domingo, 3 de outubro de 2021

As mulheres no 2º Governo talibã e a continuação da Resistência Popular

 


 3 de Outubro de 2021  Robert Bibeau  

Por  Esquerda Radical do Afeganistão (LRA). 1 de Outubro de 2021. Tradução e comentários:


Os talibãs, enquanto grupo extremista islâmico, têm a sua própria interpretação do Islão e do Corão. Não só não podem ser flexíveis em matéria de direitos das mulheres e das liberdades civis, como também não conseguem responder positivamente às necessidades económicas, científicas, políticas, culturais e sociais da sociedade afegã contemporânea. Contrariamente aos pressupostos optimistas de algumas pessoas, os talibãs não mudaram nas últimas duas décadas. Não há mudança na sua maneira de pensar, no seu comportamento ou nos seus pontos de vista, na sua ideologia.

Os talibãs não reconhecem as mulheres como membros activos e independentes da sociedade humana. Não acreditam nas capacidades das mulheres, na dignidade humana e na igualdade de direitos das mulheres na sociedade e na família. Nos últimos dois anos, os talibãs têm prosseguido conversações de paz e reconciliação com os Estados Unidos e o governo de Ashraf Ghani, insistindo ainda que reconhecem os direitos e liberdades das mulheres, mas no quadro do Islão e da Sharia!! O facto é que a lei islâmica e a sharia nunca deram às mulheres os mesmos direitos e liberdades que aos homens.

De acordo com a lei feudal islâmica, um homem tem o direito de ter quatro esposas ao mesmo tempo, e um irmão recebe o dobro da herança do seu pai. No Islão, as mulheres são consideradas irracionais e, portanto, não têm o direito a ser a chefe de um país ou de uma sociedade, ou de servirem como juízes no governo. Além disso, num caso judicial, o testemunho de duas mulheres equivale ao testemunho de um homem. De acordo com a lei islâmica, todas as mulheres e raparigas adultas são obrigadas a observar o hijab islâmico e não podem viajar sem um homem muharram adulto ou sair de casa ou interagir com os seus amigos sem a permissão dos maridos. Uma mulher não pode divorciar-se sem razões e provas sólidas, mas um marido pode divorciar-se da mulher a qualquer momento, sempre que quiser.

Assim, hoje, as acções do Emirado Islâmico dos Talibãs contra as mulheres no Afeganistão estão em consonância com os princípios, valores islâmicos e a Sharia (lei consuetudinária). Além de travar uma guerra contra a ocupação militar dos EUA durante 20 anos, o seu outro objectivo era estabelecer um verdadeiro sistema islâmico e sharia no Afeganistão. Os dirigentes e membros talibãs não podem ir além dos seus objectivos islâmicos devido a pressões externas ou acordos políticos e económicos, uma vez que compreendem os sentimentos e pensamentos dos seus apoiantes e dezenas de milhares de combatentes. Os dirigentes talibãs sabem que, se amolecerem a sua posição sobre os direitos das mulheres e os direitos civis, enfrentarão uma forte oposição e resistência dos seus apoiantes e combatentes. Os dirigentes talibãs não querem perder o seu apoio nesta situação crítica e causar o colapso do seu governo. ( https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/carta-aos-talibas-algumas-dicas-muito.html NDÉ).

Mesmo durante a guerra contra a ocupação dos EUA e da NATO, mulheres e raparigas em áreas controladas pelos talibãs foram impedidas de aceder a instituições de ensino e escolas. Sem um hijab completo, as mulheres não podem nem ir ao hospital para tratamento ou trabalhar fora de casa.

Quando os talibãs libertaram Cabul em 15 de Agosto deste ano e o regime de marionetas EUA-NATO foi derrubado em Cabul, os talibãs rapidamente expressaram a sua oposição às mulheres e impuseram-lhes severas restrições. Despediram funcionários de agências governamentais, ordenaram que os professores ficassem em casa e proibissem as raparigas de irem à escola. Aboliram o Estatuto do Ministério da Mulher e substituíram-no pelo Departamento de "Propagação da Virtude e Prevenção do Vício". Nenhuma mulher foi vista no gabinete anunciado pelos talibãs e noutras posições governamentais fundamentais.

A natureza do movimento talibã, as suas exigências e objectivos não eram segredo. O governo dos EUA e os principais membros da NATO, como a Grã-Bretanha, Alemanha, França, Canadá e Austrália estão bem cientes de que os talibãs não fizeram quaisquer alterações, mas apesar disso, em Fevereiro de 2020, os talibãs e os EUA concordaram em permitir que os talibãs restabelecessem a sua autoridade no Afeganistão. As críticas dos talibãs pelos Estados Unidos e pela NATO, a imposição de sanções contra eles ou o congelamento dos 9,5 mil milhões de activos afegãos são um embuste e uma decepção para o povo afegão e do mundo. Os Estados Unidos e os Estados-Membros da NATO são responsáveis pela actual catástrofe humanitária no Afeganistão e pela violação dos direitos das mulheres.

Os seus interesses políticos e económicos são importantes para o imperialismo americano e para os seus aliados da NATO. Podem lidar muito facilmente com os direitos das mulheres e com os direitos humanos e depois justificá-las com propaganda venenosa. A simpatia que os governos dos EUA e da Europa mostram às mulheres afegãs não passa de lágrimas de crocodilo.

Os protestos anti-talibãs de certos grupos em Cabul e noutras províncias do Afeganistão ou no estrangeiro podem ser favoráveis, mas também é importante saber o que os manifestantes querem, quem lidera os protestos e de quem esperam ajuda?

As mulheres afegãs não podem reivindicar direitos sob a liderança de grupos jiadistas ou de partidos fundamentalistas islâmicos. As mulheres afegãs já não podem pedir aos Estados Unidos ou à NATO os seus direitos. A "Frente de Resistência" liderada por Ahmad Massoud e Amrullah Saleh não é ideologicamente e naturalmente  diferente dos talibãs. Ahmad Massoud e Amrullah Saleh, e a "Frente de Resistência Afegã" como um todo, são o ex-Nizar Shura, ou Aliança do Norte, composta por grupos fundamentalistas islâmicos afiliados a vários países imperialistas. O apoio da França a Ahmad Massoud, ou usando uma máscara para defender a democracia e os direitos humanos face à "Frente de Resistência" em Panjshir, visa atrair ajuda financeira e militar internacional para voltar a negociar com o sangue dos pobres do Afeganistão. O grupo de Ahmad Massoud e os seus apoiantes detiveram 50% das acções dos governos de Karzai e Ashraf Ghani nos últimos 20 anos, mas não fizeram nada pelas mulheres e não há uma única mulher à cabeça.

As mulheres afegãs não devem esperar que Angela Merkel, Hillary Clinton ou a Rainha Isabel pressionem os talibãs a respeitarem os direitos das mulheres no Afeganistão. As mulheres afegãs não devem esquecer a declaração de Hillary Clinton de que os mujahideen ou os grupos fundamentalistas islâmicos foram criados, financiados e armados pelos Estados Unidos na década de 1980 contra a invasão da União Soviética, bem como emergiram dos talibãs no início da década de 1990 para implementar as suas estratégias geopolíticas no Afeganistão e na região. Para os governos dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha e França, não importa o que é o grupo mercenário, seja anti-mulheres ou anti-direitos humanos, mas o compromisso do grupo com os interesses dos EUA e dos seus aliados e a implementação dos seus programas é essencial.

Os talibãs acreditam ter derrotado a única grande potência militar e económica do mundo, os Estados Unidos, e 45 aliados no campo de batalha, pelo que as ameaças e pressões actuais nunca irão enfraquecer a determinação dos talibãs. Os talibãs insistirão no seu bárbaro sistema islâmico e sharia contra os desejos e necessidades do povo e das mulheres do Afeganistão e esmagarão brutalmente toda a oposição interna.

Os talibãs não têm qualquer agenda sobre a vida das pessoas, a recuperação económica, a educação, a saúde e os serviços sociais, o emprego. O tratamento feroz e desumano das mulheres por parte dos talibãs, a sua incapacidade de ultrapassar crises económicas, o seu envolvimento em actividades terroristas e a sua dependência de certos países estrangeiros só irão agravar a pobreza no país e, por conseguinte, o Governo talibã terá de enfrentar protestos e revoltas generalizados e, eventualmente, ser derrubado.

As forças de esquerda, democráticas e seculares e os activistas dos direitos das mulheres devem ter as suas próprias exigências e objectivos independentes. Exigir a presença de uma ou mais mulheres no gabinete talibã não é lógico nem prático. Com efeito, o Governo talibã não pode representar o povo afegão, então como é que a presença de algumas mulheres simbólicas num sistema religioso tão autoritário e extremista pode ser uma forma de garantir os direitos das mulheres?

Os grupos de esquerda, democráticos, seculares e feministas devem concentrar-se na construcção e no fortalecimento de uma alternativa independente, democrática e secular. Criar imediatamente uma alternativa progressista que se oponha não só aos talibãs, mas também à "Frente de Resistência" jihadista do Norte e à intervenção dos países imperialistas e vizinhos, poderia,a curto prazo, ganhar o amplo apoio dos pobres. A luta não deve ser sobre a reforma do regime talibã ou a instalação de mais mulheres no gabinete, mas sim sobre derrubar o regime talibã e criar um Estado democrático e independente.

Podem ler sobre a questão afegã: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/apocalipse-estrategico-no-afeganistao.html

https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/o-que-podemos-aprender-com-australia-e.html  

E especialmente a Esquerda Radical do Afeganistão: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/retirada-das-tropas-dos-eua-e-da-nato.html  e

: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/09/apocalipse-estrategico-no-afeganistao.html

Esquerda Radical do Afeganistão (LRA)

1 de Outubro de 2021, Cabul, Afeganistão

 

Fonte: Les femmes dans le 2e gouvernement Taliban et la poursuite de la résistance populaire – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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