terça-feira, 26 de julho de 2022

Prosseguem e intensificam-se incêndios meio facilitador da acumulação capitalista nos campos!

 






Segundo um relatório hoje divulgado, nos últimos 40 anos ardeu mais de 55% do território de Portugal continental. Só este ano de 2022, já ardeu mais do dobro da área que havia ardido em 2021. E, claro, ano após ano, quando o país arde, lá vêm os sucessivos governos que à vez, sozinhos ou coligados – e relembro que, praticamente todos os partidos do “arco parlamentar”, passaram pelos bancos do poder – ,  assessorados por um batalhão de “especialistas” de tudo e mais alguma coisa, afirmar, por um lado, que a culpa foi dos incendiários ou da natureza e, por outro, que agora, sim, irão ser tomadas medidas na direcção certa que, segundo todos eles, é a prevenção.

António Costa teve mesmo o dislate de, como é seu hábito, apontar a responsabilidade dos incêndios para terceiros, isentando o seu governo de qualquer responsabilidade pelo facto de, há sete anos no poder, não ter implementado nenhuma medida para, sequer, mitigar, as consequências de um fenómeno que, antes do mais, é político e económico. Chegando ao ponto, ridículo, de atribuir ao povo essa responsabilidade por, pelas suas próprias mãos, por desleixo, incúria ou dolo, os incêndios grassarem de norte a sul do país, de forma cada vez mais intensa, devastadora e brutal.

Ano após ano, o quadro não só se mantém como se agrava. E, a forma de entreter o povo e iludir o fundo das questões é sempre a mesma: a protecção civil não funcionou como devia, os bombeiros manifestam uma profunda descoordenação e falta de meios, etc. No entanto, a verdade é que, enquanto para a burguesia for mais rentável “combater” os fogos do que preveni-los, os incêndios serão uma chaga com a qual os camponeses pobres e envelhecidos, primeiro, e o povo em geral, depois, se terão de confrontar.

Uma autêntica máfia organizou-se em torno daqueles que podem ter influência e poder e o negócio de equipamentos e meios para bombeiros floresce como poucos sectores da actividade económica no nosso país. Como floresce o negócio das celuloses que impuseram o eucalipto – uma árvore oriunda da Austrália – no ordenamento florestal do nosso país, estando-se completamente nas tintas para o facto e a circunstância de, quando ocorrem incêndios, as projecções das folhas e casca destas árvores atingirem distâncias de 500 e mais metros!

Num país em que o processo de acumulação capitalista não chegou a uma grande área da sua estrutura agrária, onde pontifica o minifúndio e a dispersão habitacional, onde o campesinato pobre, imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 não compreendeu – e até rejeitou – que a única aliança que permitiria assegurar o seu futuro era a aliança com a classe operária, aceitando o programa de colectivização dos meios de produção e a mecanização e modernização da agricultura, os incêndios vão produzir o efeito que os caciques locais induziram a estes camponeses quando lhes diziam que os comunistas – para além de comerem criancinhas ao pequeno almoço – lhes queriam roubar as terras.

Claro que, quando refiro o programa defendido pelos comunistas para o sector da agricultura e pela defesa da aliança operário-camponesa, não me estou a referir ao PCP revisionista, nem a qualquer outro grupúsculo da falsa esquerda ou extrema-esquerda, que há muito abandonaram este ou qualquer outro programa revolucionário.

Vejamos! Quando o governo do PS, secundado por todos os partidos – da esquerda à direita -, que deveria tutelar a política de ordenamento florestal, vem afirmar que o Estado é detentor, “somente” de 3% da área florestal e, simultaneamente, vem dizer propor e faz aprovar na Assembleia da República, legislação que visa, num primeiro momento, reprimir e multar quem não proceda à limpeza da mata e acessos e, num segundo momento, caso essa repressão e imposição de multas não tenha sucesso, imporá a expropriação da propriedade dos “infractores”, o que é que esta ameaça representa?!

Representa que o poder está a dar uma indicação clara de que está disposto a dar, de facto, um primeiro, mas grande passo, no caucionar de um roubo que, afinal, não serão os comunistas a praticar, como afirmavam em 1974 os caciques locais, mas sim aqueles que visam facilitar a acumulação capitalista nos campos e transformar a agregação de várias parcelas de minifundio em grande propriedade onde, ao invés da economia de subsistência, se pratique uma agricultura extensiva e intensiva, incluindo a florestal, mecanizada e com recursos hídricos fornecidos por meios não naturais – via barragens ou redes de  tranvazes e canais (como está a acontecer no Alqueva).

Ao fim de 40 anos de abandono e traição a que votou os camponeses pobres do país, pensa a burguesia aproveitar a enorme tragédia dos grandes incêndios (recentes ou passados)  – refiro-me a incêndios do passado como em Pedrogão Grande, Albergaria a Velha, Pampilhosa da Serra e muitos outros, mas também aos deste ano em S. João da Pesqueira, Vila Real, Alijó, Santa Marta de Penaguião, Cabeceiras de Basto, Lamego (distrito de Viseu), Penacova, Barcelos, Faro, Sertã, Penafiel, Vila Nova de Gaia, Leiria, Pombal, Silves, etc,  que, para além de mais de terem sido responsáveis por mais de uma centena de mortes,  devastaram milhares de kms2 de área florestal e aldeias - para escamotear que foi por sua acção e vontade que os campos sofreram o abandono que hoje se regista. O campesinato pobre e os assalariados rurais, que representavam mais de 20% da população portuguesa em 1974, não representam mais do que 2 a 3% da população actual!

Ora, foi este abandono, foi este estrangular da agricultura, agravado pela adesão de Portugal – primeiro à CEE e depois à UE – a uma comunidade europeia onde os interesses dos grandes agricultores – sobretudo franceses – determinaram uma política de “quotas” que estrangulou definitivamente a exploração agrícola no nosso país, provocou um êxodo da juventude dos campos para a cidade e para a emigração e promoveu o envelhecimento da população dos campos.

Não existe solução para esta situação no quadro do modo de produção capitalista. Se alguém defender – como o fazem PCP, BE, Verdes e outras formações políticas oportunistas – que tal é possível, está evidentemente a trair a classe operária e os assalariados rurais. Isto porque, só a destruição do modo de produção dominante – o sistema capitalista e imperialista – e a instauração do modo de produção comunista poderão resolver a situação a favor de quem nada mais possui do que a sua força de trabalho.

Luis Júdice

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