições sangrentas. Os americanos lavaram as mãos e foram-se embora. A guerra civil foi escrita antecipadamente. Foi o que disse ao embaixador dos EUA e ao seu chefe da CIA na altura, mas eles gostaram tanto da sua "vingança" sobre a Rússia que não se importavam.
Desta vez, porém, há uma enorme diferença: a revolução no Afeganistão é
apenas uma das engrenagens num grande "Reset" do "Grande Jogo". O
Afeganistão está numa metamorfose indeterminada, mas o Irão está
estrategicamente a reorientar-se para leste. O Paquistão também. A Ásia Central
está a reorientar-se para a Organização de Cooperação deXangai, a União Económica
Euro-Asiática, a Rússia e a China.
A equipa Biden pode sonhar que o coração da Ásia Central se torne um novo pântano, mas a América já não está lá. Ninguém, à excepção da Índia, talvez, queira dar-lhe qualquer lugar.
Os talibãs vêem claramente quem está agora no comando – asseguraram à China que o ETIM não vai encontrar refúgio no Afeganistão. Reiteraram que estavam empenhados numa liderança inclusiva. E a China, em troca, prestou assistência financeira de emergência: 31 milhões de dólares. Isto é um começo. (Como escrevemos por ocasião da derrota dos EUA no Afeganistão, a derrota dos EUA nesta parte do mundo significa que o Império Atlântico aceita a sua derrota e abandona a Ásia Central ao seu concorrente chinês na Aliança de Xangai. NDE). https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/08/afeganistao-no-caminho-para-o-declinio.html
A verdade é que, ao contrário do que aconteceu quando os EUA deixaram o país, o Afeganistão tem agora um grupo de apoio – Irão, Paquistão, Rússia e China – que tem um forte interesse em que o Afeganistão se torne uma entidade estável e funcional, sem guerra civil e terrorismo. E isto exige um optimismo cauteloso.
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb, revisão por Wayan, para o Saker Francophone
1.
alegria maliciosa
Fonte: Après la débâcle en Afghanistan le lancement du «Grand Jeu» impérialiste –
les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por
Luis
Júdice
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