Em Setembro de 2017 fui pessoalmente convidado
pelo meu querido e saudoso camarada Arnaldo Matos para liderar a equipa de
candidatos concorrentes à Câmara Municipal de Lisboa e à Assembleia Municipal
de Lisboa que viriam a decorrer naquele mês. Foi com enorme alegria e honra
que, com a sua preciosa ajuda e orientação, participei activamente, primeiro na
elaboração do Manifesto Eleitoral – Lisboa: Ruptura com o passado!”- e,
depois, com a sua divulgação e defesa.
Estávamos numa época em que, apesar da luta intensa e mortal que se vivia então contra o liquidacionismo, o oportunismo, o revisionismo, no seio daquele que deveria ser o Partido Operário Revolucionário e Comunista, Arnaldo Matos, por vislumbrar uma saída vitoriosa contra aquela corrente no seio do Partido, protagonizou a sua direcção e começou a criar as condições para que a estratégia e a táctica comunistas vencessem no seu seio.
Deve-se a ele, e não à actual direcção – revisionista, neo-revisionista, burocrata, social-fascista e oportunista – a realização do I Congresso Extraordinário do PCTP/MRPP de onde, apesar de ter ocorrido a 18 e 19 de Setembro de 2020 – isto é, cerca de ano e meio após o seu falecimento que ocorreu a 22 de Fevereiro de 2019 – saiu um Plano de Acção inteiramente assente nas linhas programáticas do discurso que proferiu por ocasião do 1º de Maio Vermelho ocorrido em 2018.
Serve este intróito para contextualizar o tema que hoje me traz a vós. O tema da crescente pressão e propaganda em torno da “municipalização” da saúde. Não se pense que é um tema para o qual fomos confrontados recentemente. Nada disso! Há muito que António Costa e seus lacaios tentam convencer os operários e restantes escravos assalariados de que, no que concerne “serviços públicos” – mormente os da saúde, mas não só– a melhor solução seria a sua “municipalização”.
Para já, e com o argumento da “proximidade” com as “necessidades” das respectivas populações, defendem que se comece a implementação de tal projecto naquilo a que, pomposamente, designam por Unidades de Saúde Familiar – que mais não são do que substitutos dos Centros de Saúde, uma rede de cuidados primários que deveria ser, gradualmente, substituída pela Rede de USFs. Afirmam que tal modelo é mais avisado, mais racional !!!
Veja-se o exemplo das PPPs para a área da saúde. O tão apregoado modelo de gestão privada entrou em colapso. Não só por virtude de uma gestão assente no princípio capitalista do “just in time” – que visa afunilar ao máximo as necessidades de equipamentos, medicamentos, diagnósticos auxiliares, contratação de médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde diversos -, mas porque cria a porta de entrada para compadrios, corrupção e desvio de programas europeus – e outros – que poderiam ser aproveitados para melhorar as condições de saúde a prestar pelos hospitais.
O que agora se pretende, com as USFs, com a sua “municipalização”, é replicar um modelo de gestão que já entrou em falência no âmbito hospitalar. Quando a esmola é muita, o povo desconfia ... já dizia o velho ditado popular. Esta “racionalização” visa, isso sim, uma dispersão acelerada de recursos financeiros e logísticos e, sobretudo, a desresponsabilização do Estado parasitário que, assim, passaria a ter mais argumentos para a “solução” pela qual a burguesia há muito anseia, isto é, a privatização da saúde.
No Mandato Popular em cuja elaboração participei e que defendi com denodo, recusávamos a “municipalização” dos serviços de saúde, denunciando que a mesma serve uma estratégia de privatização progressiva desses serviços e de destruição da natureza de bem público que lhe deve estar associada, sem prejuízo de uma intervenção empenhada e activa dos órgãos da autarquia em prol da valorização permanente de tais serviços.
A chamada “municipalização” da saúde enquadra-se na criação de “empresas municipais” – cuja extinção se exigia e continua a exigir (como é o exemplo da EMEL) -, criadas tão-somente para escapar ao controle das contas públicas e para distribuir “tachos” pelas clientelas dos partidos do Poder e reorganização das estruturas administrativas, técnicas e laborais a nível camarário, em termos de ser garantida a prestação de serviços públicos de qualidade aos respectivos munícipes.
Ao mandato autárquico caberá, entre outras vertentes:
·
Empenhar-se na racionalização e melhoria da
circulação automóvel nas cidade e a restituição do espaço público aos cidadãos
que foi sendo ocupado pelo automóvel;
·
Assegurar o controlo municipal sobre a administração e fornecimento dos serviços
públicos essenciais, como a água,
o saneamento e os transportes públicos, e exigência de transferência
para os municípios das verbas necessárias ao funcionamento adequado desses
serviços e ao respectivo financiamento, numa parcela mínima calculada
a partir das necessidades de cada indivíduo e do seu agregado familiar;
·
Implementar uma nova política de transportes nas cidades,
·
Proceder à retoma da política de Municipalização dos solos urbanos (posta em causa pelo primeiro PDM proposto e aprovado durante o mandato
de Jorge Sampaio à frente da CMLisboa que introduziu o princípio
da liberalização dos solos que criou as condições para a brutal
especulação imobiliária que hoje se vive em Lisboa e noutras cidades do país
que replicaram o seu modelo de PDM), como meio de combate à especulação imobiliária, e elaboração de planos
municipais transparentes e que sirvam as populações, destinados a apoiar a
construcção, preservação, reabilitação e disponibilização de
habitações condignas a preços acessíveis;
·
Encabeçar o combate cívico e político pela imediata
revogação da terrorista lei das rendas, autêntica lei dos despejos, que já expulspu mais
de metade das populações das grandes, médias e pequenas cidades do país;
·
Apoiar prioritariamente as acções de construcção e
manutenção de equipamentos destinados às crianças, aos idosos e aos cidadãos
com deficiência;
·
Adoptar uma política de produção cultural intensa e de qualidade
digna, com apoio efectivo às orquestras e companhias de teatro e de dança,
bem como às colectividades populares;
·
Criar Regiões Especiais, com poderes que suplantem os dos municípios abrangidos individualmente
considerados, como meio indispensável à resolução, de forma integrada e eficaz,
dos problemas comuns que enfrentam as populações dessas regiões, seja na criação
e apoio às actividades económicas, nos transportes e na rede viária, no
abastecimento de água, gás e electricidade, na construcção e preservação do parque habitacional, no
saneamento, etc.;
·
Criar mecanismos políticos e institucionais que promovam e
incentivem a participação dos cidadãos na gestão e na resolução dos problemas
dos municípios e das suas freguesias e, designadamente, a realização de referendos sobre
as questões importantes da cidade.
·
E a lista poderia continuar, tantas são as responsabilidades que competem às
autarquias.
A “municipalização” da saúde – como da educação ou outros sectores que competem ao estado -, num quadro programático tão vasto, só criaria maior dispersão, desresponsabilização dos deveres que competem ao Estado e um crescimento exponencial do quadro burocrático autárquico e constituiria um ataque sem precedentes ao SNS. Mas, não só! Poria em causa toda e qualquer possibilidade de uma política de saúde moderna, integrada, assente na escala, e não dispersa por diferentes “ilhas autárquicas”, puro deleite para as clientelas partidárias, para os caciques locais, regionais e nacionais, que passariam a competir entre eles – valendo-se da influência – pela melhor fatia do orçamento de estado.
Luis Júdice
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