8 de Maio de 2022 Robert Bibeau
O fracasso na Ucrânia pode muito bem
significar a desintegração da UE e da NATO.
By Alastair Crooke – Abril 2022 –
Fonte Strategic
Culture
Por vezes, mudanças revolucionárias rastejam para nós furtivamente; só nos apercebemos da grande bifurcação quando a notamos, pelo espelho retrovisor. Isto é especialmente verdade quando aqueles que foram os primeiros a puxar o gatilho não entendem completamente o que fizeram.
O que foi feito? Num momento de pressa
instintiva, alguns membros da equipa Biden decidiram aproveitar o seu plano
para baixar o valor do rublo. Por isso, recorreram ao estratagema de apreender
as reservas de dólares, euros e títulod do Tesouro do Banco Central da Rússia.
Tinham tanta certeza de que o seu plano iria bloquear completamente os esforços da Rússia para salvar um rublo em perigo que nem sequer se deram ao trabalho de consultar a Reserva Federal ou o BCE. Estes últimos desaprovaram publicamente as medidas tomadas.
O que se seguiu foi
o desencadeamento
inadvertido do desaparecimento gradual do sistema financeiro ocidental... com
base no dólar e petrodólar. Os "falcões" russofóbicos em Washington
desencadearam estupidamente um conflito com o único país – a Rússia – que tem
as matérias-primas necessárias para governar o mundo e desencadear a mudança
para um sistema monetário diferente.
Será que este evento monetário também vai alterar a dinâmica geo-política?
Claro que já é assim.
Ao apreender as suas reservas, Washington disse mesmo a Moscovo: os dólares
estão proibidos para vocês; Não se pode comprar nada com dólares. Então, para
que guardar dólares? A conclusão da manobra americana e europeia era
inevitável: a Rússia venderia o seu gás em rublos.
Mas é aqui que ocorre uma reviravolta maquiavélica: jogando nos dois lados da equação, isto é, ligando o rublo ao ouro, e depois ligando os pagamentos de energia ao rublo, o Banco da Rússia altera fundamentalmente o conjunto de pressupostos de trabalho do sistema comercial mundial (isto é, substituindo os dólares fiéis nominais por uma moeda sólida apoiada por mercadoria).
Mas cuidado, o Banco
Central da Rússia fez duas coisas de importância geo-estratégica: adicionou um "nível" de preço (menos
notado) e, retirou outro. O Banco adicionou um nível ao preço do ouro –
prometendo comprar ouro a uma taxa fixa.
No entanto, ao
insistir no pagamento na sua moeda nacional, a Rússia começou a remover o nível imposto
pelos Estados Unidos em 1971 ao preço do dólar, o que forçou países de todo o
mundo a venderem as suas moedas nacionais (o que as enfraquece) para comprarem dólares (para
pagar a energia). Em suma, embora o porta-voz russo Dmitry Peskov tenha dito
que a Rússia iria avançar com cautela, esta decisão quebra a sobrevalorização estrutural
concedida ao dólar.
Os produtores de
energia do Médio Oriente vêem claramente onde isto está a levar: a Rússia, ao
ligar o rublo ao ouro e à energia ao pagamento de rublos, está a lançar um
processo para ligar
o preço do petróleo ao preço do ouro. Esta é a Revolução Silenciosa. O ouro
torna-se temporariamente a moeda de reserva neutra, enquanto se aguarda o
desenvolvimento de uma moeda maior.
Este é o terceiro ponto: a ruptura com a troca de matérias-primas com base em papel americano que o Ocidente manipula para manter os preços das matérias-primas e do ouro baixos começou. Isto
potencialmente dá à OPEP+ um novo horizonte, por exemplo.Eis a conclusão
essencial: se os títulos do tesouro e os dólares detidos pela Fed de Nova
Iorque forem evitados, o que será da reserva de valor natural? Matérias-primas,
claro. Por que é tão revolucionário? Porque numa era de disrupção no fornecimento,
perturbação alimentar e guerra, o Ocidente deixará de ter acesso a matérias-primas
"baratas".
Talvez os membros da equipa Biden se devessem ter incomodado em consultar a
Reserva Federal, porque, ironicamente, não só assustaram outros detentores
estrangeiros de títulos do tesouro americanos e reservaram dólares quando
apreenderam as reservas russas, como o fizeram tal como a inflacção interna dos
EUA está a subir e os títulos são evitados de qualquer forma.
Após quarenta anos de
existência, os títulos do tesouro dos EUA são agora considerados "riscos sem rendimento". (Riscos devido
aos receios de que a inflacção torne os rendimentos das obrigações ainda mais
negativos no mercado real. Já o rendimento dos Títulos do Tesouro a dois anos
está a explodir em alta. Mas se a Fed quer mesmo combater a inflacção, as taxas
de juro têm de subir muito mais).
Previsivelmente, a
corrida às matérias-primas (por todas estas razões:
ameaça de guerra, ruptura do fornecimento, sanções contra a Rússia) fez com que
os preços das matérias-primas aumentassem. Os elevados preços das matérias-primas
têm impacto em todos os outros preços e são transmitidos em todo o lado, mas em
nenhum outro lugar como nos Estados Unidos, onde a construcção financeira muito
pesada depende de uma base minúscula de garantias de mercadorias. E onde a
administração está presa entre Scylla, o medo da inflacção, e Charybdis, a
queda da bolsa em caso de subida das taxas de juro.
Poderá esta trajectória
de crise económica e declínio da legitimidade do Ocidente, prevista pela
evolução da ordem monetária mundial, pela ameaça de hiperinflacção, escassez de
alimentos, prateleiras vazias, pobreza devido à inflação, aumento dos preços do
aquecimento e da gasolina, ser invertida por uma "vitória americana" no conflito
ucraniano?
O que "Bucha" nos diz é que o Ocidente está num frenesim de "tudo ou nada" para provar que pode ganhar esta guerra. O fracasso na Ucrânia pode muito bem significar a desintegração da UE e da NATO. A coesão em conjunto nestas alianças não sobreviverá ao trauma da derrota. E "Bucha" diz-nos que o Ocidente está pronto para procurar uma "vitória" numa guerra imaginária, mesmo à custa de uma perda estratégica no terreno na Ucrânia.
O desespero do
Ocidente também é revelado pelo facto de a Europa imitar o Ouroboros (o antigo
símbolo de uma serpente que devora a própria cauda e se devora): ao evitar
deliberadamente produtos russos mais baratos, Bruxelas enfrenta uma espiral
inflaccionária descontrolada e a relegar-se a um atraso económico, com a sua
base fabril a tornar-se totalmente não competitiva devido aos altos custos de
energia.
O presidente do
Conselho Atlântico, um think-tank norte-americano, um "ideólogo da
unipolaridade, Frederick
Kempe, escreveu na semana
passada que "uma
vitória ucraniana, com um Ocidente forte e unido por trás dele, forçaria a
repensar o envolvimento e capacidade dos EUA e uma mudança na trajectória da
política externa... A
questão não é qual seria a nova ordem mundial, mas sim se os Estados Unidos e
os seus aliados podem, através da Ucrânia, inverter a erosão dos ganhos do
século passado, o que seria um primeiro passo para estabelecer a primeira ordem
mundial verdadeiramente "mundial".
A importância da Ucrânia reside no facto de o mundo (para além da Europa
Ocidental e dos Estados Unidos) estar a observá-la de perto. Na maioria dos
casos, os países recusam-se categoricamente a aderir às condenações contra a
Rússia. A frieza da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos em relação a
Biden é um sinal desta reorientação política. Ambos os países recusaram-se a
receber uma visita de Biden, ou mesmo atender os seus telefonemas, recusando-se
a deixar de trabalhar de perto com a Rússia sobre os níveis de produção e os
preços do petróleo.
De uma forma ou de
outra, as "placas"
geo-políticas já mudaram. Um líder regional resumiu-o sucintamente: na sequência da
iniciativa russa sobre o rublo, "já não tememos sanções; vimos outros países
sobreviverem."
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb, revisto
por, para o Saker
Francophone
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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