23 de Janeiro de 2024 Robert Bibeau
Por Pepe Escobar.
A China, a
Rússia e o Irão levarão a luta por um sistema mais justo e equitativo para um nível
superior.
Ao entrarmos no ano incandescente de 2024, quatro grandes tendências
definirão o progresso da Eurásia interconectada.
1) A integração financeira e comercial será a norma. A Rússia e o Irão já
integraram os seus sistemas de transferência de mensagens financeiras,
contornando o SWIFT e negociando riales e rublos. A Rússia e a China já estão a
acertar contas em rublos e yuans, combinando a imensa capacidade industrial da
China com os imensos recursos da Rússia.
2. A integração económica do espaço pós-soviético, orientada para a
Eurásia, far-se-á principalmente não através da União Económica da Eurásia
(UEE), mas através da Organização de Cooperação de Xangai (OCS).
3. Não haverá nenhum avanço pró-ocidental significativo no Heartland: os
"stans" da Ásia Central serão gradualmente integrados numa única
economia euroasiática organizada pela OCS.
4. O confronto tornar-se-á ainda mais agudo, opondo o hegemon e os seus
satélites (Europa e Japão/Coreia do Sul/Austrália) à integração da Eurásia,
representada pelos três principais BRICS (Rússia, China, Irão), mais a RPDC e o
mundo árabe incorporado nos BRICS.
Do lado russo, o
inimitável Sergey Karaganov estabeleceu a lei:
"Não devemos negar as nossas raízes europeias, devemos
tratá-las com cuidado. Afinal, a Europa deu-nos muito. Mas a Rússia tem de
avançar. E avançar não significa ir para oeste, mas para leste e sul. É aqui
que reside o futuro da humanidade."
O que nos leva ao dragão, neste Ano do Dragão.
Roteiros de
Mao e Deng
Em 2023, os chineses fizeram 3,68 mil milhões de viagens de comboio, um
recorde histórico.
A China está a caminho
de se tornar um líder mundial em IA até 2030. A gigante da
tecnologia Baidu, por exemplo, lançou recentemente o Ernie Bot para competir
com o ChatGPT. Na China, a IA está a desenvolver-se rapidamente na saúde,
educação e entretenimento.
A eficiência é
fundamental. Cientistas chineses desenvolveram o chip ACCEL, que é capaz de realizar 4,6 quatriliões de
operações por segundo, em comparação com 0,312 quatrilião de operações por
segundo para o chip A100 da NVIDIA.
A China forma até um milhão de estudantes STEM a mais do que os EUA, ano
após ano. Isso vai muito além da IA. Os países asiáticos ainda atingem os 20%
melhores em competições de ciências e matemática.
O Australian Strategic Policy Institute (ASPI) pode ser terrível em
geopolítica. Mas pelo menos prestaram um serviço público ao mostrar os países
que lideram o planeta em 44 sectores tecnológicos críticos.
A China ocupa o primeiro lugar em 37 sectores. Os EUA lideram em 7 sectores.
Todos os outros países não lideram em nenhum sector. Estes incluem Defesa,
Espaço, Robótica, Energia, Ambiente, Biotecnologia, Materiais Avançados,
Tecnologia Quântica Chave e, claro, IA.
Como é que a China
chegou a este ponto? É muito instrutivo hoje reler um livro publicado em 1996
por Maurice Mesner: "The
Deng Xiaoping Era: An Investigation into the Fate of Chinese Socialism,
1978-1994".
Em primeiro lugar, precisamos saber o que aconteceu sob Mao:
«De 1952 até meados da década de 70, a produção
agrícola líquida da China cresceu a uma taxa média anual de 2,5%, enquanto o
valor para o período mais intensivo da industrialização do Japão (1868 a 1912)
foi de 1,7%.
Na esfera industrial,
todos os indicadores aumentaram: produção de aço, carvão, cimento, madeira, electricidade,
petróleo bruto e fertilizantes químicos. "Em meados da década de 70, a China
também estava a produzir um número significativo de aviões a jacto, tractores
pesados, locomotivas ferroviárias e embarcações oceânicas modernas. A República
Popular tornou-se também uma grande potência nuclear, equipada com mísseis
balísticos intercontinentais. O primeiro teste bem-sucedido de bomba atómica
ocorreu em 1964, a primeira bomba de hidrogénio foi produzida em 1967 e um
satélite foi colocado em órbita em 1970."
A culpa é de Mao: ele
transformou a China "de um
dos países agrários mais atrasados do mundo na sexta potência industrial em
meados da década de 1970". Na maioria dos principais indicadores sociais e demográficos, a
China compara favoravelmente não só com a Índia e o Paquistão no sul da Ásia,
mas também com "países de rendimento médio cujo PNB per
capita é cinco vezes superior ao da China".
Todos esses avanços
abriram caminho para Deng: "Os maiores rendimentos alcançados em quintas
familiares individuais no início da era Deng não teriam sido possíveis sem os
extensos projectos de irrigação e controle de inundações – barragens, obras de
irrigação e diques fluviais – construídos por camponeses colectivizados nas
décadas de 1950 e 1960."
É claro que houve
distorções – pois o impulso de Deng produziu uma economia capitalista de facto
presidida por uma burguesia burocrática: "Como tem sido verdade na história de todas as economias
capitalistas, o poder estatal esteve muito envolvido no estabelecimento do
mercado de trabalho na China. De facto, na China, um aparelho estatal altamente
repressivo desempenhou um papel particularmente directo e coercitivo na
mercantilização do trabalho, um processo que ocorreu com uma velocidade e
escala sem precedentes na história."
Até que ponto o fabuloso Grande Salto Económico de Deng produziu
consequências sociais calamitosas continua a ser uma fonte inesgotável de
debate.
O Império da
Kakistocracia
À medida que a era Xi enfrenta definitivamente o drama – e tenta resolvê-lo
– o que o torna ainda mais complicado é a interferência constante das chamadas
"contradições estruturais" entre a China e o hegemon.
O ataque à China é o
jogo politicamente correcto mais prevalente em todo o Beltway – e é certo que sairá do controle
em 2024. No caso de um desastre democrata em Novembro próximo, há poucas
dúvidas de que uma presidência republicana – Trump ou não Trump – desencadeará
a Guerra Fria 3.0 ou 4.0, com a China, e não a Rússia, como principal ameaça.
Depois, há as próximas eleições em Taiwan. Se os candidatos
pró-independência vencerem, a incandescência aumentará exponencialmente. Agora
imaginem que esta situação se agrava com a chegada de um raivoso sinofóbico à
Casa Branca.
A Guerra
Mesmo quando a China era militarmente fraca, o hegemo não conseguia
derrotá-la, nem na Coreia nem no Vietname. Hoje, as chances de Washington
derrotar Pequim num campo de batalha no Mar da China Meridional são mais do que
nulas.
O problema dos EUA resume-se a uma tempestade perfeita.
O poder duro e suave do hegemon foi precipitado num vácuo escuro com a
humilhação iminente e cósmica da NATO na Ucrânia, aliada à cumplicidade no
genocídio em Gaza.
Ao mesmo tempo, o
poder financeiro mundial do hegemon está prestes a sofrer um grande golpe, já
que a parceria estratégica Rússia-China, à frente dos BRICS 10, começa a oferecer alternativas
bastante viáveis ao Sul Global.
Os estudiosos chineses,
em trocas inestimáveis, sempre lembram aos seus interlocutores ocidentais que a
história tem sido um recreio constante colocando oligarquias aristocráticas
e/ou plutocráticas umas contra as outras. Acontece que o Ocidente colectivo
hoje é "liderado" pela variedade mais tóxica da plutocracia: a
kakistocracia.
Aquilo a que os chineses chamam, e bem, "países cruzados" estão
agora consideravelmente esgotados – económica, social e militarmente. Pior,
estão quase totalmente desindustrializados. Aqueles com cérebros funcionais
entre os cruzados pelo menos imaginaram que a "dissociação" da China
seria um grande desastre.
Nada disto elimina a sua vontade arrogante/ignorante de entrar em guerra
com a China – embora Pequim tenha mostrado imensa contenção ao não lhes dar
desculpas para iniciar uma nova guerra eterna.
Em vez disso, Pequim
está a inverter as tácticas do Hegemon, por exemplo, sancionando o Hegemon e os
seus vassalos (Japão, Coreia do Sul) sobre as
importações de terras raras. Ainda mais eficaz é a campanha concertada
Rússia-China para contornar o dólar americano e enfraquecer o euro –
com o total apoio dos 10 membros do BRICS, membros da OPEP+, membros da UEE e a
maioria dos membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCS).
O enigma de
Taiwan
Em suma, o plano director
da China é de grande beleza: trata-se de acabar com a "ordem internacional
baseada em regras" sem disparar um único tiro.
Taiwan continuará a ser o principal campo de batalha não empenhado.
Basicamente, pode-se dizer que a maioria da população de Taiwan não quer a
unificação; ao mesmo tempo, não quer uma guerra provocada pelos Estados Unidos.
Querem, na sua maioria, o actual status quo. A China não tem pressa: o
plano director de Deng previa a reunificação antes de 2049.
A hegemonia, por outro lado, está numa terrível camisa de força: trata-se
de dividir para reinar, mais uma vez, fomentando o caos e desestabilizando a
ascensão inexorável da China.
Pequim está a monitorizar literalmente tudo o que se move em Taiwan –
através de dossiers monumentais e meticulosos. Pequim sabe que, para Taipé prosperar
num ambiente pacífico, tem de negociar enquanto ainda tem algo para negociar.
Todos os taiwaneses com cérebros – e a ilha não tem falta de cérebros
científicos de alto nível – sabem que não podem esperar que os americanos
morram a lutar por eles. Em primeiro lugar, porque sabem que o Hegemon não se
atreverá a envolver-se numa guerra convencional com a China, porque o Hegemon
perderia – mal (o Pentágono jogou todas as opções). E também não haverá guerra
nuclear.
Estudiosos chineses
gostam de apontar que, quando o Império do Meio estava totalmente fragmentado
no século 1644 sob a dinastia Qing (1644 - 1912), "a classe dominante sino-manchu foi incapaz
de renunciar à sua auto-imagem e tomar as medidas draconianas necessárias".
O mesmo vale para os excepcionalistas, mesmo que dêem cambalhotas na
tentativa de preservar a sua própria imagem mitológica: Narciso afogou-se numa
piscina que ele mesmo criara.
É possível argumentar
que o Ano do Dragão (chinês) será um ano de soberania. As crises do hegemon,
a fúria da guerra híbrida e as elites compradoras colaboracionistas serão
obstáculos que dificultam constantemente o Sul Global. No entanto, haverá pelo
menos três polos com a espinha
dorsal, recursos, organização, visão e senso de história universal para levar a
luta em direcção a um sistema mais igualitário e justo a um nível mais
alto: China, Rússia e Irão.
fonte: Strategic
Culture Foundation
Tradução de Réseau International
Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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