9 de Janeiro de 2024 René Naba
RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
Por Christophe Courtin, publicado em Golias Hebdo n° 738. Cortesia de https://www.golias-editions.fr/,
Nota do editor https://www.madaniya.info/
O presente texto analisa as questões subjacentes à promoção mediática do Cardeal Robert Sarah (Guiné), no contexto de uma possível demissão do Papa Francisco, por parte do empresário católico tradicionalista Vincent Bolloré, proprietário de uma considerável força de ataque mediática (o grupo Vivendi, com o seu emblemático Canal + C News, Paris Match, Europe 1) e padrinho do teórico ultra-direitista do francocídio Eric Zemmour.
Veja este link https://www.golias-editions.fr/2008/07/24/la-puissante-galaxie-bollore/
Questões da importância do catolicismo africano
Enquanto o catolicismo atravessa uma crise sem precedentes no seu berço europeu, conhece um crescimento sustentado no continente africano. Todos os anos, são baptizados nesta região pouco mais de 5 milhões de pessoas, ou seja, um terço do total. De acordo com os últimos dados do Vaticano, a República Democrática do Congo (RDC) é o maior país católico francófono do mundo, com 52 milhões de fiéis, quase metade da população.
No continente africano, a RDC é o país com a maior população católica, seguida, de acordo com os dados de 2018 do Pew Research Center, um grupo de reflexão americano conhecido pelos seus estudos sobre religiões, pela Nigéria (cerca de 24 milhões de fiéis) e pela Tanzânia (18 milhões).
Desde que consiga resistir ao ataque das inúmeras igrejas pentecostais, que
têm uma forte presença na África Central, a região subsariana deverá
desempenhar um papel cada vez mais importante no catolicismo mundial. Fim da
nota de rodapé https://www.madaniya.info/
Cardeal Robert Sarah (Guiné), o outro "candidato" de Bolloré
No momento em que se aproxima o fim do pontificado de Francisco, o Paris
Match, na sua edição de 7 de Julho de 2022, surpreendeu muitos observadores ao
dedicar a sua primeira página ao cardeal guineense Robert Sarah, um príncipe da
Igreja pouco conhecido em França fora dos círculos especializados em
vaticanologia.
No interior do jornal, uma reportagem encomendada pelo jornalista e
escritor Philippe Labro, enviado especial ao Vaticano, não resistiu a
apresentar alguns clichés sobre a cidade papal: a cidade dentro da cidade, o
universo dentro do universo, a Guarda Suíça, o exército mais pequeno do mundo,
César Bórgia, limusinas e bonés vermelhos, sem esquecer Don Camilo.
No seu retrato de Robert Sarah, o infatigável jornalista católico, muito
ligado a Vincent Bolloré, traça a imagem de um homem terra a terra, muito
piedoso, conservador, mas sobretudo modesto e corajoso, com uma fé profunda
enraizada nas tradições da Igreja e da sua África natal.
Quando lhe perguntam se é um possível candidato à sucessão do Papa
Francisco, o prelado guineense responde obviamente de forma negativa,
esquivando-se à pergunta e explicando humildemente: "Isso não me
interessa, o que conta é encontrar Deus".
Sob o título "Monseigneur Sarah: Dieu c'est la paix" (Bispo
Sarah: Deus é a paz), Labro apresenta um artigo como uma piedosa imagem
sulpiciana que os jovens comungantes colocariam devotamente no seu novo missal,
no dia da sua profissão de fé. É uma imagem epinal para os católicos franceses
tradicionalistas, e uma propaganda clerical pesada para os círculos
conservadores próximos do movimento Manif pour tous, numa altura em que a
campanha para a sucessão pontifícia está a ganhar ritmo.
Em 29 de Julho de 2022, no avião de regresso do Canadá, o Papa Francisco
explicou que estava a considerar a hipótese de se demitir e de convocar um
conclave antecipado. Desde então, a corrida à influência para colocar um
papabile foi relançada, apesar de ter começado com a eleição do cardeal
Bergoglio aos 77 anos, em 2013.
O Colégio dos Cardeais, que elege o Papa de entre os seus membros, é
composto por 229 cardeais, incluindo 132 eleitores, dois terços dos quais terão
sido nomeados pelo Papa Francisco.
1- A possibilidade de um papa africano
A eleição do cardeal polaco Wojtyla (João Paulo II) em 1978 abriu caminho
para a eleição de um papa não italiano. Seguiu-se a eleição de um papa alemão
em 2005 (Joseph Alois Ratzinger, Bento XVI) e depois de um papa argentino em
2013 (Francisco).
Será que a eleição de um papa das margens, como disse Francisco no dia da
sua eleição, pode continuar? Os católicos africanos esperam que sim.
As estatísticas do Vaticano falam a seu favor: o número de católicos está
estimado em 252 milhões na África Subsariana, que, em comparação com outros
continentes, regista o maior aumento anual do número de fiéis e religiosos,
muito à frente da Oceânia (11 milhões de fiéis) e da Ásia (149 milhões), e que
deverá em breve alcançar a Europa (285 milhões), onde o número de fiéis diminui
de ano para ano. Em contrapartida, a África está ainda muito longe do
continente americano (647 milhões), onde o número de fiéis cresce lentamente.
A lógica da representação rotativa sugeriria que deveria ser a vez de um
filho do continente africano assumir a 266ª sucessão de Pedro em Roma. Mas a
lógica, na história da Igreja, pesa muito pouco contra a complexa gramática da
Igreja.
Nem a aritmética: entre os 132 eleitores do Colégio Cardinalício, há 17
africanos, um número muito inferior ao peso real dos católicos do continente.
Os europeus estão sobre-representados (54 eleitores) e uma simples regra de
três, reduzindo o número de cardeais eleitores ao número de fiéis, daria a
África 24.
Na realidade, este cálculo não é decisivo: os cardeais não representam
territórios geográficos, mas sim territórios teológicos, espirituais,
eclesiais, clericais e sobretudo - e é isso que mais nos interessa - societais.
São objecto de poderosas lutas de poder no seio do Colégio Cardinalício, aquilo
a que os crentes chamam o Espírito Santo.
Tal como aconteceu com Eric Zemmour durante as últimas eleições presidenciais
em França, Vincent Bolloré, católico convicto, parece acreditar nas hipóteses
do seu campeão guineense. Está a abrir as páginas de um dos pesos pesados da
imprensa francesa, no qual está a tentar adquirir uma participação maioritária,
no âmbito de uma oferta pública de aquisição (OPA) do seu grupo Vivendi sobre o
grupo Lagardère, que detém o Match. Mas porquê este apoio?
2 – Uma Teologia Rústica e Dogmática
Para compreender isto, temos de procurar os territórios do Cardeal Sarah.
E, para o fazer, precisamos de olhar para a história da Igreja no continente. O
Cardeal Robert Sarah é como a maioria dos episcopados africanos, que defendem
uma Igreja Católica ainda ritualista, vertical, pietista e essencialmente
romana. Chegou à África equatorial costeira na esteira dos europeus, no século
XVI. No século XIX, passou a fazer parte do pacote civilizacional colonial.
Mesmo a muito laica República Francesa encorajou e apoiou ordens religiosas
missionárias como os Padres Brancos no Sahel, as Missões Africanas de Lyon na
África costeira e as inúmeras congregações de religiosas cujo número, diz-se,
nem Deus sabe, tal como não saberia o que pensa um jesuíta - como o Papa
Francisco.
Os italianos enviaram missionários combonianos e os alemães, padres
palotinos, mas o Vaticano, no braço de ferro entre as nações cristãs europeias
pelo controlo do continente africano, manteve habilmente o centralismo romano
para as missões católicas com a ajuda e o dinheiro do episcopado americano.
No contexto da cultura católica da época, do anti-modernismo, do
renascimento mariano, dos dogmas da infalibilidade papal e da Imaculada
Conceição, estes missionários lançaram as bases de bispados em África que
pregavam uma teologia rústica e dogmática baseada em ritos colectivos,
cerimónias públicas de piedade e no imaginário popular sulpiciano, como o
escritor católico Léon Bloy descreveu as lojas bondie que surgiram à volta da
igreja de Saint-Sulpice em Paris no século XIX.
O clero, que se africanizou a partir dos anos 50, comandava os seus
rebanhos espiritual, moral, intelectual e politicamente.
Robert Sarah, nomeado bispo aos 34 anos por João Paulo II em 1979, e depois
cardeal por Bento XVI em 2010, encarna esta tradição, ainda hoje viva, da
Igreja em África, que estes dois papas apoiaram durante os seus pontificados,
promovendo uma eclesiologia de reconquista face ao crescente islamismo salafista
e às poderosas igrejas evangélicas.
O cardeal guineense tem sido fundamental nesta estratégia: em 2001, João
Paulo II promoveu-o a Roma como Secretário da Congregação para a Evangelização
dos Povos, que nomeia os bispos em África; e em 2010, Bento XVI nomeou-o
Presidente do Conselho Pontifício Cor Unum, que coordena as actividades
caritativas das organizações católicas em todo o mundo. Robert Sarah reivindica
a linhagem dogmática e conservadora destes dois papas.
4 - A influência da Igreja
O impacto da Igreja no continente reside também no seu ensino, que,
juntamente com as igrejas protestantes, contribuiu para o aparecimento das
elites que chegaram ao poder aquando da independência. Barthélemy Boganda, na
República Centro-Africana, foi o primeiro padre africano a ser ordenado na colónia
de Oubangui-Chari. Fulbert Youlou, no Congo-Brazzaville, foi um padre
diocesano. Patrice Lumumba, no Congo, frequentou a escola missionária católica.
Maurice Yaméogo, no Alto Volta (actual Burkina Faso), era um devoto.
Mais tarde, os prelados católicos desempenharam um papel central no ciclo
de conferências nacionais de 1990 e 1991 no Togo, no Zaire (actual República
Democrática do Congo) e no Benim.
Robert Sarah também pertence a esta história política do continente. Ainda
jovem, foi nomeado arcebispo de Conacri no auge da crise entre o Vaticano e a
Guiné de Sékou, de grande maioria muçulmana. Nessa altura, arriscou a vida.
Com excepção da África do Sul, onde os católicos são largamente
minoritários, o projecto emancipatório da Teologia da Libertação na América do
Sul não prosperou na África Subsariana.
João Paulo II e Bento XVI combateram-no duramente, e os episcopados locais
não o adoptaram, apesar da história de dominação colonial do continente. No
entanto, os contornos de uma teologia africana inculturada - ou seja, que visa
enraizar o Evangelho nas tradições africanas - foram desde muito cedo objecto
de numerosas obras apoiadas pelos episcopados. Vários dos grandes pensadores
contemporâneos sobre a emancipação africana (Fabien Eboussi Boulaga, Paulin J.
Hountondji, Achille Mbembé) vieram de escolas ou seminários católicos.
A manipulação étnica em África é também uma preocupação para os episcopados
africanos, como nos Camarões e no Togo.
Durante a crise da Costa do Marfim de 2010-2011, o Cardeal Bernard Agré,
antigo arcebispo de Abidjan, tomou posições nacionalistas que flertaram com o
marfinismo. Os comentários de Robert Sarah sobre a Europa, "um continente
em declínio, em vias de se tornar muçulmano devido às vagas de migração",
reflectem esta matriz intelectual na confluência do pensamento nacionalista
pan-africano e de uma teologia da identidade.
5- Um místico radicalizado
Em 2015, retomando uma fórmula de Paulo VI (1963-1978), ele e cinquenta
bispos africanos assinaram um livro com um título inequívoco: L'Afrique, la
nouvelle patrie du Christ (Paulines, 2015). O anti-ocidentalismo da opinião
pública africana é também alimentado por esta ideologia religiosa. No último
consistório, para marcar a sua desaprovação da questão étnica que assola as
sociedades africanas, o Papa Francisco promoveu Peter Okpaleke, um bispo
nigeriano que tinha sido impedido de entrar no seu bispado por não pertencer ao
mesmo grupo étnico do seu rebanho.
A visão tradicionalista e hierárquica da Igreja representada por Robert
Sarah (e defendida por Vincent Bolloré) não é a dos cardeais eleitores nomeados
por Francisco, incluindo os onze africanos - ou melhor, não a este nível de
radicalismo. Ao contrário dos seus dois antecessores, o Papa reconhece o legado
da Teologia da Libertação e tenta mostrar uma instituição que se questiona
("Quem sou eu para julgar?"), que pede perdão, que enfrenta os males
da Igreja, como a pedofilia e a corrupção, e que procura respostas teológicas
para questões como o celibato dos padres, a contracepção, a ordenação de
mulheres e a homossexualidade.
Tal como outros papas antes dele, Francisco quer preservar a herança
espiritual e política que vai legar, e Robert Sarah, embora o negue ao Paris
Match, quer dispersá-la.
Já em 2015, Sarah opôs-se frontalmente a Francisco no Sínodo sobre a
Família, que deveria fazer progressos na questão dos divorciados recasados e da
homossexualidade, liderando a rebelião em nome de uma identidade africana e
declarando que "as ideologias ocidentais da homossexualidade e do aborto e
o fanatismo islâmico são o que o nazismo, o fascismo e o comunismo foram no
século XX".
A nova evangelização do Papa Francisco, baseada no exemplo e no testemunho
- caso contrário, na sua opinião, "a missão torna-se noutra coisa [...]
uma conquista religiosa ou talvez ideológica" - está em contradição com o
pensamento do antigo Secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos,
que pensa em termos de reconquista e de espiritualidade identitária.
Em 2020, Robert Sarah e Bento XVI publicaram um livro sobre o celibato
sacerdotal, Des profondeurs de nos cœurs, com a Fayard (uma editora que deverá
ficar sob o controlo do grupo Bolloré). Nele, fala da função sacerdotal dos
padres - "A castidade do padre é o sinal da sua ligação à verdade que é
Cristo crucificado e ressuscitado" - quando, no mundo real, esta questão
em África tem menos a ver com o celibato ou o casamento dos padres do que com a
poligamia de muitos deles.
Não hesita em denunciar as "aberrações diabólicas" da abordagem
de género, vendo nela, juntamente com as uniões homossexuais e o lobby gay, os
novos rostos da besta do apocalipse.
Os teólogos sérios que o lêem consideram a sua teologia infantil. Muitos
católicos africanos vêem-no como um místico radicalizado e manipulado, enquanto
para muitos outros ele é simplesmente um homem santo que volta a colocar Deus e
Cristo no centro da Igreja universal.
6- Outros cardeais africanos em melhor posição
Prelado minoritário e divisor de águas, porta-estandarte anacrónico de uma espécie de Reconquista Católica, Robert Sarah não tem qualquer hipótese de ser eleito no próximo conclave, mesmo que a eleição de um Papa africano ainda seja possível. Outros cardeais africanos estão bem colocados na linha de partida, como Richard Baawobr, bispo de Wa, no noroeste do Gana, que acaba de ser promovido a cardeal por Francisco. Eleito a 30 de Abril de 2022 para dirigir os episcopados africanos, foi o primeiro negro a tornar-se Superior Geral dos Padres Brancos, em 2010. A desterritorialização da sua missão está no centro do seu pensamento. Com um doutoramento em teologia bíblica e especialista em Islão, preenche muitos dos requisitos do roteiro do Papa Francisco para o próximo conclave.
Então, por que é que o Paris Match deu subitamente destaque a um cardeal desconhecido do grande público, na véspera de um conclave? O editor de Robert Sarah na Fayard é Nicolas Diat, que também publica Philippe de Villiers e o seu irmão, o general Pierre de Villiers.
Um artigo na Slate descreve-o como navegando na nebulosa militante da extrema-direita católica que emergiu na arena pública durante o Manif pour tous. É membro da associação Sens commun e das revistas conservadoras Famille chrétienne, L'Homme nouveau, La Nef e Valeurs actuelles. Foi próximo do republicano Laurent Wauquiez e depois de Patrick Buisson, antigo conselheiro de extrema-direita de Nicolas Sarkozy. Dá a impressão de acreditar nas hipóteses de o cardeal Sarah se sentar no trono de Pedro, e é provável que tenha reescrito várias passagens dos três livros do cardeal. Foi ele que negociou o artigo da Paris Match.
Os seus interlocutores devem ter reconhecido nos valores tradicionalistas do prelado uma convergência com os de Vincent Bolloré, que afirma ter a fé de um mineiro. No entanto, um conhecimento aprofundado da realidade das relações de poder deveria fazer o empresário bretão compreender que o candidato vestido com a púrpura cardinalícia deste editor calotino e hiperactivo não tem qualquer hipótese.
Tal como Éric Zemmour, Vincent Bolloré queria simplesmente mostrar que não tinha qualquer problema em utilizar o poder dos meios de comunicação social que controla para defender as suas ideias tradicionalistas e conservadoras no espaço público.
Logo após a publicação de Match, o jornal Jeune Afrique publicou um cartoon de Damien Glez. Mostra Vincent Bolloré, rodeado por Sarah e Zemmour, segurando a capa da Match e explicando: "Robert, dentro de cinco anos serei dono de todos os meios de comunicação franceses, Zemmour será presidente e tu serás papa".
As mãos de Sarah agarram-se a um grande crucifixo de ouro e o ar ausente, enquanto Zemmour comenta: "Sabes que os meus problemas começaram depois da minha capa da Match". Até a sociedade dos jornalistas da Paris Match denunciou a capa dedicada a Robert Sarah - uma revolta que levou, algumas semanas mais tarde, à demissão do seu líder, Bruno Jeudy, chefe de redacção dos departamentos de política e economia desde 2015.
Para além de ter agitado alguns círculos católicos de extrema-direita em
França, esta operação de relações públicas mostrou a visão que Bolloré tinha da
imprensa: um meio ao serviço da sua visão reaccionária do mundo.
Fonte: Cardinal Robert Sarah (Guinée), l’autre «candidat» de Bolloré – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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