sábado, 26 de novembro de 2022

Rússia, Índia, China, Irão: a quadra oriental concorrente da Quadra Ocidental



26 de Novembro de 2022  Robert Bibeau 

por Pepe Escobar.

O Sudeste Asiático esteve no centro das relações internacionais durante uma semana inteira, com três cimeiras consecutivas: a cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em Phnom Penh, a cimeira do Grupo dos Vinte (G20) no Bali e a cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) em Banguecoque.

Dezoito países que representam cerca de metade da economia mundial estiveram representados na primeira cimeira da ASEAN presencialmente no Camboja desde a pandemia COVID-19: os 10 países da ASEAN, Japão, Coreia do Sul, China, Índia, Estados Unidos, Rússia, Austrália e Nova Zelândia.

Com uma formação asiática característica, o presidente da cimeira, o primeiro-ministro cambojano Hun Sen (ou "colombiano", segundo o chamado "líder do mundo livre"), disse que a reunião plenária foi um pouco animada, mas que o ambiente não era tenso: "Os líderes falaram de forma madura, ninguém saiu"

Cabe ao Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, exprimir o que foi realmente significativo no final da cimeira.

Embora elogiando a "estrutura inclusiva, aberta e igualitária de segurança e cooperação da ASEAN", Lavrov sublinhou como a Europa e a NATO "querem militarizar a região para conter os interesses da Rússia e da China no Indo-Pacífico".

Uma manifestação desta política é a forma como "a AUKUS visa abertamente o confronto no Mar da China Meridional", disse.

Lavrov sublinhou ainda que o Ocidente, através da aliança militar da NATO, aceita a ASEAN "apenas nominalmente" ao mesmo tempo que promove uma agenda totalmente "confusa".

O que é claro, no entanto, é que a NATO "se aproximou várias vezes das fronteiras da Rússia e declarou na cimeira de Madrid que assumiu uma responsabilidade mundial".

O que nos leva ao argumento decisivo: "A NATO move a sua linha de defesa para o Mar do Sul da China." E, acrescentou Lavrov, Pequim tem a mesma opinião.

Aqui, concisamente, está o "segredo" da nossa actual incandescência geo-política. A prioridade número um de Washington é a contenção da China. Isto significa impedir que a UE se aproxime dos principais motores da Eurásia – China, Rússia e Irão – empenhados na construção do maior ambiente de comércio livre/conectividade do mundo.

A somar à guerra híbrida de décadas contra o Irão, o armamento infinito do buraco negro ucraniano faz parte das fases iniciais da batalha.

Para o Império, o Irão não pode beneficiar de se tornar um fornecedor de energia barata e de qualidade para a UE. E, ao mesmo tempo, a Rússia tem de ser isolada da UE. O próximo passo é forçar a UE a afastar-se da China.

Tudo isto corresponde aos sonhos mais loucos e retorcidos dos Straussianos e neo-conservadores: atacar a China, ao encorajar Taiwan, primeiro é preciso enfraquecer a Rússia, instrumentalizar (e destruir) a Ucrânia.

E ao longo deste cenário, a Europa simplesmente não tem poder.

Putin, Raisi e a pista Erdogan

A vida real através dos nós-chave da Eurásia revela um quadro completamente diferente. Veja-se, por exemplo, o encontro descontraído da semana passada em Teerão entre o alto funcionário de segurança da Rússia, Nikolai Patrushev, e o seu homólogo iraniano, Ali Shamkhani.

Discutiram não só questões de segurança, mas também negócios sérios, incluindo o comércio dinâmico.

A National Iranian Oil Company (NIOC) vai assinar um acordo de 40 mil milhões de dólares com a Gazprom no próximo mês, contornando as sanções norte-americanas, e abrangendo o desenvolvimento de dois campos de gás e seis campos petrolíferos, trocas de gás natural e produtos petrolíferos, projectos de GNL e a construção de gasodutos.

Imediatamente após a reunião Patrushev-Shamkhani, o Presidente Putin exortou o Presidente Ebrahim Raisi a continuar a "interação nos domínios da política, do comércio e da economia, incluindo transportes e logística", segundo o Kremlin.

O presidente iraniano teria mais do que "acolhido" o "fortalecimento" dos laços entre Moscovo e Teerão.

Patrushev apoiou inequivocamente Teerão face à mais recente aventura da revolução colorida perpetrada como parte da interminável guerra híbrida do Império.

O Irão e a União Europeia estão a negociar um acordo de comércio livre (ACL) ao lado dos acordos russos de troca de petróleo. Em breve, o SWIFT pode ser completamente ignorado. Todo o Sul Mundial está a ver.

Em simultâneo com o telefonema de Putin, o turco Recep Tayyip Erdogan, que está a conduzir a sua própria guerra diplomática e acaba de regressar de uma cimeira de nações turcas em Samarkand, sublinhou que os EUA e o Ocidente no seu conjunto estão a atacar a Rússia "quase sem limites".

Erdogan disse que a Rússia era um Estado "poderoso" e elogiou a sua "grande resistência".

A resposta veio exactamente 24 horas depois. Os serviços secretos turcos foram directos ao ponto, referindo que o ataque terrorista à eterna e movimentada rua pedonal istiklal de Istambul foi concebido em Kobane, no norte da Síria, o que responde essencialmente aos Estados Unidos.

Trata-se de um acto de guerra de facto e pode ter graves consequências, incluindo uma revisão aprofundada da presença da Turquia na NATO.

A estratégia multi-vias do Irão

Uma aliança estratégica Rússia-Irão está praticamente a manifestar-se como uma inevitabilidade histórica. Isto faz lembrar o tempo em que a antiga URSS ajudou militarmente o Irão através da Coreia do Norte, após um bloqueio imposto pelos Estados Unidos e pela Europa.

Putin e Raisi passam para uma velocidade superior. Moscovo e Teerão estão a desenvolver uma estratégia comum para combater a militarização das sanções pelo Ocidente colectivo.

O Irão, afinal, tem um registo absolutamente estelar de quebrar variantes de "pressão máxima" em pedaços. Além disso, está agora ligado a um guarda-chuva nuclear estratégico oferecido pelos "RIC" dos BRICS (Rússia, Índia, China).

Teerão pode agora considerar o desenvolvimento do seu enorme potencial económico no âmbito da BRI, SCO, INSTC, União Económica Euro-Asiática (EAEU) e a Parceria Da Eurásia, liderada pela Rússia.

O jogo de Moscovo é pura sofisticação: envolver-se numa aliança estratégica de alto nível com a Arábia Saudita, ao mesmo tempo que aprofunda a sua parceria estratégica com o Irão.

Imediatamente após a visita de Patrushev, Teerão anunciou o desenvolvimento de um míssil balístico hipersónico feito internamente, bastante semelhante ao Kh-47 M2 Kinjal russo.

A outra notícia importante foi a conectividade: a conclusão de parte de um caminho-de-ferro que liga o porto estratégico de Shabahar à fronteira com o Turquemenistão. Isto significa uma conectividade ferroviária directa iminente com as esferas da Ásia Central, da Rússia e da China.

Acrescente-se a isto o papel predominante da OPEP+, o desenvolvimento do BRICS+ e a vontade pan-eurasiática de comércio de preços, seguros, segurança, investimento no rublo, yuan, rial, etc.

Há também o facto de Teerão não se importar muito com a interminável procrastinação colectiva do Ocidente no Plano de Acção Conjunto Mundial (JCPOA), vulgarmente conhecido como acordo nuclear iraniano: o que realmente importa agora é o aprofundamento das relações com os "RIC" dos BRICS.

Teerão recusou-se a assinar o projecto de acordo nuclear da UE em Viena. Bruxelas ficou enfurecida; nenhum petróleo iraniano irá "salvar" a Europa, substituindo o petróleo russo sob um limite absurdo a ser imposto no próximo mês.

E Washington ficou furioso porque estava a apostar nas tensões internas para dividir a OPEP.

Tendo em conta tudo isto, não é de admirar que o americano "Think Tankland" se comporte como um bando de galinhas sem cabeça.

A fila para se juntar aos BRICS

Na cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), em Samarkand, em Setembro passado, já era tácito para todos os actores ver como o Império canibaliza os seus aliados mais próximos.

E como, simultaneamente, a esfera redutora da NATO está a virar-se para dentro, concentrando-se no inimigo interior, instando incansavelmente os cidadãos médios a marcharem atrás do pleno cumprimento de uma guerra em duas frentes – híbrida e não só – contra os rivais imperiais, a Rússia e a China.

Compare-se agora com o Presidente chinês, Xi Jinping, que, em Samarkand, apresentou juntas a China e a Rússia, como as principais "potências mundiais responsáveis" determinadas a assegurar o surgimento da multipolaridade.

Samarkand também reafirmou a parceria política estratégica entre a Rússia e a Índia (o primeiro-ministro indiano Narendra Modi chamou-lhe uma amizade inabalável).

Isto foi corroborado pelo encontro entre Lavrov e o seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar, na semana passada, em Moscovo.

Lavrov elogiou a parceria estratégica em todas as áreas cruciais – política, comércio e economia, investimento e tecnologia, bem como "acções estreitamente coordenadas" no Conselho de Segurança das Nações Unidas, BRICS, SCO e G20.

Quanto aos BRICS, Lavrov confirmou que "mais de uma dezena de países" são candidatos à adesão, incluindo o Irão: "Acreditamos que o trabalho de coordenação dos critérios e princípios que devem estar na base da expansão dos BRICS não levará muito tempo."

Mas primeiro, os cinco membros devem analisar as implicações revolucionárias de uma expansão do BRICS+.

Mais uma vez: contraste. Qual é a "resposta" da UE a estes desenvolvimentos? Propõe mais uma ronda de sanções contra o Irão, visando funcionários e entidades "relacionadas com assuntos de segurança" e empresas, pela sua alegada "violência e repressão".

"Diplomacia", à maneira do Ocidente colectivo, dificilmente se assemelha à intimidação.

Voltando à economia real – tal como na frente do gás – os interesses nacionais da Rússia, do Irão e da Turquia estão cada vez mais interligados, o que certamente influenciará os desenvolvimentos na Síria, no Iraque e na Líbia, e será um factor chave para facilitar a reeleição de Erdogan no próximo ano.

Tal como estão as coisas, Riade realizou, para todos os efeitos, uma surpreendente manobra de 180 graus contra Washington através da OPEP+. Isto pode significar, mesmo de forma retorcida, o início de um processo de unificação dos interesses árabes, guiado por Moscovo.

Coisas estranhas aconteceram na história moderna. Parece que chegou a altura de o mundo árabe estar finalmente pronto para se juntar à Quadra que realmente importa: Rússia, Índia, China e Irão.

Pepe Escobar

fonte: Press TV

Rede Internacional de Tradução

 

Fonte: Russie, Inde, Chine, Iran: le Quad oriental concurrent du Quad occidental – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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