terça-feira, 24 de maio de 2022

Shireen Abu Akleh

 


 24 de Maio de 2022  René  

RENÉ — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.

Shireen Abou Akleh, de Jacques Marie Bourget, um sobrevivente de atiradores israelitas.

A acumulação de barbárie com rosto humano, suicida para Israel, levantará um dia o brasão de chumbo que quer sufocar a Palestina.


Cinquenta e cinco (55); o número de jornalistas palestinianos mortos pelas forças de ocupação israelitas desde 2000, quando começou a segunda intifada, e 16 o número de jornalistas palestinianos presos.


Nota do editor https://www.madaniya.info/

A jornalista cristã palestiniana Shireen Abu Akleh, correspondente do canal trans-fronteiriço árabe "Al Jazeera" para os territórios palestinianos ocupados, de uma família de Jerusalém com dupla cidadania palestiniana, foi morta pelo exército israelita em 11 de Maio de 2022, perto do campo de refugiados palestiniano de Jenin, enquanto vestia um colete à prova de bala que mencionava PRESS com todas as letras.

Um ano após a destruição da Torre de Media em Gaza, que albergava os escritórios da Al Jazeera e da agência noticiosa norte-americana Associated Press, a morte de Shireen Abu Akleh eleva para cinquenta e cinco (55) o número de jornalistas palestinianos mortos pelas forças de ocupação israelitas desde o ano 2.000, data do início da primeira intifada e para 16 o número de jornalistas palestinianos presos.

No mesmo sentido, 150 despojos palestinianos, incluindo os restos mortais de 9 crianças, permanecem retidos pelas autoridades israelitas como reféns.
Será organizado no dia 27 de Agosto de 2022, em Beirute, um dia internacional de solidariedade para exigir o regresso dos restos mortais palestinianos às suas famílias. O dia de solidariedade é organizado por Mohamad Safa, director do Centro Khiam, nomeado em homenagem ao centro de detenção criado pelos israelitas no sul do Líbano durante a sua ocupação desta área fronteiriça libanesa (1976-2000). 
Fim da nota.

O testemunho de Jacques Marie Bourget

Hoje, esses vídeos implacáveis ​​que desenrolam o carretel da vida também nos permitirão, quando o drama estende o seu véu, ver a morte de frente. Assistindo à filmagem da minha bela colega Shireen Abu Akleh a ser apanhada por uma rajada de tiros, revivi a minha própria morte, ou quase morte. De facto, desde 21 de Outubro de 2000 em Ramallah, fui assim apanhado, como ela, pela mira de um “sniper” israelita. Que apontou para o meu coração. Coincidência da história, o criminoso de guerra -já que se trata disso segundo a Convenção de Genebra- não atingiu o que queria destruir; atirando apenas alguns centímetros mais acima. Graças a essa combinação de sorte e ao formidável talento dos cirurgiões palestinos, sobrevivi.

Vamos ser claros, a vítima é mesmo Shireen e não eu que ainda ando por aí. Escrever estas linhas é apenas uma forma de solidariedade através do testemunho. Por experiência própria, posso descrever os segundos horríveis que foram, para Shireen, os últimos da sua vida. Você é um jornalista, você está ali desarmado, não para fazer a guerra, mas para relatar, para permitir que o mundo veja o invisível. Então é a perplexidade, o incompreensível da ferida, a passagem para outro mundo.

Uma repórter da qualidade de Shireen tinha experiência suficiente para não se colocar sob fogo de propósito. Se ela caiu não foi coincidência do azar, foi porque um bárbaro decidiu, tirando a sua vida, cometer um crime de guerra. De acordo com a lei, um ataque terrorista com o qual ele não se importa, pois sabe que ao puxar o gatilho, que ficará impune.

Certa vez conheci a jovem em Ramallah, em Gaza, em Jerusalém, no pátio do hotel “American Colony” que era o palácio de Lawrence da Arábia. Ela era intrínsecamente jornalista e palestina, mas também palestina e jornalista.

Como Paul Nizan (também morto a tiro) era marxista e francesa. Aqueles que se atrevem a dizer-nos hoje que os seus escritos eram militantes são covardes, eles foram simplesmente justos. Corajosa nas suas histórias, corajosa no campo, sempre manteve um senso de hospitalidade, sempre pronta para ajudar os outros. Mais do que uma mulher, ela é um exemplo que foi assassinado.

Volto à experiência da morte E também quero pedir perdão a esses palestinianos "anónimos" que, quase todos os dias, caem sob o fogo israelita. Destes, a imprensa ocidental fala pouco e raramente aparecem nas televisões. Não passam de um número que se soma ao número de mortes contabilizadas todos os meses, todos os anos... E o mundo, de olhos fechados, ri desta procissão. Com a sua morte, Shireen também ressuscita a memória de todas as vítimas que caíram em silêncio.

Muito gravemente ferido, deixado na calçada pelos indiferentes democratas israelitas que se recusaram a ajudar-me, conheço o refrão adoptado hoje pelas “autoridades” israelitas: “foram os palestinos que atiraram”. As mentiras dos "contadores de histórias" são mantidas em reserva, prontas para serem servidas quentes.

Esta negação permite que todos os cegos do planeta, tão apaixonados pela verdade, mas ali sem querer saber de nada, sejam portadores de uma insuportável cautela "não se empolgue, esperemos pelas provas". Evidência que nunca virá, ou virá tarde demais, com o drama a ser apagado das memórias ocidentais.

Depois vem o boato, o da “investigação imparcial”. O que, claro, só pode ser credível executado pelos “especialistas” israelitas. Pessoalmente depois da minha lesão, foi-me servida esta mentira, a de um “exército que estava a realizar uma investigação”. É falso e esta ilusão, esta isca é ignóbil: as pás que atiram a terra do enterro.

À força de lutar, com a ajuda do advogado William Bourdon e de alguns juízes franceses, acabei por aprender oficialmente da parte de Israel: “que o meu caso havia sido estudado, mas que o relatório militar era secreto.

O cúmulo do desprezo, os meus assassinos ousaram acrescentar que este relatório oficial havia sido "perdido" mas que, em todo caso, o tiro que atravessou o meu corpo foi obra dos "palestinianos"!

Enquanto, após 20 anos de luta, a justiça francesa reconheceu que eu tinha sido de facto "vítima de uma tentativa de assassinato por parte de Israel" (um crime de guerra). Mas de onde é que os magistrados franceses tiram essa certeza? Tem uma bala fina de metal removida da minha omoplata. Analisada por especialistas, a munição é de facto uma bala M16 fabricada pela IMI, a indústria de armas israelita. Apesar de não ser punido, o culpado é conhecido.

Mesmo que os amantes do uso de guarda-chuvas com bom tempo digam com os lábios cerrados que "a comparação não vale a razão", sei intimamente tudo sobre a morte de Shireen e que só a sorte quis que eu respirasse de novo.

O meu testemunho pretende ir, como escudo, contra as mentiras oficiais e dar um pouco de esperança a quem amava Shireen. O estudo balístico, na área onde a nossa colega foi morta, e o de um projéctil - se encontrado - ainda podem revelar um culpado. Um dia ele será castigado, ele e aqueles que são solidários com ele, os seus filhos talvez, castigados por muita vergonha e injustiça acumuladas.

Assim, eu recomendo, àqueles que não estão indignados, para ver as imagens tiradas quando o corpo de Shireen é removido do necrotério do Hospital Jerusalém. Vemos então um pelotão da polícia israelita lançar o ataque a um caixão, como se esses não-humanos quisessem a segunda morte de uma jornalista indomável demais.

O acúmulo de barbárie com rosto humano, suicida para Israel, levantará um dia o brasão de chumbo que quer sufocar a Palestina.

Sobre

§  O caso Jacques Marie Bourget:
https://www.madaniya.info/2015/11/15/en-hommage-au-combat-opiniatre-de-notre-confrere-jacques-marie-bourget/

§  As contribuições de Jacques Marie Bourget para madaniya
https://www.madaniya.info/2017/04/13/syrie-washington-gaz-et-mensonges-a-tous-les-etages/
https://www.madaniya.info/2014/11/03/herve-gourdel-in-memoriam/

§  Para o orador árabe, o testemunho de Jacques Marie Bourget neste link

§  A homenagem do académico argelino-canadiano Ahmad Ben Saada a Shireen Abou Akleh
https://www.ahmedbensaada.com/index.php?option=com_content&view=article&id=613:requiem-pour-shirine&catid=48:orientoccident&Itemid=120

ILUSTRAÇÃO:

Criador: Maya Levin | Créditos: AP

Fonte: Shireen Abou Akleh – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




Sem comentários:

Enviar um comentário