sábado, 27 de janeiro de 2024

O capital para progredir corrompe

 


Do comunista revolucionário Pedro Pacheco, da Ilha de S. Miguel, nos Açores, recebi o documento abaixo transcrito, cuja leitura, quando decorre a denúncia de mais um episódio de corrupção política – desta feita na Região Autónoma da Madeira – é fundamental para que se compreenda qual a visão dos marxistas, dos comunistas, dos proletários internacionalistas, sobre este fenómeno e quais as saídas para o mesmo.

Luis Júdice

 

(A quem ler o que se segue) 

Entrego o que resolvi escrever a propósito da corrupção.

E espero que não leve a mal falar também do que talvez seja a questão mais candente e também a mais confundida dos dias de hoje.

É muito curioso observar que para uns o dinheiro é a coisa melhor que existe. No entanto para outros o dinheiro é a fonte de todos os males deste mundo.

Mas o que é o dinheiro?

O dinheiro é aquela coisa que troca com qualquer coisa. O dinheiro durante a sua longa história já tomou as mais diversas formas. No Egipto antigo, há mais de três mil anos, o cobre era essa coisa que com tudo trocava. Era ao peso que essa moeda funcionava e tinha de se andar com balança para proceder à compra e à venda. O sal também foi em muitas circunstâncias históricas a moeda de troca. Daí, aliás, vem a palavra salário. A dada altura começou-se a cunhar os metais com figurações representando mercadorias de referência, o retrato do rei ou do imperador e a identificação do valor da moeda.

O dinheiro só se tornou capital com as revoluções burguesas. Houve a chamada acumulação primitiva de que Portugal foi nos séculos quinze e dezasseis pioneiro da mundialização que o conhecimento geográfico mútuo entre continentes originou. Mas é só no século dezassete, em Inglaterra, finais do século dezoito em França, em Portugal no século dezanove e concomitante ou sucessivamente nos restantes países do mundo que a classe burguesa se impôs económica, militar e politicamente tal como é observável hoje.

O que distingue capital de dinheiro é o facto do capital indexar ao sobre-produto ou mais-valia originado pela relação assalariada característica do modo de produção burguês. Isto é, a força de trabalho como mercadoria que se compra e que se vende criadora não só de produtos transacionáveis mas também, e muito especialmente, de riqueza legalmente apropriada pelo comprador da força de trabalho através de horas trabalhadas não pagas pelo salário e das quais o assalariado geralmente ignora o quantitativo alienado.

Mais-valia é sempre horas de trabalho realizado não pago pelo salário estabelecido. O dinheiro em modo de produção burguês é, tal como o lucro, o juro e a renda, uma categoria económica determinada e imposta para servir quem com essa imposição económica beneficia. E o Estado é, enquanto forma suprema de organização da classe no poder, destacadamente a entidade máxima burguesa no saque da mais-valia.

O dinheiro é assim uma espada sempre à mão para cair sobre a cabeça do incauto servidor da acção de saque que lhe está associada. Tal como Pilatos, o capital lava as mãos, e, para esconder a sua função, não tem pejo em lançar à feras aqueles que lhe dão corpo, tirando o suporte sempre que necessário a quem o serve para tentar escapar à maneira do ladrão que grita agarra que é ladrão enquanto foge. 

É o dinheiro como capital o que elevou às alturas o Albuquerque da Madeira, o Bolieiro dos Açores e o Costa da República, e é o mesmo dinheiro como capital que agora os responsabiliza e põe em xeque para ver se não fica mal perante a perplexa contestação popular que a sua exponencial pretensão predadora e espoliadora de crescimento cria. A corrupção está no dinheiro como capital, no dinheiro como criador de sobre-produto, no dinheiro como instrumento de exploração do homem pelo homem. Se para o capital são as bombas o mais capaz produto criador de sobre-produto ou mais-valia, é para as bombas que o capital direcciona o dinheiro. Ao indexar o dinheiro à força já morta do trabalho passado e à força viva do trabalho presente o capital progride sobre o corpo de todos aqueles de que se serve para crescer, isto é, proletarizando aceleradamente e aceleradamente empobrecendo o proletarizado com simultânea acelerada redução do número daqueles cada vez mais ricos que o acumulam e detêm!

O capital para progredir corrompe. Para não ficar como corruptor o capital acusa os que corrompe de corruptos de maneira a perpetuar a acção corruptora que lhe é própria.

Estamos hoje a viver este fenómeno.

Não é corrompendo que a corrupção acaba. A corrupção acaba logo que se recuse esconder o que permite ao corrupto ganhar com a corrupção! É no desvelo das coisas que está a pedra de toque que distingue os falsos dos verdadeiros inimigos da corrupção!

Com os meus cumprimentos,

 

Pedro Pacheco

Região Autónoma dos Açores, Janeiro 2024

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