30 de Julho de 2022 Robert Bibeau
By Moon of Alabama (15/7/22)*
O título da Harpers deste mês é surpreendente.
Declarar que o século americano acabou, sem um ponto de interrogação, ainda
é heresia aos olhos do público em geral. Claro que o Conservador americano já o
fez há anos. Mas a Harpers está do lado mais liberal das coisas e esta opinião
raramente é expressa.
O artigo principal desta edição da Harpers, escrito
por um certo Daniel Bessner, intitula-se:
Império Burlesco
O que vem depois do século americano?
Pela primeira vez
desde o colapso da União Soviética, os Estados Unidos enfrentam uma nação cujo
modelo – uma mistura de capitalismo de Estado e disciplina do Partido Comunista
– representa um verdadeiro desafio ao capitalismo democrático liberal, (sic)
que parece cada vez mais incapaz de lidar com as muitas crises que o assolam. A
ascensão da China, e os vislumbres de um mundo alternativo que poderia
acompanhá-lo, mostram claramente que o Século Americano de Luce está nos seus
últimos dias. O resto não é óbvio, no entanto. Estamos condenados a testemunhar o
regresso da grande rivalidade de poder, em que os Estados Unidos e a China
disputam a influência? Ou será que o declínio do poder
americano dará origem a novas formas de "colaboração" internacional?
Nestes últimos dias do
século Americano, o establishement da política externa de Washington - os think
tanks que definem os limites do que é possível - dividiu-se em dois campos
opostos. Os internacionalistas liberais, que defendem o
status quo, insistem que os Estados Unidos mantenham a sua posição de primazia
armada mundial. Face a eles apresentam-se os
defensores da moderação, que defendem uma revisão fundamental da abordagem
norte-americana à política externa, a fim de abandonar o militarismo em favor
de formas pacíficas de envolvimento internacional. O resultado deste debate
determinará se os Estados Unidos continuam empenhados numa política externa
atavística, inadequada ao século XXI, ou se a nação levará a sério as
catástrofes das últimas décadas, abandonará a arrogância que causou tantos
sofrimentos ao mundo e, finalmente, adoptará uma grande estratégia de
contenção. (sic)
No site do Consortium News, Andrew Bacevich fornece um
contexto adicional e oferece uma ligeira crítica ao ensaio de Bessner. Parece
concordar muito com ele.
Eu? Sempre fui a favor de uma política de
contenção, não só para os Estados Unidos, mas para todos os países do mundo. As
pessoas são demasiado diferentes nas suas crenças pessoais, história, tradições
e ambiente social para estarem sujeitas a uma única forma de governo ou a uma
única forma particular de organização económica. Tentar fazê-lo é, como salienta Michael Hudson, ruinoso para aqueles
que tentam.
É também uma questão de capacidade pessoal. Os EUA carecem de liderança, e
há já algum tempo que não a têm, para serem bem sucedidos num tal esforço.
Até os democratas reconheceram que o seu actual presidente não está à
altura da tarefa.
O New York Times escreve que a maioria dos democratas não
quer Biden em 2024, de acordo com uma nova sondagem. O Washington Post acrescenta
que os democratas estão cépticos quanto à presença de Biden em 2024. A esquerda
do partido vai finalmente ganhar? Outros também contribuíram, incluindo um
colunista do NYT que afirma sem rodeios: Joe Biden é demasiado velho para
voltar a ser presidente.
Matt Taibbi chama a isto sinalização política:
Com meios de comunicação complementares como o Washington Post e
The
Atlantic (o mais puro reflexo do pensamento do establishement que existe na América),
o jornal cumpre neste sentido a mesma função que a Izvestia na União Soviética,
informando-nos pouco, ou seja, nada, sobre os acontecimentos actuais, mas
dando-nos retratos completos, embora muitas vezes codificados, a partir do
pensamento da classe dominante.
A "classe dominante" democrata disse que Biden é agora um
presidente coxo e que é melhor dar sinais de que não voltará a concorrer até
que sejam conhecidos os resultados catastróficos das eleições intercalares.
Concordo com essa opinião, mas não é apenas a fragilidade mental de Biden
que está em causa aqui, mas a incompetência das pessoas à sua volta que
essencialmente definem a sua política. Os Sullivans e Blinkens deste mundo ou o
que Ray McGovern chama de elite apagada:
As perguntas que me
fizeram levaram a comentar francamente o infeliz estado dos estadistas
ocidentais, como o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, e o
Secretário de Estado Antony Blinken. Sim, o mesmo Blinken que, num primeiro
momento, mancha a China e o "desafio sistémico"
que é suposto representar, e que, num segundo passo, faz uma tentativa
pateticamente quimérica de convencer o seu homólogo chinês a abandonar a
posição de Pequim ao lado da Rússia na Ucrânia.
A política anti-China de Blinken não é, é
o mínimo que podemos dizer, um sucesso:
Washington elaborou uma série de planos para combater a China, mas poucos
deles ganharam um apoio firme na região.
Uma coligação entre os
EUA, o Japão, a Austrália e a Índia, conhecida como Quad, deveria mostrar
solidariedade na região
Ásia-Pacífico, mas a Índia está a comprar enormes quantidades de petróleo da Rússia; um
novo grupo económico de 14 países liderados pelos Estados Unidos, o Quadro
Económico Indo-Pacífico, teve uma recepção morna dos seus membros, uma vez que
não propõe reduções pautais para as mercadorias que entram nos Estados Unidos;
e um acordo para partilhar tecnologia entre os EUA e a Grã-Bretanha para ajudar
a Austrália a implantar submarinos movidos a energia nuclear continua vago.
Esta "elite" que pensava que estas políticas estão agora a tomar
conta de Biden para o impedir, mas não a si mesmos, de cometer outros
"erros".
Dan Cohen @dancohen3000 – 14:57 UTC – 12 jul 2022
Há dois dias, o NYT noticiou que a Casa Branca estava tão
preocupada com a idade de Biden que atrasou a sua viagem ao Médio Oriente por
um mês para poder descansar. Agora sabemos que Blinken irá acompanhá-lo. Outro
lembrete diário de que Biden é uma figura de proa e que os seus conselheiros
estão a comandar o programa.
A actual viagem de Biden e Blinken ao
Médio Oriente pode também contribuir para a sua colecção de fracassos:
O Presidente Biden viaja para Israel na quarta-feira para uma viagem de
quatro dias ao Médio Oriente para tentar abrandar o programa nuclear do Irão,
acelerar o fluxo de petróleo para bombas norte-americanas e reformular as
relações com a Arábia Saudita sem dar a impressão de abraçar um príncipe
herdeiro acusado de grosseiras violações dos direitos humanos.
Todos estes três esforços trazem perigos políticos para um presidente que
conhece bem a região, mas regressa pela primeira vez em seis anos com muito
menos influência do que gostaria de moldar os acontecimentos.
Há um mês, Biden disse que não se encontraria com o príncipe palhaço
saudita:
« Não vou conhecer o MBS. Vou assistir a uma reunião
internacional e ele fará parte disso",
disse Biden aos jornalistas na Casa Branca.
...
No entanto, um comunicado saudita anunciou que MBS e Biden: "terão
conversações oficiais que se concentrarão em várias áreas de cooperação
bilateral e esforços conjuntos para enfrentar os desafios regionais e mundiais".
Provavelmente veremos fotos de Biden e MBS apertando as mãos. Biden precisa de um aumento da produção petrolífera saudita e de preços mais baixos na bomba para mitigar as perdas intercalares dos democratas. Dificilmente pode condenar Mohammed Bin Salman pelo assassínio do "jornalista" e lobista do Qatar Jamal Khashoggi, ignorando o assassínio israelita da jornalista palestiniano-americana Shireen Abu Akleh.
O regresso ao acordo nuclear com o Irão foi chumbado por Biden e Blinken
quando procrastinaram durante meses após a sua tomada de posse antes de
iniciarem conversações. Em seguida, fizeram novas exigências que o Irão
claramente não estava disposto a cumprir. Encontram-se agora a ter de
contradizer os seus próprios argumentos:
No início da Primavera, Malley e o Secretário de Estado Antony J. Blinken
disseram que faltavam apenas algumas semanas, talvez um mês, para chegar a um
acordo antes do progresso do Irão, e o conhecimento adquirido à medida que
instalava centrifugadoras de última geração para produzir urânio em grandes
quantidades, tornar o acordo de 2015 obsoleto.
Agora, quatro meses depois, os assessores de Biden recusam-se a explicar
como falharam esse prazo — e continuam a insistir que reanimar o acordo é mais
valioso do que abandoná-lo.
Como resultado de
várias crises financeiras e gastos excessivos, a alavancagem financeira dos EUA
desapareceu. Como provaram no Médio Oriente, e agora na Ucrânia, os seus militares hiper-dispendiosos não
conseguem vencer guerras contra concorrentes grandes e pequenos. O papel dos Estados
Unidos nas instituições internacionais tem sido diminuído pelos esforços
concorrentes da China e da Rússia, como o Programa Belt and Road (Rotas da Seda –
NdT), o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Corredor de Trânsito Norte-Sul da
Rússia e do Irão.
O título da Harpers está correcto. O
século dos Estados Unidos está bem e verdadeiramente acabado. Como o ensaio
principal da Harpers conclui:
O século americano não alcançou os nobres objectivos que oligarcas como
Henry Luce tinham estabelecido para ele. Mas demonstrou que as tentativas de
dominar o mundo pela força estão condenadas ao fracasso. A tarefa dos próximos
cem anos será criar não um século americano, mas um século mundial, em que o
poder dos Estados Unidos não só será limitado, como será reduzido, e no qual
cada nação se dedicará a resolver os problemas que nos ameaçam a todos. Como
dizia o título de um livro best-seller de 1946, antes da Guerra Fria impedir
qualquer tentativa de verdadeira cooperação internacional, teremos "um
mundo ou nenhum".
Um único mundo, em que cada país se abstém da ganância ilimitada e prevê o
bem comum, é certamente a melhor escolha. (sic)
*Fonte: Afrique Asie
Versão original: Moon of Alabana
Fonte: La fin dangereuse de l’empire Yankee…marque-t-elle la fin de l’impérialisme? – les 7 du quebec
Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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