Segundo
um relatório hoje divulgado, nos últimos 40 anos ardeu mais de 55% do
território de Portugal continental. Só este ano de 2022, já ardeu mais do dobro
da área que havia ardido em 2021. E, claro, ano após ano, quando o país arde,
lá vêm os sucessivos governos que à vez, sozinhos ou coligados – e relembro
que, praticamente todos os partidos do “arco parlamentar”, passaram pelos
bancos do poder – , assessorados por um
batalhão de “especialistas” de tudo e mais alguma coisa, afirmar, por um lado,
que a culpa foi dos incendiários ou da natureza e, por outro, que agora, sim,
irão ser tomadas medidas na direcção certa que, segundo todos eles, é a
prevenção.
António
Costa teve mesmo o dislate de, como é seu hábito, apontar a responsabilidade
dos incêndios para terceiros, isentando o seu governo de qualquer
responsabilidade pelo facto de, há sete anos no poder, não ter implementado
nenhuma medida para, sequer, mitigar, as consequências de um fenómeno que,
antes do mais, é político e económico. Chegando ao ponto, ridículo, de atribuir
ao povo essa responsabilidade por, pelas suas próprias mãos, por desleixo,
incúria ou dolo, os incêndios grassarem de norte a sul do país, de forma cada
vez mais intensa, devastadora e brutal.
Ano após ano, o quadro
não só se mantém como se agrava. E, a forma de entreter o povo e iludir o fundo
das questões é sempre a mesma: a protecção civil não funcionou como devia, os
bombeiros manifestam uma profunda descoordenação e falta de meios, etc. No entanto, a verdade
é que, enquanto para a burguesia for mais rentável “combater” os fogos do que
preveni-los, os incêndios serão uma chaga com a qual os camponeses pobres e envelhecidos,
primeiro, e o povo em geral, depois, se terão de confrontar.
Uma autêntica máfia
organizou-se em torno daqueles que podem ter influência e poder e o negócio de
equipamentos e meios para bombeiros floresce como poucos sectores da actividade
económica no nosso país. Como floresce o negócio das celuloses que impuseram o
eucalipto – uma árvore oriunda da Austrália – no ordenamento florestal do nosso
país, estando-se completamente nas tintas para o facto e a circunstância de,
quando ocorrem incêndios, as projecções das folhas e casca destas árvores
atingirem distâncias de 500 e mais metros!
Num país em que o
processo de acumulação capitalista não chegou a uma grande área da sua
estrutura agrária, onde pontifica o minifúndio e a dispersão
habitacional, onde o campesinato pobre, imediatamente a seguir ao 25 de Abril
de 1974 não compreendeu – e até rejeitou – que a única aliança que permitiria
assegurar o seu futuro era a aliança com a classe operária, aceitando o
programa de colectivização dos meios de produção e a mecanização e modernização
da agricultura, os incêndios vão produzir o efeito que os caciques locais
induziram a estes camponeses quando lhes diziam que os comunistas – para além
de comerem criancinhas ao pequeno almoço – lhes queriam roubar as terras.
Claro que, quando
refiro o programa defendido pelos comunistas para o sector da agricultura e
pela defesa da aliança operário-camponesa, não me estou a referir ao PCP
revisionista, nem a qualquer outro grupúsculo da falsa esquerda ou extrema-esquerda,
que há muito abandonaram este ou qualquer outro programa revolucionário.
Vejamos! Quando o
governo do PS, secundado por todos os partidos – da esquerda à direita -, que
deveria tutelar a política de ordenamento florestal, vem afirmar que o Estado é
detentor, “somente” de 3% da área florestal e, simultaneamente, vem dizer propor
e faz aprovar na Assembleia da República, legislação que visa, num primeiro
momento, reprimir e multar quem não proceda à limpeza da mata e acessos e, num
segundo momento, caso essa repressão e imposição de multas não tenha sucesso,
imporá a expropriação da propriedade dos “infractores”, o que é que esta ameaça
representa?!
Representa que o poder
está a dar uma indicação clara de que está disposto a dar, de facto, um
primeiro, mas grande passo, no caucionar de um roubo que, afinal, não serão os
comunistas a praticar, como afirmavam em 1974 os caciques locais, mas sim
aqueles que visam facilitar a acumulação capitalista nos campos e transformar a
agregação de várias parcelas de minifundio em grande propriedade onde, ao invés
da economia de subsistência, se pratique uma agricultura extensiva e intensiva,
incluindo a florestal, mecanizada e com recursos hídricos fornecidos por meios
não naturais – via barragens ou redes de tranvazes e canais (como
está a acontecer no Alqueva).
Ao fim de 40 anos de
abandono e traição a que votou os camponeses pobres do país, pensa a burguesia
aproveitar a enorme tragédia dos grandes incêndios (recentes ou passados) – refiro-me a incêndios do passado como
em Pedrogão Grande, Albergaria a Velha, Pampilhosa da Serra e muitos
outros, mas também aos deste ano em S. João da Pesqueira, Vila Real, Alijó, Santa
Marta de Penaguião, Cabeceiras de Basto, Lamego (distrito de Viseu), Penacova,
Barcelos, Faro, Sertã, Penafiel, Vila Nova de Gaia, Leiria, Pombal, Silves,
etc, que, para além de mais de terem
sido responsáveis por mais de uma centena de mortes, devastaram milhares de kms2 de área florestal
e aldeias - para escamotear que foi por sua acção e vontade que os campos
sofreram o abandono que hoje se regista. O campesinato pobre e os assalariados
rurais, que representavam mais de 20% da população portuguesa em 1974, não
representam mais do que 2 a 3% da população actual!
Ora, foi este
abandono, foi este estrangular da agricultura, agravado pela adesão de Portugal
– primeiro à CEE e depois à UE – a uma comunidade europeia onde os interesses
dos grandes agricultores – sobretudo franceses – determinaram uma política de
“quotas” que estrangulou definitivamente a exploração agrícola no nosso país,
provocou um êxodo da juventude dos campos para a cidade e para a emigração e
promoveu o envelhecimento da população dos campos.
Não existe solução
para esta situação no quadro do modo de produção capitalista. Se alguém
defender – como o fazem PCP, BE, Verdes e outras formações políticas
oportunistas – que tal é possível, está evidentemente a trair a classe operária
e os assalariados rurais. Isto porque, só a destruição do modo de produção
dominante – o sistema capitalista e imperialista – e a instauração do modo de
produção comunista poderão resolver a situação a favor de quem nada mais possui
do que a sua força de trabalho.
Luis Júdice
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