quinta-feira, 26 de maio de 2022

Não, não é a guerra na Ucrânia que está a causar a crise alimentar mundial

 


 26 de Maio de 2022  Robert Bibeau  

By Moon of Alabama – 21 de Maio de 2022

A Rússia é injustamente acusada de bloquear os portos marítimos da Ucrânia e, assim, agravar uma escassez alimentar mundial:

 

As Nações Unidas alertaram que a guerra na Ucrânia está a ajudar a alimentar uma crise alimentar mundial que pode durar anos se não for controlada, enquanto o Banco Mundial anunciou mais 12 mil milhões de dólares em fundos para mitigar os seus "efeitos devastadores".

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a escassez de cereais e fertilizantes causadas pela guerra, o aquecimento das temperaturas e os problemas de abastecimento relacionados com a pandemia ameaçaram empurrar dezenas de milhões de pessoas para a insegurança alimentar.


Falando numa reunião da ONU em Nova Iorque sobre segurança alimentar mundial, disse que o que se seguiria seria "desnutrição, fome em massa e inanição, por causa de uma crise que pode durar anos". Ele e outros exortam a Rússia a liberalizar as exportações ucranianas de cereais. ...

Antes da invasão de Fevereiro, a Ucrânia era considerada a cesta de pão do mundo, exportando 4,5 milhões de toneladas de produtos agrícolas por mês através dos seus portos – 12 por cento do trigo do mundo, 15 por cento de milho e metade do óleo de girassol.

Mas com os portos de Odessa, Chornomorsk e outros isolados do mundo por navios de guerra russos, os abastecimentos só podem ser feitos através de rotas terrestres congestionadas e muito menos eficientes.

Não é a Rússia que está a reter os cereais ucranianos ou a bloquear os seus portos marítimos. A Ucrânia fá-lo por si só. Conforme relatado pelo quartel-general russo para a coordenação conjunta da resposta humanitária na Ucrânia:

75 navios estrangeiros, oriundos de 17 países, estão retidos em 7 portos ucranianos (Kherson, Nikolaev, Chernomorsk, Oshakov, Odessa, Yuzhniy e Mariupol). A ameaça de bombardeamentos e o elevado perigo das minas instaladas por Kiev nas suas águas internas e no mar territorial impedem que os navios saiam dos portos em segurança e atinjam o alto mar.

Confirmando isso, a Federação Russa abre todos os dias das 08:00 às 19:00 (hora de Moscovo) um corredor humanitário, que é uma rota segura para o sudoeste do mar territorial da Ucrânia, com 80 milhas náuticas de comprimento e 3 milhas náuticas de largura.

Informações detalhadas em inglês e russo sobre o modus operandi do corredor humanitário marítimo são transmitidas diariamente a cada 15 minutos na rádio VHF 14 e 16 dos canais internacionais, em inglês e russo.

Ao mesmo tempo, as autoridades de Kiev continuam a evitar o diálogo com representantes do Estado e armadores para resolver a questão de assegurar a passagem segura de navios estrangeiros para a zona de encontro.

O perigo para a navegação colocado pelas minas ucranianas que se deslocam ao longo das costas dos Estados do Mar Negro permanece.

A Federação Russa está a tomar uma série de medidas para garantir a segurança da navegação civil nas águas do Mar Negro e do Mar de Azov.

Pode dizer-se que isto é apenas propaganda russa. Mas não, não é. A Organização Marítima Internacional (OMI) publicou relatórios sobre segurança marítima no Mar Negro e no Mar de Azov:

No início do conflito, cerca de 2.000 marinheiros ficaram retidos a bordo de 94 navios em portos ucranianos. Desde então, 10 navios deixaram o Mar de Azov em segurança e ainda há 84 navios mercantes, com quase 450 marinheiros a bordo. ...

O Conselho (C/ES.35), em 10 e 11 de Março, concordou em incentivar o estabelecimento, como medida provisória e urgente, de um corredor marítimo azul seguro, a fim de permitir a evacuação segura dos marinheiros e navios das zonas de alto risco do Mar Negro e do Mar de Azov para um local seguro, a fim de proteger a vida dos marinheiros, e assegurar a mobilização e a navegação comercial dos navios que pretendam utilizar este corredor evitando ataques militares, protegendo e securizando o domínio marítimo. ...

A Federação Russa informou a OMI de que tinha criado um corredor humanitário para garantir a evacuação segura das embarcações depois de terem deixado as águas territoriais da Ucrânia. Apesar desta iniciativa, subsistem ainda muitas questões de protecção e segurança que impedem o acesso ao corredor e a capacidade de os navios abandonarem os seus cais nos portos ucranianos.

Os portos ucranianos estão no nível 3 da MARSEC (segurança marítima) e permanecem fechados à entrada e saída. As minas marítimas foram colocadas nas aproximações aos portos e algumas saídas portuárias estão bloqueadas por barcaças e guindastes afundados. Muitos navios já não têm tripulação suficiente a bordo para poderem navegar.

A Ucrânia também forneceu as suas condições prévias para a evacuação segura dos navios dos seus portos. Estas condições incluem o fim das hostilidades, a retirada de tropas e a garantia da liberdade de navegação no Mar Negro e no Mar de Azov, incluindo a realização de actividades de desminagem com a participação dos Estados limítrotes do Mar Negro.

O nível MARSEC de um porto é determinado pelas autoridades locais. A Ucrânia proíbe simplesmente os navios de entrarem ou deixarem os portos sob o seu controlo. Tornou-os reféns e está a fazer exigências irrazoáveis para a sua libertação.

Também colocou cerca de 400 minas ancoradas em Odessa, que são tão antigas que algumas delas separaram-se das suas correntes e deslocaram-se para sul em direcção à Turquia.

Entretanto, navios estrangeiros que tinham sido detidos pela Ucrânia em Mariupol conseguiram partir, desde que a Rússia tomou a cidade e o seu porto.

O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, certamente sabe de tudo isto. O facto de acusar a Rússia de ter provocado um bloqueio só mostra que não está a honrar a neutralidade que a sua posição exige.

A escassez alimentar mundial existe desde o início de 2021. Não foi causada pela crise ucraniana, mas, como indica um relatório de Outubro de 2021, por preços elevados na sequência de perturbações na cadeia de abastecimento durante a pandemia:

A escassez de alimentos no mundo não se deve apenas a problemas na cadeia de abastecimento. De acordo com um rápido inquérito telefónico realizado pelo Banco Mundial em 48 países, um número significativo de pessoas está a ficar sem comida ou a reduzir o seu consumo. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), os preços dos alimentos a nível mundial atingiram o seu nível mais alto numa década, devido ao aumento dos preços dos cereais e óleos vegetais. Apesar do consumo recorde de cereais, prevê-se uma escassez com base em projecções de consumo mais elevadas.

As acusações de Guterres são um copy/paiste (corta e cola) de comentários feitos pelo Secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, numa entrevista:

Blinken: A Ucrânia é um dos principais produtores de trigo, entre outros, no mundo. A Rússia, naturalmente, é, em si, um grande produtor. E na Ucrânia, há literalmente dezenas de milhões de toneladas de trigo que estão bloqueadas porque a Rússia está a bloquear os portos ucranianos. Há cerca de 85 navios no momento com grão, com trigo no seu interior. Não podem sair. Ainda há 22 milhões de toneladas de trigo em silos perto de portos que não podem sair.

Blinken mente sobre o bloqueio dos portos. Além disso, actualmente, a Ucrânia exporta trigo por caminho-de-ferro, por barcaças no Danúbio e, em seguida, através do porto romeno de Constanta. No entanto, é provável que este trigo vá para a Europa.

Blinken também está a mentir sobre os fertilizantes:

Blinken: A razão para isso é que há também uma escassez de fertilizantes, porque grande parte dele é produzido na região. Isto significa que quando os agricultores pensarem nas colheitas do próximo ano, se não tiverem fertilizantes, os rendimentos diminuirão. Portanto, haverá ainda menos alimentos no mercado e os preços vão subir ainda mais.

A Rússia e a Bielorrússia são grandes produtores de fertilizantes. Nenhum dos dois foi impedido de produzir pela guerra. Portanto, não há escassez. A única razão pela qual os Estados Unidos e os países "ocidentais" não receberão fertilizantes destes países são as sanções que decretaram contra esses países.

Esta passagem da entrevista de Blinken tem um elemento cómico:

P: Esteve em Kiev recentemente, há cerca de um mês, e disse que a Rússia está a falhar e que a Ucrânia está a ter sucesso. Qual é a sua avaliação hoje?

Continua a ser o caso. Eis o que é importante: o objetivo número um de Putin na entrada na Ucrânia era impedir a sua independência, a sua soberania, trazer completamente a Ucrânia de volta à Rússia, para a integrar, de certa forma, na Rússia. Isto já falhou.

Como é que o Blinken sabia qual era o objetivo número um de Putin? Entrou na cabeça de Putin? O próprio Putin deu as razões para lançar a operação no seu discurso do Dia da Vitória. A independência da Ucrânia nunca foi posta em causa.

A próxima pergunta depois de Blinken ter entrado na cabeça do Putin é esta:

P: Como pode ter estado tão errado? Como pode ter feito tal erro de cálculo?

É muito difícil entrar completamente na cabeça de outra pessoa.

Sim. Foi o que eu pensei.

P: O que quer dizer com informação?

Bem, tínhamos, claro, informações muito boas sobre a agressão planeada pela Rússia, em primeiro lugar, que partilhámos com o mundo. Muitas pessoas estavam cépticas. E esta é uma daquelas coisas em que, como disse, gostava de estarmos errados, mas tínhamos razão. ...

Quando, no Inverno de 2021, Biden alertou para uma "iminente invasão russa" da Ucrânia, não sabia quais eram os planos da Rússia. O que ele sabia, no entanto, era que a Ucrânia estava a preparar, com a ajuda dos Estados Unidos, um ataque generalizado às repúblicas do Donbass, em Fevereiro de 2022.

Biden sabia que nenhum político russo poderia afastar-se se isso acontecesse. Quando se sabe quando uma guerra vai começar, é claro que é fácil prever quando a resposta a essa guerra terá lugar.

Em 16 de Fevereiro, os ataques de artilharia ucraniana ao Donbass aumentaram de algumas dezenas por dia para mais de 2.000 por dia, como observou e relatado pela Missão Especial de Observadores da OSCE. Foram estes preparativos de artilharia para um ataque de pleno direito que levou a Rússia a lançar uma operação preventiva na Ucrânia.

Isto é confirmado por um recente boletim russo sobre a libertação de Azovstal (tradução automática):

A operação [russa] [na Ucrânia] começou no contexto da situação no Donbass, que se agravou em meados de Fevereiro. As autoridades da RPD e da LPR relataram uma intensificação dos bombardeamentos por parte das tropas ucranianas, anunciaram a evacuação de civis na Federação Russa e exigiram o reconhecimento da sua independência. Em 21 de Fevereiro, Putin assinou os decretos correspondentes.

Mais uma vez:

§  Houve e continua a haver uma crise alimentar mundial porque a alimentação tornou-se incomportável para algumas pessoas.

§  A guerra na Ucrânia não é a causa da crise alimentar.

§  A Rússia não bloqueia os portos ucranianos.

§  A Ucrânia poderia exportar mais trigo se permitisse que os navios deixassem os seus portos.

§  Putin nunca questionou a independência da Ucrânia.

§  A razão para esta guerra foi o planeado e preparado ataque ucraniano contra o Donbass.

Tudo o que disser o contrário é propaganda.

Moon of Alabama

Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone.

 

Fonte: Non, ce n’est pas la guerre en Ukraine qui provoque la crise alimentaire mondiale – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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