RENÉ — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
Shireen Abou Akleh, de Jacques Marie Bourget, um sobrevivente de atiradores
israelitas.
A acumulação de barbárie com rosto humano, suicida para Israel, levantará
um dia o brasão de chumbo que quer sufocar a Palestina.
Cinquenta e cinco (55); o número de jornalistas palestinianos mortos pelas
forças de ocupação israelitas desde 2000, quando começou a segunda intifada, e
16 o número de jornalistas palestinianos presos.
Nota
do editor
https://www.madaniya.info/
A jornalista cristã palestiniana Shireen Abu Akleh, correspondente do canal
trans-fronteiriço árabe "Al Jazeera" para os territórios
palestinianos ocupados, de uma família de Jerusalém com dupla cidadania
palestiniana, foi morta pelo exército israelita em 11 de Maio de 2022, perto do
campo de refugiados palestiniano de Jenin, enquanto vestia um colete à prova de
bala que mencionava PRESS com todas as letras.
Um ano após a destruição da Torre de Media em Gaza, que albergava os escritórios
da Al Jazeera e da agência noticiosa norte-americana Associated Press, a morte
de Shireen Abu Akleh eleva para cinquenta e cinco (55) o número de jornalistas
palestinianos mortos pelas forças de ocupação israelitas desde o ano 2.000,
data do início da primeira intifada e para 16 o número de jornalistas
palestinianos presos.
No mesmo sentido, 150 despojos palestinianos, incluindo os restos mortais
de 9 crianças, permanecem retidos pelas autoridades israelitas como reféns.
Será organizado no dia 27 de Agosto de 2022, em Beirute, um dia internacional
de solidariedade para exigir o regresso dos restos mortais palestinianos às
suas famílias. O dia de solidariedade é organizado por Mohamad Safa, director
do Centro Khiam, nomeado em homenagem ao centro de detenção criado pelos
israelitas no sul do Líbano durante a sua ocupação desta área fronteiriça
libanesa (1976-2000). Fim
da nota.
O testemunho de Jacques Marie Bourget
Hoje, esses vídeos implacáveis que desenrolam o carretel da vida também nos
permitirão, quando o drama estende o seu véu, ver a morte de frente. Assistindo
à filmagem da minha bela colega Shireen Abu Akleh a ser apanhada por uma rajada
de tiros, revivi a minha própria morte, ou quase morte. De facto, desde 21 de Outubro
de 2000 em Ramallah, fui assim apanhado, como ela, pela mira de um “sniper”
israelita. Que apontou para o meu coração. Coincidência da história, o
criminoso de guerra -já que se trata disso segundo a Convenção de Genebra- não atingiu
o que queria destruir; atirando apenas alguns centímetros mais acima. Graças a
essa combinação de sorte e ao formidável talento dos cirurgiões palestinos,
sobrevivi.
Vamos ser claros, a vítima é mesmo Shireen e não eu que ainda ando por aí.
Escrever estas linhas é apenas uma forma de solidariedade através do
testemunho. Por experiência própria, posso descrever os segundos horríveis que
foram, para Shireen, os últimos da sua vida. Você é um jornalista, você está
ali desarmado, não para fazer a guerra, mas para relatar, para permitir que o
mundo veja o invisível. Então é a perplexidade, o incompreensível da ferida, a
passagem para outro mundo.
Uma repórter da qualidade de Shireen tinha experiência suficiente para não
se colocar sob fogo de propósito. Se ela caiu não foi coincidência do azar, foi
porque um bárbaro decidiu, tirando a sua vida, cometer um crime de guerra. De
acordo com a lei, um ataque terrorista com o qual ele não se importa, pois sabe
que ao puxar o gatilho, que ficará impune.
Certa vez conheci a jovem em Ramallah, em Gaza, em Jerusalém, no pátio do
hotel “American Colony” que era o palácio de Lawrence da Arábia. Ela era intrínsecamente
jornalista e palestina, mas também palestina e jornalista.
Como Paul Nizan (também morto a tiro) era marxista e francesa. Aqueles que
se atrevem a dizer-nos hoje que os seus escritos eram militantes são covardes,
eles foram simplesmente justos. Corajosa nas suas histórias, corajosa no campo,
sempre manteve um senso de hospitalidade, sempre pronta para ajudar os outros.
Mais do que uma mulher, ela é um exemplo que foi assassinado.
Volto à experiência da morte E também quero pedir perdão a esses palestinianos
"anónimos" que, quase todos os dias, caem sob o fogo israelita.
Destes, a imprensa ocidental fala pouco e raramente aparecem nas televisões.
Não passam de um número que se soma ao número de mortes contabilizadas todos os
meses, todos os anos... E o mundo, de olhos fechados, ri desta procissão. Com a
sua morte, Shireen também ressuscita a memória de todas as vítimas que caíram
em silêncio.
Muito gravemente ferido, deixado na calçada pelos indiferentes democratas
israelitas que se recusaram a ajudar-me, conheço o refrão adoptado hoje pelas
“autoridades” israelitas: “foram os palestinos que atiraram”. As mentiras dos
"contadores de histórias" são mantidas em reserva, prontas para serem
servidas quentes.
Esta negação permite que todos os cegos do planeta, tão apaixonados pela
verdade, mas ali sem querer saber de nada, sejam portadores de uma insuportável
cautela "não se empolgue, esperemos pelas provas". Evidência que
nunca virá, ou virá tarde demais, com o drama a ser apagado das memórias
ocidentais.
Depois vem o boato, o da “investigação imparcial”. O que, claro, só pode
ser credível executado pelos “especialistas” israelitas. Pessoalmente depois da
minha lesão, foi-me servida esta mentira, a de um “exército que estava a
realizar uma investigação”. É falso e esta ilusão, esta isca é ignóbil: as pás
que atiram a terra do enterro.
À força de lutar, com a ajuda do advogado William Bourdon e de alguns
juízes franceses, acabei por aprender oficialmente da parte de Israel: “que o meu
caso havia sido estudado, mas que o relatório militar era secreto.
O cúmulo do desprezo, os meus assassinos ousaram acrescentar que este
relatório oficial havia sido "perdido" mas que, em todo caso, o tiro
que atravessou o meu corpo foi obra dos "palestinianos"!
Enquanto, após 20 anos de luta, a justiça francesa reconheceu que eu tinha
sido de facto "vítima de uma tentativa de assassinato por parte de
Israel" (um crime de guerra). Mas de onde é que os magistrados franceses
tiram essa certeza? Tem uma bala fina de metal removida da minha omoplata.
Analisada por especialistas, a munição é de facto uma bala M16 fabricada pela
IMI, a indústria de armas israelita. Apesar de não ser punido, o culpado é
conhecido.
Mesmo que os amantes do uso de guarda-chuvas com bom tempo digam com os
lábios cerrados que "a comparação não vale a razão", sei intimamente
tudo sobre a morte de Shireen e que só a sorte quis que eu respirasse de novo.
O meu testemunho pretende ir, como escudo, contra as mentiras oficiais e
dar um pouco de esperança a quem amava Shireen. O estudo balístico, na área
onde a nossa colega foi morta, e o de um projéctil - se encontrado - ainda
podem revelar um culpado. Um dia ele será castigado, ele e aqueles que são
solidários com ele, os seus filhos talvez, castigados por muita vergonha e
injustiça acumuladas.
Assim, eu recomendo, àqueles que não estão indignados, para ver as imagens
tiradas quando o corpo de Shireen é removido do necrotério do Hospital
Jerusalém. Vemos então um pelotão da polícia israelita lançar o ataque a um
caixão, como se esses não-humanos quisessem a segunda morte de uma jornalista
indomável demais.
O acúmulo de barbárie com rosto humano, suicida para Israel, levantará um
dia o brasão de chumbo que quer sufocar a Palestina.
Sobre
§
O caso Jacques Marie Bourget:
https://www.madaniya.info/2015/11/15/en-hommage-au-combat-opiniatre-de-notre-confrere-jacques-marie-bourget/
§
As contribuições de Jacques Marie
Bourget para madaniya
https://www.madaniya.info/2017/04/13/syrie-washington-gaz-et-mensonges-a-tous-les-etages/
https://www.madaniya.info/2014/11/03/herve-gourdel-in-memoriam/
§
Para o orador árabe, o testemunho de
Jacques Marie Bourget neste link
§
A homenagem do académico
argelino-canadiano Ahmad Ben Saada a Shireen Abou Akleh
https://www.ahmedbensaada.com/index.php?option=com_content&view=article&id=613:requiem-pour-shirine&catid=48:orientoccident&Itemid=120
ILUSTRAÇÃO:
Criador: Maya Levin | Créditos: AP
Fonte: Shireen Abou Akleh – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
Sem comentários:
Enviar um comentário