A Lei Geral do Orçamento de Estado para
2022 que está neste momento a ser cozinhada nos corredores da estrebaria
política de S. Bento, será marcada pela famigerada “bazuca” europeia que já
havia sido anunciada por Ursula Von der Leyen em Setembro do ano passado,
aquando de uma “visita de charme” que fez a Portugal, precisamente para
anunciar a “bondade” do directório imperialista europeu – comandado pela
Alemanha – em atribuir ao país algumas dezenas de milhar de milhões de euros
para fazer face à crise sistémica do
sistema capitalista e ao seu agravamento devido à crise pandémica forjada pela
burguesia dominante.
A Lei Geral do Orçamento de Estado para
2022, tresanda, pois, a “Plano de Recuperação e Resiliência”. Plano que visa,
claro está, resolver os problemas que o grande capital e a burguesia enfrentam
neste momento – quer em Portugal, quer no resto do mundo – e não os problemas
da classe operária e dos restantes escravos assalariados.
Para o Directório Imperialista Europeu –
vulgo União Europeia – esta Lei Geral do Orçamento de Estado para 2022 será,
também, um teste. Teste que certificará – ou não - a capacidade de os seus “bons alunos”
executarem um orçamento estabelecido segundo as regras impostas pelo grande
capital imperialista europeu. Tanto mais importante quando existem, no seio da “confraria”
europeia, alguns “confrades” que já manifestaram a sua “resistência ao “remédio”
orçamental que a UE lhes pretende fazer engolir. Tanto mais quando se estão a
aperceber de que, afinal, o “bodo aos pobres” anunciado pela “bazuca europeia”,
traduzido em muitos milhares de milhões de euros, afinal, terão de ser pagos
... e com língua de palmo.
E, claro está, são para serem pagos como
sempre, pelos operários e pelos trabalhadores portugueses e europeus, que são
esmifrados por via dos impostos, dos baixos salários, da precariedade e do desemprego
e através de políticas que lhes negam o direito à habitação, aos transportes, à
educação, à saúde, à assistência social, à cultura.
É neste contexto que se deve perceber a
pompa e circunstância com que o ministro das Finanças foi entregar a famigerada
pen que continha a Proposta de OE
para 2022, abandonando a versão em papel que tinha efectuado do OE 2021, apresentado nos finais de 2020, e que fez as delícias de todo o mundo do jornalixo em Portugal. O “mestre das cativações”
– segundo a classificação que dele fez o anterior ministro das finanças, essa
figura maquiavélica que dá pelo nome de Mário Centeno e é hoje Governador do
Banco de Portugal – no seu melhor.
Mais um orçamento preparado com aquela
engenharia da manipulação própria de um lacaio como António Costa e seu séquito
de ministros e secretários de Estado. Para assegurar o seu sucesso – e de
orçamentos futuros – Costa tem-se esmerado, a montante, por assegurar aos seus
senhores imperiais que o seu governo se empenhará (literalmente) em executar o
Plano de Recuperação e Resiliência europeu, nos termos em que a potência
colonial, ultrapassada a resistência dos “estados frugais”, conseguiu impor.
E essa engenharia começou por assegurar
o controlo de todos os instrumentos de que a burguesia dispõe para que não haja
“surpresas”. Desde logo, controlando o papel de regulador do Banco de Portugal,
“sacrificando” o “Ronaldo das Finanças” – Mário Centeno – remetendo-o para os
gabinetes do Banco de Portugal. Temeroso, ainda assim, de que esse controlo lhe
fugisse, não deixou nenhum “rabo de palha” e nomeou para a equipa de controlo
da acção do próprio Banco de Portugal gente da confiança estrita de Centeno e
de Costa.
Mas, a cereja do topo do bolo, viria a
ser o Tribunal de Contas, onde era necessário ter um homem de confiança que não
“levantasse ondas” quanto à forma e destino das verbas tão ”generosamente”
injectadas na economia nacional, as tais a “fundo perdido”! Com tantos biliões
em jogo, Costa não quis arriscar que lhe escapasse o controlo sobre a massa e
propôs a Marcelo, que aceitou, um “homem da casa”, isto é, um lambe-botas
encartado!
Mas Costa é um artista! E, como tal,
sabe que para o “espectáculo” ter a credibilidade e a “audiência”, o aplauso
que programou com os seus patrões – o imperialismo alemão – e ser profícua,
necessita de compères. E, como nestas coisas o melhor é apostar em
equipas “ganhadoras”, ei-lo de novo a piscar o olho aos melhores. As muletas do
PCP, do BE, dos Verdes, do PAN, sempre dispostos a, por algumas migalhas, se
prestarem a credibilizar junto dos operários e dos trabalhadores o programa
político e económico que Costa pretende impor a mando do imperialismo europeu.
O papel das muletas de “esquerda” tem
sido recorrentemente asqueroso. Despir o Orçamento de Estado da sua natureza de
classe, fazendo crer, aos operários e demais, escravos assalariados que,
afinal, tudo se trata de negociar as vertentes quantitativas de cada item do
mesmo. Esta é a sua traição. Desviar o proletariado e as massas populares da
sua luta pela destruição de um modo de produção capitalista que, em matéria
orçamental, e não só, só replicará a exploração, a miséria, a fome, a
precariedade e a morte que representa o seu sistema político e económico
moribundo.
Este traidores encartados adormecem a
classe operária e os restantes escravos assalariados, ao tentarem impedir que
eles elevem a sua consciência política e que entendam que o Estado burguês
funciona como o “contabilista geral” da burguesia e do grande capital. E que,
nesta contabilidade, não há espaço para satisfazer as suas exigências mas, tão
só, reservar-lhe algumas migalhas do bolo da exploração a que estão sujeitos,
as suficientes para assegurar uma boa “reprodução” da força de trabalho.
Todo e qualquer orçamento de estado,
nestas condições, visa estipular que parte da mais-valia extraída aos operários
– em Portugal ou incorporado nas mercadorias que o país importa – para diferentes
sectores – é retornada para a indústria, a distribuição, o ensino, a cultura, a saúde, a habitação, os transportes, a assistência social, etc. No entanto,
salvo os retornos a fazer aos detentores do capital, sempre feitos numa lógica “instrumental”!
Isto é, de como esse “investimento” terá um bom retorno para o capital, para a
acumulação capitalista, para o exponenciar da extracção de mais-valia para a
burguesia.
De Carnaval orçamental em Carnaval orçamental, a crise do capitalismo e do
imperialismo, no entanto, agrava-se. Não será certamente por acaso que Marcelo
Rebelo de Sousa, sempre empenhado em que, a uma crise económica e a uma crise
pandémica, não se acrescente uma crise política, insista e persista na nota de
que “sem orçamento”...será o caos. Isto é, lá vem com a ameaça da “bomba
atómica” da dissolução da Assembleia da República e correspondente convocatória
de eleições antecipadas. Se tal chantagem se destina a “convencer” as muletas
do PCP e do BE a acolherem o OE 2022, diremos a Marcelo que o esforço não
compensa o ridículo da sua postura. As muletas servem para isso mesmo ...
MULETAR! E será o que vão fazer, uma vez mais!
Uma maçada com que certamente não se terá de preocupar muito, já que se
começa a vislumbrar um clima de “união nacional”, que tem por propósito
assegurar que as medidas que agravam as condições de vida de operários e
trabalhadores não sofrem qualquer tipo de contestação, revolta ou levantamento
popular. PCP e BE, no seu melhor, a replicar a sua postura de tartufos e
lambe-botas, a fingirem que são “oposição” a Costa, quando se preparam, uma vez
mais, para a folclórica “abstenção” ou para a submissa aprovação do OE 2022.
Depois de eutanasiado o keynesianismo, é agora necessário que os lacaios
como Costa – com a ajuda das prestimosas muletas do PCP, BE, Verdes e PAN – se
disponham a sacrificar-se ao monetarismo, liquidar os acordos de Maastritch e
de Lisboa que eram, até ontem, venerados. E, nestas lutas intestinas, há já
quem queira liquidar os liquidadores!
Foi Christine Lagarde, a actual presidente do BCE, na época em que ainda
era ministra das Finanças de França que afirmou, a 17 de Dezembro de 2010,
ao Wall Street Journal, que: “violamos todas as regras dos tratados
porque queríamos salvar a zona euro”. Consequência? O Banco Central Europeu vai
assumir o controlo e monetizar a dívida usando a máquina de produção Quantitavie
Easing, já que as medidas não-convencionais apenas conseguiram mascarar
parcialmente a recessão global e a deflacção. Toda a economia capitalista está
agora sem dinheiro, não se podendo esperar senão uma real monetarização
da dívida como o revela a injecção de biliões de euros nas economias
dos diferentes países da União Europeia, entre os quais Portugal.
Caso para nos questionarmos como é que o capitalismo pode resistir a uma
paralisia da extracção de mais-valia e permitir-se libertar biliões de euros
para financiar empresas e trabalhadores em autêntico ... pousio?! O trio
Macron, Lagarde, Merkel (que está de saída, para ser substituída pelos seus “seguidores”
no partido social-democrata alemão, o SPD) não tem outra escolha para se opor
aos soberanistas senão proceder a um golpe de força no seio da própria UE.
Fá-lo arregimentando, por um lado, lacaios como Costa para o seu plano de
“recuperação e resiliência” e, por outro, anunciando um Plano de
Recuperação de 750 biliões de euros. Este plano de resgaste – que é do
que se trata – desencadeou uma minicrise dentro da UE entre aqueles que na
Alemanha e nalguns países do norte da Europa são apelidados de “mesquinhos” ou
“Estados frugais”, que querem ater-se aos critérios dos acordos de Maastricht e
Lisboa, ou seja, para não saldar as dívidas dos “países do sul” do continente
europeu. Tal minicrise, para já, parece ter sido ultrapassada. Mas é só aparência pois, diríamos,
está em lume brando, uma espécie de banho-Maria, à espera de que um sector da
burguesia se lembre de lhe deitar mão como argumento contra outros ou outros
sectores da sua própria classe!
Basta atender ao facto de o BCE ter aumentado a sua capacidade de “fogo”
para um nível sem precedentes, na tentativa, dizem, de “limitar os danos
económicos do coronavírus”, decidindo injectar 1.05 triliões de euros no
sistema até ao final do ano com a compra de dívidas de estados e empresas. Um
limite calculado “por baixo” como o revela a presidente do BCE, Christine
Lagarde, que afirmou que “não há limites para o nosso compromisso com o euro”,
para depois rematar, na rede Twitter, que “tempos extraordinários exigem uma
acção extraordinária”.
E, a que “tempos extraordinários” se refere Lagarde? A tempos em que a
burguesia, para voltar a assegurar a acumulação de capital, necessita de se
aproveitar de uma crise pandémica que tem agravado a crise económica e
financeira que há muito se vive, para “reconfigurar” o sistema e o modo de
produção capitalistas. Nesta luta entre o sector da burguesia industrial
tradicional e conservador e a burguesia “tecnológica”, nesta luta entre blocos
imperialistas, cada qual conta as armas de que dispõe para ganhar a guerra que
já está em curso.
Este foi, e continua a ser, um quadro em que a “comunicação social” não se
atreve a dizer que o BCE permitiu que 742 bancos europeus obtivessem
empréstimos de longo prazo LTRO (Long Term Refinancing Operations), a
taxas negativas de -1 %, colocando em destaque que a dívida se torna um produto
financeiro de grande escala. Do que se trata é de assegurar, através das taxas
de desvalorização financeira, a monetarização da dívida.
Claro que, para mascarar esta realidade, governos europeus e seus
especialistas, devidamente instruídos pelos órgãos de comando da UE, querem
assegurar-se que os GAFAMs vão pagar-lhes uma quota-parte da mais-valia que
extorquem aos operários, mesmo sabendo que os GAFAMs que eles apoiam no
desenvolvimento digital para o controlo tipo “big brother” que pretendem impor
aos operários e aos trabalhadores, têm sido até agora intocáveis.
O orçamento de Estado para 2022 – e aqueles que se seguirem nos próximos
anos – incorporam, portanto, a veemente exigência que a UE faz para que cada
país membro desenvolva os seus próprios recursos, o que significa encontrar as
finanças para pagar “o empréstimo comunitário que supostamente desencadeou a
recuperação”. Começa-se a perceber cada vez melhor porque é que o mestre da
manipulação e do engano, António Costa, trabalhou tão diligentemente para
assegurar que o aparelho que irá controlar todo o fluxo de subvenções a “fundo
perdido” que a UE se dispõe a “emprestar” e a determinar que recursos, e em que
montantes, deverão ser afectados para os pagar no futuro próximo, esteja
povoado de homens e mulheres da sua estrita confiança.
Pois é! Temos de ser nós a dar a má notícia. O sistema da dívida perpétua
que este plano incorpora mais não fará do que protelar a dívida. É cada vez
mais claro que os países da OCDE adoptaram a Teoria Monetária Moderna.
Esta teoria que vem dos Estados Unidos está a ganhar cada vez mais adeptos
junto de partidos e organizações que se reclamam de esquerda e que se colocam
em bicos dos pés para terem direito a alguma migalha no bolo do orçamento
capitalista, construído à custa da mais desenfreada exploração dos
assalariados.
Assim vemos a defender o MMT – criação monetária – figuras como Mélenchon
(do partido pequeno-burguês reformista – França Insubmissa(?!) ou economistas
afectos ao PCP e ao BE, que acreditam que o dinheiro é um monopólio público que
pode ser utilizado a seu belo prazer, defendendo que a criação monetária não é
um factor de hiperinflacção e não possui, muito menos, uma natureza de classe –
burguesa, capitalista e imperialista.
É preciso explicar a esta gente obtusa e oportunista que uma dívida é
monetarizada quando é comprada pelo Banco Central, que a paga criando dinheiro.
Deve ser entendido que esta operação não altera nem a poupança, nem a riqueza.
Apenas substitui, na riqueza dos agentes privados – famílias, empresas,
intermediários financeiros – a dívida pública por dinheiro.
Portanto, essa política só é eficaz se a detenção de dinheiro levar a um
comportamento diferente daquele que resulta da detenção de títulos. Talvez que ter
mais dinheiro possa levar as famílias a consumir mais, a empurrar os bancos
para distribuir mais crédito. Essa é a condição para a eficácia das políticas
de flexibilização quantitativa – Quantitative Easing –
dos bancos centrais, tão do agrado de PCP, BE, Verdes e PAN.
Para os adeptos da Teoria Monetária
Moderna (MMT), a monetarização da dívida pública pode evitar a evasão da despesa
privada. Segundo esta teoria, o Estado traz a economia de volta ao “pleno
emprego”, ao colocar em prática o défice público necessário, seja qual for a
sua dimensão, e o Banco Central monetariza as dívidas públicas correspondentes
para evitar o aumento das taxas de juros a longo prazo que reduziriam o
investimento das empresas e os gastos das famílias. É por isso que os países da
OCDE, na crise do coronavírus, adoptaram a Teoria Monetária Moderna: défice
público massivo, compra pelo Banco Central contra criação monetária de títulos
públicos emitidos. E é precisamente isto que podemos observar no Projecto de
Lei do Orçamento para 2022 - tal como já havia acontecido no OE para 2021 -, bem
como nas diferentes propostas de alteração que o PCP e o BE, sobretudo, estão a
negociar com Costa e o seu executivo.
O “sucesso” da luta contra o desemprego deve-se assim, unica e
exclusivamente, à hipermaquinaria que expulsa os indivíduos do mundo do
trabalho através de um oceano de supranumerários que terão de ser
alimentados ... ou mortos! É por isso que o MMT é um beco sem saída, apesar de
tão aplaudido pelo PS e pelas suas muletas de estimação. Um beco sem saída que pretende
conduzir a um capitalismo de Estado – as ditas nacionalizações.
Luis Júdice
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