segunda-feira, 24 de abril de 2023

MACRONISMO E PUTINISMO : UMA COMPARAÇÃO SOCIOLÓGICA


Crónica de Emmanuel Todd

 

A validação pelo Conselho Constitucional de uma lei aprovada com o 49,3 para lixar o pacto social francês, a rejeição pelo mesmo Conselho Constitucional (Concon) de um referendo de iniciativa partilhada, abre a possibilidade de um comparativismo político internacional 2.0. Neste Concon, encontramos o inseparável Rantanplan da Quinta República, Laurent Fabius e Alain Juppé, com sete companheiros menores, incluindo dois outros enarques (antigos alunos da Escola nacional de administração – NdT) . Em suma, o Concon é apenas a chave para a dominação do povo pela alta burocracia, esta enarquia que também nos deu Giscard, Chirac, Jospin, Hollande, Macron. A França, presa na União Europeia e na NATO, gerida por estes mestres de procedimento que não compreendem a economia de mercado, a produção, a inflação, a guerra, já não é uma democracia liberal.

Esta forma política requer alternância, uma condição alcançada nos Estados Unidos, onde a pluralidade de oligarcas permite o pluralismo, mesmo que os Republicanos Trumpisados e os Democratas Clintonisados façam a América soluçar entre a abolição e a defesa do aborto, destruição e salvamento do sistema de saúde, isolamento nacional e imperialismo violento. No final, o pior é quase certo em todos os casos, mas pelo menos há debate. Em França, acabou. Os nossos votos são rituais de riso. Podemos datar o pós-democracia: 2005, com o não ao Tratado Constitucional Europeu, sobre o qual os nossos mestres se apoiam no Tratado de Lisboa. O Estado francês governa, cada vez mais, ao ponto de o seu sistema de radiodifusão ser agora interdito a qualquer opinião dissidente sobre a guerra na Ucrânia. Os dissidentes não estão certamente ameaçados de prisão, como na Rússia. Alguns jornais preservam um resquício do debate. E o que resta de riqueza permite que a pós-democracia francesa permaneça fria. Mas o nosso exército ainda não está na Ucrânia, a inflação ainda não fez passar fome aos nossos pobres e velhos. Um historiador sério deve prever no futuro que a França se tornará fascista.

O poder infinito de Putin não se esconde atrás de mudanças decorativas ao estilo francês, mesmo que Medvedev tenha substituído Putin durante uma presidência. Os partidos russos de "oposição" são, na sua maioria, emanações sinceras do Kremlin, enquanto que em França a LFI e o RN emergem da parte reprimida da sociedade francesa. Mas, após o golpe das pensões, é impossível rir mais alto da Duma do que da Assembleia Nacional, estas irmãs na impotência.

Há coisas piores. Temos de enfrentar o paradoxo que mata: aquelas sondagens de opinião que apoiam Putin e vomitam Macron. Ninguém contesta a sua validade. Não há alternância na Rússia, não há alternância em França, mas o povo russo apoia Putin e o povo francês odeia Macron.

Uma sociologia eleitoral detalhada mostra-nos as diferentes relações destes estados todo-poderosos com o sangue vital das duas nações. Vamos resumir. Em França, os velhos e a classe média alta apoiam Macron. Os pobres educados da classe alta votam no LFI e os trabalhadores manuais inclinam-se para o RN. Estas duas últimas categorias são as relegadas da representação política. Na Rússia, como revelam os sólidos estudos de Alexander Latsa, o partido Rússia Unida, que apoia Putin, depende dos russos comuns, e são as classes médias altas de Moscovo e São Petersburgo que são os dominadores do sistema. Horror! Se compararmos França e Rússia, dois sistemas políticos autoritários, ambos controlados por uma alta burocracia, o regime russo parece mais democrático (igualitário) do que o francês. Se a América é uma oligarquia pluralista e a Rússia uma autocracia igualitária, como pode a França ser descrita? Evitemos qualquer esforço de união. A nossa própria burocracia obedece a Washington e Berlim. Não existe um sistema político francês, pelo que não existe um problema terminológico.

Vou terminar com uma palavra amável para o meu país. Não creio que depois de publicar este artigo a polícia francesa venha buscar-me, ao estilo russo, para me transferir para a Santé. Mas graças à protecção de quem? Não do Conselho de Estado ou ao Concon, isso é certo. Talvez pela nossa história.

 

Fonte: 6/Marianne/20 a 26 de Abril de 2023

 

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice


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