terça-feira, 22 de novembro de 2022

ARGÉLIA - Entrevista com René no La Patrie News

 


 22 de Novembro de 2022  René  


RENÉ — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.

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Entrevista com René no La Patrie News:

§  A cimeira árabe em Argel tem uma função de exorcismo.

§  Marrocos manter-se-á discreto e prestará um serviço mínimo, especialmente porque tem de lidar com um escândalo diplomático relativo às piruetas marroquinas do chefe da missão israelita em Marrocos.

O uso da arma do petróleo, durante a guerra de Outubro de 1973, pelo súbito aumento do preço dos principados do Golfo, levou a uma mudança geo-estratégica no centro de gravidade do mundo árabe, desde a costa republicana do Mediterrâneo até às monarquias do Golfo, desde a zona de escassez populosa e rebelde até à zona da abundância; Países campos de batalha, todos os quais lutaram guerras de independência para uma área sob tutela militar ocidental.

§  Mahmoud Abbas e Ismail Haniyeh dificilmente poderiam recusar-se a apertar as mãos sob os auspícios do Presidente Tebboune devido ao apoio constante e incondicional da Argélia à causa palestiniana.

§  A França caminha sobre a sua cabeça e pensa com os pés na Argélia.

§  O Líbano é um exemplo devido ao seu papel como cursor diplomático regional.

1- Pergunta La Patrie News: Após a decisão da Síria de não aproveitar a cimeira de Argel para reintegrar legitimamente a Liga Árabe, que outros resultados convincentes podemos esperar?

Resposta RN: A cimeira de Argel terá sobretudo uma função exorcista, na medida em que visa exorcizar a ideia de que o mundo árabe saiu da história devido à sua imobilidade e divisões, enquanto que nas décadas de 1950 e 1960, os árabes estiveram na vanguarda da luta de libertação do Terceiro Mundo.

O facto de esta cimeira se realizar após uma ausência de três anos é um pequeno consolo, dadas as profundas divisões no mundo árabe e o facto de muitos dos protagonistas árabes não quererem que a Argélia tenha êxito.

A última cimeira foi realizada na Tunísia em 2018. O facto de estar a ser realizada em Argel é mérito da diplomacia argelina, ainda mais gratificante para a Argélia, pois está a ser realizada na data comemorativa do início da guerra de independência e no final de uma longa letargia diplomática associada a um período de protesto, o Hirak, que paralisou toda a vida política, económica e diplomática no país.

2 - Pergunta La Patrie News: Particularmente problemática, a participação de Marrocos nesta cimeira, para não dizer o seu nível de representatividade, continua a suscitar debates. Por que golpe de mão passa o equilíbrio de poder e o epicentro desta liga. É transferida para as monarquias do Golfo, o enfraquecimento da frente de rejeição, e o risco de uma nova expansão dos Acordos de Abraão. Será que podemos ainda, e como seria possível, colocar um travão definitivo a esta máquina que está a esmagar a causa palestiniana?

Resposta RN: Marrocos também não acolhe favoravelmente a realização de uma cimeira árabe em Argel, que já enfrenta o descontentamento de uma população marroquina que considera a normalização com o Estado judaico como uma "venda da Palestina" por parte do presidente do Comité Al-Quds.
Marrocos manter-se-á discreto e prestará um serviço mínimo, especialmente porque tem de lidar com um escândalo diplomático relativo às piruetas marroquinos do chefe da missão israelita em Marrocos. Nada mau para começar.

Quanto à mudança estratégica do mundo árabe, explica-se por razões económicas, objectivos estratégicos subjacentes:
a utilização da arma do petróleo, pelo súbito aumento do preço dos principados do Golfo, levou a uma mudança geo-estratégica no centro de gravidade do mundo árabe, desde a costa republicana do Mediterrâneo até às monarquias do Golfo, da área de escassez populosa e rebelde para a zona de abundância; Países campos de batalha, todos os quais lutaram guerras de independência por uma área sob tutela militar ocidental. O uso da arma petrolífera durante a guerra de Outubro de 1973 não teve a função primordial de apoiar a luta dos países no campo de batalha (Egipto, Síria, OLP, Líbano), mas sim financiar indirectamente o esforço de guerra americano no Vietname, enfraquecendo os rivais económicos dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia, ambos desprovidos de petróleo.

Consequentemente, o slogan "Unidade Árabe" deu lugar ao slogan da "Solidariedade Islâmica", diluindo assim a questão palestiniana num todo maior e polimorfo, incluindo os principais aliados estratégicos dos países muçulmanos de Israel: o Irão, na época do Xá do Irão e da Turquia, o "muçulmano de serviço" da NATO.

3- Pergunta La Patrie News: Após a visita de força do Presidente Tebboune, que conseguiu apertar as mãos a Mahmoud Abbas e Ismail Haniyeh, ainda é possível conciliar todas as facções palestinianas em Argel, sabendo que o Hamas legitimamente coloca a fasquia cada vez mais alta, e que a Autoridade Palestiniana dá a aparência de ceder a concessões em cascata?

Resposta RN: Mahmoud Abbas e Ismail Haniyeh dificilmente poderiam recusar-se a apertar as mãos sob os auspícios do Presidente Tebboune devido ao apoio constante e incondicional da Argélia à causa palestiniana. Dito isto, Mahmoud Abbas está completamente desacreditado pela sua colaboração de segurança com o poderoso ocupante. No crepúsculo da sua vida, está à beira da apoplexia política e financeira. O Hamas volta a ter o vento nas suas velas desde a sua resposta balística durante a ofensiva israelita de Maio de 2021 – "a batalha de Saif al Quds" – e a sua reintegração no eixo do desafio à hegemonia israelo-americana na região: uma reintegração realizada graças aos bons serviços do Hezbollah libanês.

4- Pergunta La Patrie News: O que se lembra da visita à Argélia do Presidente Macron, que ainda se recusa a falar de desculpas, e que nos pede para olhar para o futuro, sic?

Resposta RN: A França caminha sobre a sua cabeça e pensa com os pés na Argélia. A França instituiu no século XIX um "Código de indigénat" na Argélia. Assim, reconheceu implicitamente que a Argélia pertencia aos seus nativos, isto é, aos habitantes originais do país.

Por outro lado, os franceses eram "exógenos" na Argélia. A partir desse momento, os franceses, que reivindicam a racionalidade cartesiana, deveriam ter tirado as consequências. Em vez disso, foram guiados por uma espécie de pecado de orgulho, que resultou na cegueira política, culminando numa série de dramas até ao actual impasse. O que se espera de um país que glorifica Adolphe Thiers, o coveiro da comuna, que registou na psique francesa a ideia de capitulação? A França vai directo para a parede a buzinar.

A visita do Presidente Emmanuel Macron, em Agosto de 2022, seguida dois meses depois pela da sua Primeira-Ministra, Elisabeth Borne, para "reforçar a cooperação bilateral", de acordo com a fórmula em vigor, visa, de facto, finalizar uma operação subliminar que consiste em fornecer energia à França em troca do repatriamento de milhares de milhões de euros investidos por argelinos em França durante a fase crepuscular da era Bouteflika.

5- Pergunta La Patrie News: Por causa do conflito ucraniano, Argel é fortemente "cortejada" pelo Velho Continente. Como é possível aproveitar ao máximo este reequilíbrio geo-estérmico?

Resposta RN: Que a Argélia continue na mesma direcção. Nunca se curvar à adversidade. Mantenham-se fiéis às amizades internacionais. Esta constância de amizade valeu-lhe um considerável crédito moral internacionalmente.

6 - Pergunta La Patrie News: Ainda por causa do gás, um conflito armado parece estar a pairar entre o Líbano (Hezbollah) e a entidade sionista, que planeia iniciar a exploração offshore numa área marítima reivindicada por Beirute. A guerra continua a ser evitável e que papel para a Liga Árabe neste conflito latente?

Resposta RN: A Liga Árabe não tem nenhum papel a desempenhar. Nem mesmo o estado evanescente libanês. Só o Hezbollah, através da sua dissuasão e da sua ciência militar, pode preservar os direitos legítimos do Líbano. Israel e os Estados Unidos estão cientes disso e estão a manobrar para garantir que as concessões que terão de fazer não apareçam como uma capitulação para o Hezbollah.

7- Pergunta La Patrie News: No mesmo sentido, a entidade sionista implanta tesouros de "diplomacia" e "pressão" por todo o lado para descarrilar o acordo nuclear iraniano. Ainda é possível salvar este último?

Resposta RN: O acordo será salvo em termos iranianos ou não será salvo porque foram os Estados Unidos que quebraram o acordo anterior. O Irão, nesta matéria, tem uma vantagem moral. Além disso, após 40 anos de embargo, o Irão alcançou o estatuto de "potência limiar" devido à sua auto-suficiência tecnológica. A guerra na Ucrânia permitiu ao Irão forjar uma parceria estratégica com a Rússia que se materializará em investimentos de 40 mil milhões de dólares pela Rússia na modernização das infraestruturas petrolíferas iranianas, em troca de instalações para a frota russa nos portos iranianos do Golfo Pérsico.

Como resultado, o Irão é o próximo membro pleno do BRICS, uma organização a que a Argélia precisa de aderir sem grandes demoras. Este é o meu mais querido desejo para a Argélia por ocasião do 60º aniversário da sua independência.

8- Pergunta La Patrie Notícias Como vê a reconfiguração do tabuleiro geo-político mundial em favor do conflito ucraniano? Que lugar haveria para o mundo árabe? A ONU?

Resposta RN: Serei breve sobre este assunto pela simples razão de ter acabado de dar uma longa entrevista a um jornal maliano sobre este tema, que será publicado em Fevereiro de 2023, por ocasião do 1º aniversário desta guerra. Posso dizer-vos, muito esquematicamente, que a guerra na Ucrânia fracturou o campo económico mundial, pondo fim à mundialização económica e à primazia da NATO na gestão dos assuntos mundiais, favorecendo a emergência de um mundo multipolar.

Nesta perspectiva, será necessário considerar a alteração da composição do Conselho de Segurança, que alberga 3 membros da NATO, enquanto a Ásia (4 potências nucleares, metade da humanidade) tem apenas um lugar (China), África não tem nenhum, nem o mundo muçulmano 1,5 mil milhões de pessoas.

9- Pergunta La Patrie News: Uma palavra sobre a crise libanesa, que continua a afundar-se, ou como pôr fim ao confessionalismo?

Resposta RN: O confessionalismo é uma grelha de leitura conveniente que dispensa uma análise mais aprofundada da crise libanesa. A religião no Líbano não é divisiva. Clivagem distingue répteis dos vertebrados. A história deste país testemunha isto.

O Líbano, um país sem aviação ou marinha, o menor país árabe, conseguiu, no entanto, o feito considerável de revogar um tratado de paz com Israel devido a uma revolta da população de Beirute, em 1985, duplicando o seu feito quinze anos depois, em 2000, provocando a retirada militar israelita do seu território sem negociação ou tratado de paz. Caso único nos anais das relações internacionais. A este respeito, o Líbano é um exemplo devido à sua função de cursor diplomático regional. Com efeito, os americanos estão a impor um bloqueio ilegal ao Líbano para incitar a população libanesa a revoltar-se contra o Hezbollah, a fim de obter o seu desarmamento.

Os ocidentais não parecem ter compreendido a vontade dos povos de viver em dignidade e a sua determinação em preservar a sua independência. O Hezbollah libanês, os Houthis no Iémen, o Hamas palestiniano e a Jihad Islâmica em Gaza fornecem provas diárias disso, preservando assim as hipóteses de ressurreição do mundo árabe.

 

Fonte: ALGÉRIE — Interview de René Naba à la Patrie News – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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