quarta-feira, 18 de maio de 2022

Será a Itália o grão de areia na máquina de "guerra permanente" da NATO?

 


 18 de Maio de 2022  Robert Bibeau  


Por Dominique Delawarde.

[(Enquanto o primeiro-ministro italiano Mario Draghi e o Presidente Joe Biden se reuniram na Casa Branca na terça-feira, a unidade da fachada que tentaram mostrar está prestes a despedaçar-se, uma vez que a oposição em Itália está a avançar contra a estratégia de "guerra permanente" de Londres e Washington — incluindo nas fileiras dos partidos que compõem a maioria, elevando a possibilidade de uma queda do governo...)]

Mario Draghi poderá, de facto, encontrar-se privado de um governo no seu regresso dos Estados Unidos. Porque, enquanto Biden pressionou o primeiro-ministro italiano a aumentar o apoio militar à Ucrânia, as coisas mudaram em Itália.

Embora o Parlamento já tivesse aprovado a decisão de Draghi sobre o envio de armas, o grupo inicialmente minúsculo de deputados contra ela tornou-se uma maioria em poucos  dias. Originalmente, apenas a esquerda radical e pequenos grupos dentro do M5S (Movimento Cinco Estrelas), a Lega e o próprio Partido Democrático (PD) se opuseram a esta decisão. No entanto, desde as declarações do Papa contra "a NATO a ladrar às portas da Rússia", a situação mudou drasticamente. O M5S, liderado pelo antigo primeiro-ministro Giuseppe Conte, e a Lega, liderada por Matteo Salvini, opõem-se publicamente a novas transferências de armas e a favor de negociações de paz. A oposição dentro do PD, liderada pelo ex-ministro Graziano Delrio, cresceu ao ponto de a liderança do PD pró-NATO ter mudado de lado, sem dúvida esmagada pelos acontecimentos.

https://www.lemonde.fr/international/article/2022/05/03/pret-a-rencontrer-poutine-le-pape-evoque-les-aboiements-de-l-otan-a-la-porte-de-la-russie_6124644_3210.html

Coisa notável, entre os arquitectos desta mudança está o empresário Carlo De Benedetti, considerado o oligarca que criou o Partido Democrático Italiano. Dois dias depois da intervenção do Papa, De Benedetti concedeu uma longa entrevista ao diário Corriere della Sera, apelando à dissociação da política externa italiana (ou seja, da UE) do eixo Washington-Londres. Em particular, alertou para as consequências iminentes da crise alimentar, dizendo que milhões de refugiados, forçados a escolher entre a fome e o risco de afogamento no Mediterrâneo, invadirão a Itália a partir de África.

https://www.corriere.it/politica/22_maggio_08/carlo-de-benedetti-intervista-guerra-putin-3b389410-ce3a-11ec-b3ba-cf41db28034c.shtml

Como num efeito dominó, o secretário-geral do PD, Enrico Letta, deu então uma entrevista ao mesmo jornal, exclamando: "Itália, França, Alemanha, Espanha e Polónia devem agora mover-se, unidos, para a paz. Ir em primeiro lugar a Kiev, depois encontrarem-se com Putin. Não podemos deixar-nos guiar pelos Estados Unidos, a Europa é muito grande. Esta guerra está a decorrer na Europa e cabe à Europa pôr fim a ela."

https://www.corriere.it/politica/22_maggio_09/letta-ucraina-europa-russia-2f9e690a-cf06-11ec-b21c-2cc92198dafc.shtml

O Parlamento exigiu então ser informado pelo primeiro-ministro antes da sua visita a Washington, que Draghi ignorou. É por isso que corre o risco de ser confrontado no seu regresso com uma maioria sobre o papel que rejeitará tudo o que Biden lhe possa ter pedido. Isto não significa necessariamente que o governo caia, mas, no mínimo, sairá muito enfraquecido – assim como a unidade da Europa por trás dos Estados Unidos.

Além disso, a oposição à estratégia anglo-americana está também a aumentar entre os militares italianos. Numa entrevista publicada pelo Antidiplomatico e transmitida no nosso site, o general italiano Fabio Mini, antigo Chefe do Estado-Maior do Comando da NATO para a Europa do Sul, apela à dissolução da Aliança para criar uma nova estrutura de segurança regional, juntando-se assim ao apelo do Instituto Schiller publicado no início da guerra na Ucrânia.

https://solidariteetprogres.fr/actualites-001/un-general-italien-appelle-a.html?var_mode=calcul*

https://www.institutschiller.org/Appel-a-convoquer-une-conference-internationale-pour-une-nouvelle-architecture

Além disso, o General Marco Bertolini (reformado), ex-comandante da Sede de Operações Conjuntas, tem expressado fortes críticas ao Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg. Embora este último tenha declarado recentemente que "os membros da NATO nunca aceitarão a anexação da Crimeia", Bertolini afirmou que Stoltenberg faria melhor em permanecer calado sobre questões além da sua competência.

https://www.ilfattoquotidiano.it/in-edicola/articoli/2022/05/09/marco-bertolini-smettiamola-di-stare-zitti-la-nato-non-puo-decidere-per-lucraina/6584681/

"Temos de compreender que a Crimeia é um recurso indispensável para Putin, porque é habitado principalmente por russos, e especialmente porque garante o acesso ao Mar Negro", disse em entrevista ao Il Fatto Quotidiano. A declaração de Stoltenberg demonstra que a Crimeia é o ponto mais sensível nesta questão. O problema é que Stoltenberg não pode falar em nome de Zelensky. É o Secretário-Geral da NATO, que é uma organização supranacional e, para começar, nem sequer pode falar em nome de um único país, especialmente porque a Ucrânia não faz parte da Aliança."

Perante o risco iminente de um confronto directo entre a Rússia e os Estados Unidos, a dissolução da NATO e a sua substituição por uma nova arquitectura de segurança é uma emergência absoluta. Que os desenvolvimentos em Itália sejam a faísca...

 

Fonte: L’Italie sera-t-elle le grain de sable dans la machine de «guerre permanente» de l’Otan? – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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