No ano passado, em Espanha, a multinacional Telefónica propôs uma redução do horário de trabalho e estabeleceu que iria levar a cabo um teste piloto a oartir do Outono de 2021. Ficou claro, na altura, que se tratava de um primeiro ensaio, apoiado pela grande burguesia espanhola – que já estaria preparado desde 2019 -, para vir a impôr a semana de 4 dias de trabalho que, na realidade, se traduz por uma redução do horário de trabalho e dos salários, argumento que se integra no âmbito do Green Deal.
Apesar de em Portugal só o Livre, do inefável e saloio político Rui Tavares, ter esta proposta incorporada no seu programa, começa-se a agitar o mundo sindical – particularmente o sector ligado à UGT mas, também, à Intersindical – quanto a esta possibilidade vir a fazer parte das discussões no âmbito da “concertação social”. O Livre, aliás, funciona cada vez mais como o "camião vassoura" do PS. Faz propostas que "limpam" o caminho a Costa, para que este, e o PS, mais tarde, e tranquilos e seguros quanto à reacção e eventual "aceitação" obtida junto dos trabalhadores, possa impôr medidas anti-populares e insultuosas para quem trabalha.
Porque será que a semana de 4 dias de trabalho não é uma realidade há mais tempo?
Longe vão os tempos em que os sindicatos
alemães conseguiram mobilizar os operários para imporem a jornada de 8 horas de
trabalho. Existe um abismo entre as lutas de então e a semana de trabalho de 4
dias que enfrentamos hoje.
O que a burguesia exploradora espera é que a mudança para a semana de trabalho de 4 dias (32 horas) produza um ganho de produtividade física, ou seja, o que um trabalhador produz em cada hora de trabalho. Em princípio, isto permitiria, em larga escala, que as empresas, mesmo que aumentem o que pagam por hora... obtivessem mais produção por cada hora paga aos trabalhadores.
A pergunta óbvia é porque é que ainda não aconteceu até agora? A razão é que o capital não direcciona a produção para satisfazer as necessidades humanas, mas para produzir lucros. E só vale a pena produzir mais se conseguir vender a produção. Portanto, se não houvesse uma perene escassez de mercados, o capitalismo teria continuado naquilo que era a sua tendência até às guerras mundiais. A redução do horário de trabalho de 40 para 32 horas teria acontecido há muito tempo.
Mas a dificuldade em
encontrar novos mercados está lá e, de facto, leva o capital a organizar mudanças tecnológicas e estruturais tão brutais como
o Green Deal apenas para poder sugar mais
rendimento do trabalho e ser capaz de recuperar alguma verve numa
acumulação fundamentalmente estagnada há 12 anos.
Porque é que o capital
espanhol está agora a considerar mudar-se para a semana de trabalho de 4 dias?
O capital – esteja onde
estiver implantado - está agora a entrar no grande partido do Green Deal,
período em que os grandes fluxos de capitais serão redefinidos. E tem de
competir por ele. Como Bruxelas, o FMI e outras instituições o recorda
continuamente, arrasta uma série de problemas para atrair novos investimentos
que tornam a economia menos atraente (=acumulação) em todo
o planeta.
Estes problemas
incluem a falta de crescimento da produtividade das PME que formam a maior
parte do tecido empresarial, uma tendência para salvar famílias excessivamente elevadas que reduz o crescimento do mercado e a
sua causa mais óbvia: o excesso de temporalidade e precariedade, por sua vez,
igual ao aumento da pobreza que... mais uma vez, é abordado como um
constrangimento ao crescimento da procura.
Neste contexto, a sema
de trabalho de 4 dias é uma solução. Pode até haver uma margem em que seria
lucrativo pagarem mais por hora trabalhada, mesmo que o salário total pago a
cada trabalhador baixasse. Porquê?
1. O desemprego seria
reduzido aumentando o número de consumidores.
2. Com um salário total
mais baixo, a percentagem de salários destinados ao consumo aumentaria. Juntas,
a procura do mercado cresceria.
3. Além disso, se isso
for acompanhado por aumentos no salário mínimo nacional sem aumentar os custos de despedimento, a tendência actual
que concentra cada vez mais trabalhadores em torno do salário mínimo
aceleraria, multiplicando o efeito sobre a rentabilidade. Em certas escalas,
poderia mesmo fazer com que a factura salarial total paga aos trabalhadores
fosse reduzida, apesar do aumento dos salários horários.
4. As PME e, em especial, as micro - mais dadas à flexibilidade, isto é, não a computação de horas de trabalho eficaz e não a remuneração - aumentariam rapidamente a sua rentabilidade. Desta forma, com a semana útil de quatro dias, contribuiria para a melhoria dos números gerais de produtividade da economia que utilizam os investimentos estrangeiros como indicador.
O "negócio político-ideológico" da semana de trabalho de 4 dias
A semana de trabalho de quatro dias que
nos é proposta não resultaria de uma exigência dos trabalhadores, mas sim de um
cálculo empresarial.
A implementação do dia
de trabalho de quatro dias, com uma redução do salário total
recebido e sem ser uma concessão face às lutas
dos trabalhadores é também um excelente negócio ideológico.
Já vimos como, a partir das primeiras propostas, é argumentado como algo necessário
para a reconciliação e a redução das emissões. Isto é, como algo
completamente alheio à luta de classes, que tinha sido o seu motor mesmo na
fase ascendente e progressiva do capitalismo. Seria a ligação perfeita entre
o pensamento da burguesia dominante no
espaço europeu e a sua justiça social e a nova abordagem verde, necessária para discutir e engolir os
ataques às nossas condições de habitação, consumo de energia, transportes, alimentos, etc. em nome da luta contra as alterações climáticas.
Só precisam de ter a
certeza de que os números batem certo. É nisso que estão agora. E precisamente por
isso, porque a viabilidade da semana de trabalho de quatro dias depende se pode
ser utilizada contra as nossas condições globais de vida e de trabalho, não
podemos esperar nada disso. Nós, trabalhadores, temos de lutar pela redução do
tempo de trabalho, mas nas nossas condições e pelos
nossos próprios meios.
Luis Júdice
10 de Junho de 2022
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