1 de Outubro de
2021 Ysengrimus
YSENGRIMUS — Houve um tempo (a minha juventude!) em que o pensamento crítico, especialmente aquele que envolve o questionamento socio-político e/ou socio-histórico, nunca encontrou mais do que uma objecção: a repressão. Qualquer debate de análise foi realizado no modo de luta aberta e os poderes responderam aos seus opositores simplesmente silenciando-os. Ainda existe, sem dúvida, embora, muitas vezes, de uma forma mais silenciada. Mas ao directo, frontal, assumiu-se que a repressão foi adicionada a todo um novo jacto de tinta doutrinária, substituindo conscientemente o repressivo pelo argumentativo. Esta é a Teoria da Confirmação. Revolução do conhecimento, proibição da proibição e explosão de dispositivos de informação que ajudam, o pensamento crítico vê agora um pensamento anticrítico articulado, implantado, levantando a luva, ocupando o campo.
Chamo ao confirmacionismo uma atitude descritiva destinada a reanimar a versão acordada da análise de uma determinada situação socio-política ou socio-histórica, afectando para criticar aqueles que a criticaram e esta, comportando-se como se a versão crítica ou alternativa devesse, com urgência, ser desmentida(desmascarada). O confirmacionismo é um anti-crítico pós-crítico. A sua intervenção, sempre reactiva, é falsamente inovadora. Na verdade, tudo o que faz é colocar a versão acordada de novo em pé, sem o aprofundamento original, mas geralmente dificultando mais a crítica do que antes. Todo a aparência do aprofundamento do confirmacionismo vem, de facto, pelo efeito da recuperação intelectual, das análises críticas que procura evitar. O confirmacionismo é um entupimento descritivo e um bloqueio argumentativo, nada mais.
Comemorativo até à
ponta das unhas, podemos dar, por exemplo e como exemplo, o exemplo (entre mil)
do documentário O ASSASSINATO DE KENNEDY: BEYOND
CONSPIRACY, da BBC (2003), que permanece, até hoje, a mais
completa articulação da versão confirmatória da explicação
do assassinato de John Fitzgerald Kennedy (a reter,
precisamente, o além/beyond...). Um atirador, o
"marxista" Lee Harvey Oswald, fez o movimento na
atmosfera exacerbada da Guerra Fria, a partir de estritas convicções pessoais
(sem envolvimento soviético ou cubano) e exacerbou o narcisismo romântico (o
documentário fornece uma biografia perturbadora e detalhada de Oswald). Foi
então morto por um impulsivo dono de um cabaré de
stripper, Jack Ruby, que queria vingar o presidente.
A apresentação deste relançamento da versão acordada das coisas é brilhante,
credível, indubitavelmente convincente e contrabalança solida e eficazmente a
tese de um assassinato político de natureza doméstica envolvendo vários
atiradores. As dimensões políticas (a Guerra Fria, entre outras) e até as
dimensões artísticas (JFK, filme de Olivier Stone
de 1991, com Kevin Costner) são analisadas, sempre do ângulo confirmacionista.
A ideia de uma "conspiração de assassinos" é dada aqui, basicamente,
como uma crença colectiva, rebelde, anos sessenta, transmitida e inútilmente
perpetuada por alguns tribunos políticos e artistas. É necessário assistir a
esta apresentação confortavelmente articulada de uma hora e meia (em inglês)
para medir o grau de perfeição agora adquirido pelo discurso dos anticorpos
conformistas. Aqui temos uma aplicação imparável da teoria da
confirmação.
Então, como funciona o confirmacionismo, este anti-crítica contemporâneo, cada vez mais difundido, resoluto e activo? Identifico cinco facetas do seu modus operandi:
1- Isolar e fragmentar o
evento analisado. O confirmacionismo elimina confortavelmente os
postulados da versão acordada das coisas. Estes estão no local, disponíveis em
todos os pontos de desenvolvimento. Trata-se, portanto, de tomar este último,
passo a passo e isolado (especialmente isolado de um panorama socio-político ou
socio-histórico geral), de enriquecer e apoiar, passo a passo. Reconstruímos
calmamente esta versão das coisas que nenhuma das peças falta desde que já lá
estava, antes de nos atrevermos a questioná-la. Ao afectar a revisão de tudo, tudo
polir, tudo deitar abaixo, como se nos estivessemos a dirigir a uma audiência
que não entendesse bem, retomamos, insidiosamente e sem os nomear
abertamente, os argumentos da versão crítica que atacamos
calmamente, tornando-o nas novas fases de um desenvolvimento neutro na
aparência, discretamente influenciado pela crítica de facto. A implantação é,
portanto, solidamente cripto-argumentativa. O quadro invisível da versão
crítica marca-o. Um a um, mônade (o mais alto deus, criador de todos os outros –
NdT) por mônade, as ideias recebidas, inevitavelmente presentes na mente, como
se irritantes, recuem no lugar e a calma sabedoria retorna. Trata-se de
confirmar e comprovar, friamente, serenamente, deixar o nervosismo dialéctico e
o belo risco de originalidade juvenil, fervente e escaramuçador contorcer-se
nas pernas do objector, possível ou real.
2- Prestígio e credibilidade implícita das fontes convencionais. O confirmacionismo é fundamentalmente conformismo. Ele confia na nossa boa e velha fibra conservadora e escolar. Pode ter a certeza de que uma descrição confirmativa dos factos será abertamente (mas sempre discretamente, sem alarido ostensivo, como algo evidente) citando uma bateria de fontes tranquilizadores e reconfortantes. The New York Times, times magazine, BBC, National Geographic, Anderson Cooper, jornal Le Monde. Evitaremos modestamente certas fontes de informação consideradas excessivamente suspeitas ou mata-mouros: a Wikipédia, a CIA, a Voz da América, Michael Moore, a Al Jazeerae, claro, os nossos bons e velhos soviéticos, cujo passado empresarial em descrédito permanece sempre inquebrável. Ronald Reagan continua a ser um presidente de quem nada de falso pode sair e Richard Nixon um presidente de quem nada de verdade pode sair. Estas duas fontes estão habituadas ao endosso, quando possível. Um corolário patente desta citação compulsiva e suave de todas as fontes trado (instrumento de aço de grande espessura em forma de espiral – NdT) como implicitamente válido, sem retrospectiva ou questionamento grave, é a mobilização ad hominem dos elementos de descrédito conexos. Portanto, se o seu pensador crítico ou o seu objector alternativo é um cidadão comum, se ele é uma espécie de maverick e não está cheio de diplomas ou distinções, se ele tem apenas os seus braços enrugados, as suas patas negras e a sua inteligência de carvão, alter-globalista ou sindicalista, a brandir para reivindicar uma análise cidadã alternativa de um dado facto, contornamos cuidadosamente os seus argumentos (especialmente se eles são sólidos) e atacamo-lo, a ele ou a ela. Julgando a árvore pelo seu pedigree e não pelos seus frutos, a este cidadão comum é muito calmamente negado o direito de falar, sem ter vergonha de lhe dizer que simplesmente não faz parte do círculo de mestres pensadores. Sim, ainda estamos aí. Voltámos a isso.
3- Abrir a ignorância ou a simplificação caricatural da versão crítica. O discurso confirmacionista continua a ser um discurso institucional e ignorar a existência de uma crítica alternativa aos factos continua a ser um reflexo, precisamente institucional, antigo como o mundo. Mesmo quando se estabelecem algumas análises críticas alternativas de um evento e ganham credibilidade sólida, os órgãos de confirmação, os jornais e a téloche (grande TV – NdT) em particular, simplesmente não falam sobre isso. É como se não existisse. Se a explosão da Internet poderia, durante algum tempo, fazer de conta o desaparecimento desta propaganda pelo silêncio, é evidente que a ordem estabelecida se recuperou singularmente. Sede de visibilidade e twitto-narcisismo, o famoso jornalismo cidadão transforma-se gradualmente num grande telex de poderes de comunicação convencionais. O código de silêncio no ruído é restaurado, lenta, mas implacavelmente. Se, com a morte na alma, o confirmacionismo tiver de mencionar explicitamente a versão crítica alternativa do evento, será então fazer engenharia reversa, desarmá-la, fazer uma selecção de características dispersas, reter apenas os elementos mais facilmente caricaturados e susceptíveis de alimentar a vingativa implícita que, por sua vez, não perde uma para começar imediatamente.
4- Expansão hipertrofiante da noção de "Teoria da Conspiração". Aqui, vamos acalmar-nos um pouco e recordar a famosa Comissão Trilateral da nossa juventude, instância de forma engraçada oculta mas, acima de tudo, necessariamente OMNIPOTENTE (sem qualquer concessão - este NB). Os nossos Teóricos da Confirmação são muito rápidos, hoje em dia, a esquecer que a verdadeira conspiração local ainda representa a autoridade que mitologiza como totalmente demiúrgica sobre todo o desenvolvimento histórico. Uma verdadeira Teoria da Conspiração é uma análise fundamentalmente totalitária, uma paranoia absoluta, redonda, inteira e não-desprezível. Postula que toda a história, incluindo crises e tudo o que irrompe sem aviso prévio, é friamente decidida por um organismo oculto favorito (Comissão Trilateral, Grupo Bilderberg, Seita Illuminati, Anciãos de Sião, Rosicrucianos, Templários - escolha o seu favorito,precisamos de um em qualquer caso). No entanto, o actual confirmacionismo importa maciçamente o ridículo paranoico da Teoria da Conspiração, enquanto o eviscera do seu conteúdo essencial. O programa de confirmação retém da ilusão conspiro apenas o que serve a sua própria abordagem de manchar: resmungos cépticos, rejeição reflexa da análise superficial das coisas, ardor crítico em tiros pela culatra e desconfiança da ordem estabelecida. Tanto que, para a visão agora imposta pela Teoria da Confirmação,quem duvida da versão oficial das coisas é imediatamente um conspiracionista peludo e estranho. E, no entanto, o cidadão avisado não precisa de acreditar, míticamente, por não sei que voo paranoico estéril e tão facilmente desacreditado, numa sociedade secreta megalómana para farejar o banal e desajeitado almíscar do esquema generalizado. Ele é uma daquelas armadilhas sociológicas e temos aqui uma muito boa: a Teoria da Conspiração 2.0, versão enfraquecida, multifacetada e para todos os fins. É agora que a menor observação crítica é imediatamente rotulada de conspiração. Há aqui uma óbvia censura da subversão intelectual colectiva que não diz o seu nome e que não hesita em lançar uma rede larga. O conformismo preocupante obriga, ousando denunciar uma conspiração (uma verdadeira, uma muito pequena, uma ordinária, uma conspiração com um pequeno "c") torna-se hoje em dia um exercício arriscado, um fluxo terrível de argúcias, mais prejudicial à imagem de quem o faz do que à atividade de quem conspirou. Ainda é um mundo.
5- Reivindicar
"ciência" e "cientistas". A Teoria da
Confirmação é muito abertamente científica. Ela afirma ser desmamada da
"ciência", muitas vezes em vez das ciências naturais, eh. As
humanidades e as ciências sociais não fazem geralmente parte do seu negócio de
prestígio (sabemos a canção: Darwin está em todo
o lado, Marx não está em lado nenhum). O confirmacionismo
apresenta-se, portanto, como professando "factos científicos",
imputando, muito abertamente, "crenças" e "opiniões" aos
seus opositores críticos. Ele argumenta abertamente, muito abruptamente, apesar
de que a natureza científica das suas afirmações é muitas vezes altamente questionável.
Além disso, o confirmacionista não é um segundo tramado, além de estar ciente
de que a ciência está, de facto, em crise. Pois, sim... Deve observar-se que a
"ciência" contemporânea mancha muito do seu grande trabalho. Pinta
ratinhos com lápis de feltro, fingindo estar a enxertar a pele, para receber os
subsídios. Prova "quimicamente" que não há correlação entre o tabaco
e o cancro. Destaca-se como um traseiro ao serviço de interesses industriais e
políticos. Numa palavra: existe socialmente. Além
disso, uma soma fenomenal do que se chama "ciência", no discurso
confirmado como noutros lugares, nunca é mais do que técnica, técnicismo,
canalização. Caros confirmacionistas, a vossa "ciência" está a
remendar. Serve os seus empregadores e mestres, não é independente, abstracta,
angelical, técnica de laboratório. Ela disfarça-se de verdade, mas não passa de
um dogmatismo servil que posiciona no campo uma certa versão das coisas. E, o
que se vê como uma ausência de debate rapidamente fechada pela ciência, é
apenas o reflexo, na sua mente, das certezas deste dogmatismo e desta versão.
Duvidar, investigar, nunca confiar muito no conhecimento indirecto, nos
diktats, na falsa neutralidade das fontes, esta é a base radical de toda a
ciência. O que é que fizeste com esta atitude? Amarraste-a para servir a todos
os poderes e a todas as docilidades.
Esta é a táctica de ataque dos confirmacionistas. Compreenderam que o ridículo não mata. Pior, congela, intimida, assusta. Então já não nos aproximamos do pensamento crítico com um bastão. Está envolta na lama untuosa da difamação fundamentada. Experimente. Tente criticar a versão recebida das coisas, sem totalizar a paranoia, com toda a sinceridade, pontualmente, apenas pela verdadeira razão honesta que o motiva: não a sente e descobre que está errada, um pouco ou nada mal. Os confirmacionistas vão reunir-se em rajadas. São pegajosos como moscas, como bónus. Observará rapidamente que a nuvem fervilhante de sofismas da Teoria da Confirmação o espera na curva. Pensamento livre, disse você? Conformismo pesado, sim...
Fonte:
Le confirmationnisme – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua
Portuguesa por Luis Júdice
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