Por Gideon Levy em
A destruição, o massacre, a fome e o cerco a uma escala tão monstruosa já não podem ser explicados ou justificados, mesmo por uma máquina de propaganda eficaz como a diplomacia pública israelita (hasbara).
O mal já não pode ser escondido por qualquer propaganda. Nem mesmo a combinação vencedora de Israel de vitimização, Yiddishkeit, povo escolhido e Holocausto pode continuar a turvar as águas. Ninguém esqueceu os horríveis acontecimentos de 7 de Outubro, mas eles não podem justificar os espectáculos em Gaza. Ainda não nasceu o propagandista capaz de explicar o assassínio de 162 crianças num dia - um número divulgado esta semana nas redes sociais -, quanto mais o assassínio de cerca de 10.000 crianças em dois meses.
Israel já está a criar o seu "Yad Vashem" actualizado. Centenas de funcionários judeus dos Estados Unidos estão a ser enviados de avião para os kibutzim queimados no sul do país. Natan Sharansky também visitou Kfar Azza esta semana, para ver e mostrar a esses anti-semitas o que eles nos fizeram.
A partir de agora, nenhum convidado oficial poderá aterrar em Israel sem ser obrigado a passar pelo Kibutz Be'eri. E, a partir daí, se ousarem virar o olhar para a Faixa de Gaza, serão acusados de anti-semitismo. À espera dos autocarros da Birthright, com um soldado a vigiar cada um deles, de espingarda checa apontada.
Também eles já estão a caminho de Nir Oz.
É muito pouco provável que isto sirva para alguma coisa. A Hasbara é actualmente uma máquina imoral. Quem se contenta em ficar chocado com o que nos foi feito, ignorando o que fizemos desde então, não tem integridade nem consciência. Não se pode ignorar Gaza e ficar chocado apenas com Kfar Azza. É claro que temos de contar e mostrar ao mundo o que o Hamas nos fez. Mas a história está apenas a começar. Não acaba aqui. Não contar o resto da história é desprezível.
Para além do terrível sofrimento israelita, que não deve ser subestimado, a Faixa de Gaza é hoje palco de um sofrimento muito maior. É uma escala enorme e está a causar desespero. Não há explicação para este facto, nem precisamos de uma. Basta ler os relatos que nos chegam de Gaza e que são difundidos por todo omundo, com excepção de um pequeno Estado cujos olhos estão fechados e cujo coração está selado.
A hasbara israelita é um logro. Conta uma história que não é toda a
verdade. Ao esconder mais de metade da verdade, a hasbara deveria ter sido considerada uma actividade vergonhosa. Mas não é. Em Israel, uma figura grotesca como Noa Tishbi tornou-se a heroína do momento. O ataque fatal a Benny Gantz, que esteve presente numa festa em sua honra em casa do pai enlutado Eyal Waldman e foi fotografado a sorrir, com uma bebida numa mão e Tishbi na outra, não fez sentido.O facto é que os enganadores são aqui transformados em heróis. Uma vista de olhos na conta X de Tishbi dá-nos vómitos. Natalie Dadon, mas com pó de Hollywood, new age, mimos, lágrimas e sorrisos Colgate, kitsch e morte directamente da fronteira de Gaza. A nação judaica é o povo indígena de Israel, somos daqui", diz a mulher que emigrou de muito longe. Assim que aterrou no aeroporto Ben Gurion, teve de fugir para se abrigar, filmando-se, claro, para fazer tremer e chorar todos os "amigos de Israel".
E as jóias, oh as jóias em Tishbi: duas Estrelas de David, não uma, só para ter a certeza; um colar Chai e um mapa do rio ao mar, tudo em ouro. Um quarto de milhão de seguidores. O Hanukkah é uma festa sionista. Telavive é uma cidade sob ataque. "É preciso imaginar como será o Médio Oriente quando o Hamas for derrotado", diz ela a Piers Morgan, da TalkTV.
Querem saber como será o Médio Oriente? Gaza destruída, dois milhões de desalojados e, do lado oposto, igualmente maltratados e agredidos, um Estado de apartheid de que Tishbi nem sequer ouviu falar.
Gideão Levy
Fonte: Haaretz, 31 de dezembro de 2023
Traduzido por Brahim Madaci
COMPLEMENTAR: Resultados da pesquisa por "PALESTINE" – les 7 du québec
Fonte: Il est impossible de décrire le degré de mort et de destruction à Gaza – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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