24 de abril de 2023 Robert Bibeau Sem comentários
Por Djamal YALAOUI
(Advogado na Ordem dos Advogados de Paris e Correspondente Associado na
Ordem dos Advogados da ORAN)
"Nós, civilizações, sabemos que
somos mortais" Paul Valéry
Desde sábado, 15 de abril de 2023, um golpe de Estado está em andamento no Sudão e que resulta em combates sangrentos entre o exército, liderado pelo general Abdel Fattah Al-Burhane, e a poderosa Força de Apoio Rápido (RSF), que é uma organização paramilitar de mais de 100.000 homens, do general Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como Hemedti.
Para além da aparente competição entre dois generais que se afrontam para
liderar o Sudão (cf. A versão da grande media) por trás dessa nova guerra civil
escondem-se, à sombra como uma cobra, as manobras destrutivas dos anglo-saxões
e seus comparsas!
De facto, assistimos a
um novo
episódio da guerra híbrida mundializada entre a Rússia e a China contra o
Ocidente e que tem como recreio, mais uma vez, o continente africano que, como todos sabem, é
um ponto quente estratégico, económico e militar.
O problema sudanês é geoestrategicamente
complexo. Por isso, é útil e necessário revisitar a história: o passado ilumina
o presente e o presente é apenas um futuro que se ignora a si mesmo.
Recorde-se que a guerra no Sudão está a decorrer desde 1959. O Sudão foi um
dos sete países (com o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a Síria, o Irão e a
Argélia: os sete têm em comum o seu apoio à causa palestiniana) mencionados
pelo general Wesley Clark no seu famoso testemunho. Sete países que os neo-conservadores
americanos planearam atacar após os "atentados" de 11 de Setembro de
2001. Assim, o Sudão do Sul iniciou uma guerra de independência patrocinada
pelos Estados Unidos em detrimento de Cartum, a capital do Sudão. No decurso
desta guerra, os EUA organizaram um referendo semelhante ao organizado por
Vladimir Putin na Ucrânia em Setembro de 2022. O país foi dividido em dois em
2011 (tal como a Líbia e o Iémen) no espírito do plano YINON.
Deve-se notar que o Sudão do Sul é muito rico em
petróleo: não há coincidências ou coincidências duvidosas!
Depois de o Sudão ter reconhecido a independência do Sudão do Sul, as quatro fracções secessionistas do Sul estão em guerra entre si há anos e o cessar-fogo chegou recentemente. Foi este o cenário traçado pelos Estados Unidos, com os israelitas também envolvidos, que viram com bons olhos a chacina de um defensor da causa palestiniana !!!!
Durante a crise do covid-19 (preferimos dizer burla-19), o presidente russo negociou com o Sudão a construção de uma base militar naval em PORTO-SUDÃO, no Mar Vermelho, à semelhança da de TARTOUS, na Síria, que é um acesso directo ao Mediterrâneo para a frota russa. Paralelamente a esta aproximação entre Moscovo e Cartum, um artigo de William ENGDAHL no NEWS EASTERN OUTLOOK mencionava a presença do CENTCOM (Comando Central dos Estados Unidos) no Corno de África, o que já suscitava interrogações entre alguns especialistas em geoestratégia. Os EUA sempre consideraram esta aproximação inaceitável!
Desde o fim da guerra civil, o Sudão encontra-se numa fase de transição há mais de dois anos, uma vez que a situação estava em vias de ser "normalizada" através de um Conselho de Soberania liderado pelos dois generais que agora se combatem:
Abdel Fattah Al-Burhane, que preside a este conselho, e o seu vice-presidente e n.º 2, o general Mohamed Hamdane Daglo, conhecido por Hemedti, chefe das Forças de Apoio Rápido (FAR). As RSF deveriam ser integradas nas fileiras do exército regular ou dissolvidas no âmbito da transição para um sistema de gestão civil e não militar.
Em 13 de Fevereiro de 2023, o governo
sudanês, com os seus dois generais que agora se opõem, concluiu um acordo com
Moscovo para construir uma base naval russa em Port Sudan, que é o principal
porto sudanês no Mar Vermelho, no extremo sul do Canal do Suez. Ora, o Canal do
Suez é um lugar estratégico de grande importância: sabemos, oh, quanto! Para os anglo-saxónicos, o Canal do Suez é a
sua "reserva" ou o seu "domínio reservado": a crise de
1956, com a nacionalização do canal por Graï¿?l Abdel Nasser, quase conduziu a
uma terceira guerra mundial.
À luz destes desenvolvimentos,
podemos ver que os confrontos em curso vão muito além do Sudão e que, no final,
este golpe de Estado é tudo menos uma surpresa, excepto para os
"autoproclamados especialistas em televisões" ou "jornalistas de
prefeitura"!
De facto, a 13 de Março de 2023, surgiu um interesse singular nas redes sociais por esta região de África, porque o RSF mobilizou os seus homens e, no mesmo dia, soubemos que o general Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como Hemedti, teve uma reunião telefónica conjunta com representantes americanos, britânicos e noruegueses sobre o Corno de África e, em particular, o Sudão. Depois, algumas semanas mais tarde, ficamos a saber que, pela "maior das coincidências", há um golpe de Estado fomentado por pessoas que tiveram recentemente contactos com os anglo-americanos e os noruegueses!
Quem apoia e financia o
general Mohamed Hamdan Daglo, este tipo de "Haftar" sudanês?
Convém recordar que o General Mohamed Hamdane Daglo é originário do Darfur
e que não só "pôs fim" à rebelião nesta região, como também reprimiu
ferozmente o seu próprio grupo étnico para monopolizar as minas de ouro; ele e
os seus irmãos são imensamente ricos graças à venda de vários minerais.
Por outro lado, é importante saber que o Sudão e os seus campos de aviação
são utilizados como bases para o tráfico de algumas das armas destinadas à
Ucrânia. Os voos provenientes da Europa e dos EUA fazem uma passagem curta e
discreta pelo Sudão antes de partirem para a Bulgária para transportar armas
directamente para a Ucrânia.
Mais uma vez é um
complot dos ianques que deram a sua quitação ao chefe da RSF por uma tentativa
de golpe, que por enquanto não teve sucesso!
Esta tentativa de golpe de Estado no Sudão é claramente uma resposta directa dos anglo-saxões aos russos, que tinham obtido um acordo para a criação de uma base naval em Porto Sudão. Não se trata, portanto, apenas de um problema sudanês, mas sim de uma guerra mundializada em curso, em que os anglo-americanos voltam a empurrar os seus peões para contrariar a influência russa nesta parte de África. Assim, como de costume, o objectivo final do Ocidente é colocar no poder "líderes" que lhes sejam favoráveis e que revoguem o acordo com Moscovo.
Os Estados Unidos consideram que têm o "direito sagrado e absoluto" de instalar bases militares em todo o lado (têm várias centenas em todo o planeta, enquanto a China prefere construir as Rotas da Seda!), mas o que é permitido para eles é proibido para os "mendigos bárbaros do Terceiro Mundo".
Que deveriam fazer os chineses em relação às duas bases americanas que estão a ser construídas nas Filipinas e que têm um único objectivo: cercar a China pelo mar?
O que diriam os ocidentais se os chineses dessem um golpe de Estado nas Filipinas contra este projecto de base militar?
O planeta está a passar por uma revolução copernicana a nível geoestratégico e económico e só os ocidentais continuam a ver o mundo como se ainda fosse 1993!
Dois elementos deste
golpe de Estado apoiam o meu ponto, para o ilustrar.
O primeiro exemplo é o Egipto, irmão mais velho e vizinho do Sudão, que era vassalo dos EUA e é agora candidato a aderir à Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e ao grupo BRICS. O Egipto participa assim no processo de multipolarização do mundo. No entanto, durante os confrontos entre o exército e as RSF, o aeroporto de Merohe foi invadido pelas RSF, onde estavam estacionados os MIG-29 egípcios e os seus pilotos para participarem em manobras conjuntas com o exército sudanês. O vídeo que mostra os pilotos de caça egípcios capturados com as mãos atrás da cabeça, sob as armas pesadas dos rebeldes, é infame para o Egipto!
A mensagem enviada pelos anglo-saxões ao Egipto é um aviso claro para que este volte atrás na sua decisão de deixar a Rússia construir uma base naval.
Até ao momento em que escrevo, não houve qualquer reacção do Cairo. Mas é de questionar o que acontecerá a esta humilhação se os combates se intensificarem e os MIG-29 e os pilotos não forem devolvidos ao Egipto. O Cairo não poderá manter-se passivo durante muito tempo...
O segundo exemplo é a França, "vizinha" do Sudão com a sua base aérea no Djibuti (antiga colónia francesa que se tornou "independente" em 1977 e que acolhe também uma base militar americana e chinesa) e no Chade, onde a França está presente com um MANTA de 1984 e um EPERVIER de 1986. Macron está "enrolado como um relógio velho" desde que Wagner expulsou a França da República Centro-Africana, do Mali e do Burkina Faso. Além disso, no Níger como no Chade, a cobertura por satélite é americana para ajudar os militares franceses no terreno. Além disso, recentemente, Anthony Blinken e Kamala Harris foram a África e passaram pelo Níger... Como que por acaso!
Os EUA, o Reino Unido e
a União Europeia tornaram-se as maiores ameaças à paz mundial em geral e à paz
em África em particular.
A nossa época é uma verdadeira tragédia com os seus actos, cenas e personagens (principais-secundárias e figurantes) e estamos apenas no início desta peça em que o actor principal é a mudança de civilização.
Numerosos acontecimentos deste tipo multiplicar-se-ão ao longo do tempo em todo o mundo e confirmarão a luta feroz em curso, para não dizer existencial, que tem como objectivo limitar a influência do Novo Mundo Multipolar liderado pelas duas locomotivas do comboio da história, a Rússia e a China.
E, obviamente, não estamos no caminho do apaziguamento, especialmente depois das declarações inflamadas dos ministros dos negócios do G7 em Nagano, no Japão, em que ameaçaram abertamente a China!
A reacção chinesa não se fez esperar, como afirmou Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês:
"A reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 ignorou a posição solene da China e os factos objectivos (...)
Interferiu nos assuntos internos da China, caluniou e difamou a China (...)
Nas entrelinhas, esta declaração está cheia de arrogância, preconceito e intenção maliciosa de se opor à China e impedir o seu desenvolvimento."
A Rússia interveio via uma declaração de Dmitry Medvedev, o vice-presidente do Conselho de Segurança, que disse:
"Os ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 apelaram à Rússia para que reafirmasse a inadmissibilidade da guerra nuclear.
E essa estranha criatura, Blinken, proferiu uma jóia dizendo que a destruição de Hiroshima e Nagasaki é a prova de um sofrimento humano incomensurável. Ao mesmo tempo, não mencionou o seu país, que cometeu esse crime.
Estas são as criaturas mentirosas. Usam armas nucleares, mas não se arrependem. São constantemente hipócritas e mentem a si próprios e aos outros, mas dizem que o nosso país está a espalhar "informações falsas" sobre a Ucrânia.
Exigem que a Rússia lhes dê garantias sobre as armas nucleares, mas na verdade referem-se a um futuro conflito nuclear entre o nosso país e a NATO.
E tudo isto está a acontecer no Japão. Onde centenas de milhares de pessoas morreram devido a bombardeamentos nucleares.
Um país cujos líderes basicamente cuspiram nas campas dos seus compatriotas mortos pelos americanos.
Que vergonha!"
ORDO AD CHAOS, de todo este caos organizado pelos ocidentais, mas absolutamente não controlado por eles, sairá a nova ordem mundial democrática e, portanto, multipolar, no seio da qual os Estados serão respeitados: até agora, os Estados do Terceiro Mundo foram maltratados, martirizados, pilhados... não eram nada aos olhos dos ocidentais, vão tornar-se o TUDO do planeta face à monarquia americana e ao seu clero europeu!
O amanhã não é uma terra incógnita!
https://algerie54.dz/2023/04/20/situation-au-soudan-5/
Primeiras impressões da tragédia sudanesa
Postado por Jean-Pierre |
23 Abr
2023 | África Negra | 0 |
Revista de imprensa
Parece que ninguém poderia esperar que as divergências entre o general Abdel Fattah al-Burhane, chefe do exército sudanês e número um do Conselho Soberano de Transição, e o general Mohamed Hamdan Dogolo, conhecido por Hemedti, comandante das "Forças de Apoio Rápido" e número dois do mesmo Conselho, conduzissem a um confronto armado como o que teve início a 15 de Abril, com mais de 200 mortos e centenas de feridos.
Segundo a maioria dos analistas de língua árabe, este confronto poderia
conduzir não só a uma guerra civil total, mas também a uma segunda divisão do
Sudão e ao alastramento do caos e da instabilidade a toda a África de língua
árabe, ao Médio Oriente e mais além.
Reunimos as primeiras impressões de três personalidades eminentes que
abordaram o drama sudanês de diferentes ângulos:
· Hassan Nafaa, escritor egípcio e professor de ciências políticas na Universidade do Cairo, que faz uma retrospectiva da história do Sudão para explicar a crise.
· Hosni Mhali, cidadão turco de língua árabe, jornalista e investigador em relações internacionais, que analisa o leque de pistas que podem explicar a guerra actual.
· Nasser Kandil, antigo deputado libanês e chefe de redacção do jornal diário
Al-Binaa, que, na ausência de certezas sobre os instigadores, aponta o Cairo e
a Arábia Saudita como perdedores e a Etiópia e Israel como vencedores.
Esperemos que os Estados árabes consigam evitar a internacionalização desta
nova tragédia.
***
Primeiras
impressões da crise sudanesa, por Hassan Nafaa
Para compreender o que
se passa no Sudão, é preciso ligar a crise actual à crise mundial de que o
sistema político sudanês tem sido vítima desde a independência até hoje. Na
realidade, a crise é tridimensional:
Uma primeira dimensão está ligada ao conflito histórico entre o exército sudanês e todas as componentes da sociedade civil e dos seus partidos políticos. Com efeito, desde a independência do Sudão e a sua separação do Egipto, em 1 de Janeiro de 1956, a vida política do Sudão tem sido caracterizada por uma luta feroz entre estes dois partidos e por uma série de golpes de Estado militares que conduziram a revoluções que os derrubaram e procuraram em vão estabelecer um Estado civil permanente.
Assim, em 1958, um primeiro golpe militar liderado por Ibrahim Abboud levou-o a governar o país durante 7 anos antes de ser derrubado por uma revolução popular em 1964. Em 1968, um outro golpe foi liderado por Gaafar al-Nimeiri, que governou o país durante 16 anos antes de ser derrubado por uma revolução popular em Abril de 1985. Depois, em 1989, deu-se um terceiro golpe, liderado por Omar al-Bashir, que conseguiu governar o país durante 30 anos antes de ser derrubado por uma revolução popular que eclodiu em 2019. Mas em 2021, o exército liderado por al-Burhane e as Forças de Apoio Rápido cooperaram para impedir esta última revolução, sem que nenhuma das partes conseguisse resolver o conflito a seu favor. Por outras palavras, o exército sudanês controlou o país durante a maior parte do tempo, excepto durante alguns anos.
Uma segunda dimensão diz respeito ao conflito violento no seio das próprias instituições da sociedade civil sudanesa. Apesar da vitalidade e da grande consciência política do povo sudanês, as suas elites políticas não conseguiram chegar a acordo sobre uma fórmula de gestão do Estado e da sociedade que neutralizasse o papel do exército e construísse um Estado civil moderno. [...]
Se acrescentarmos a tudo isto o papel negativo desempenhado pelos movimentos separatistas armados, como os que já conseguiram separar o Sudão do Sul ou os que se encontram actualmente no Darfur, no Cordofão do Sul e no Nilo Azul, torna-se clara a dimensão das enormes dificuldades e obstáculos à capacidade do Sudão para estabelecer um Estado civil moderno.
Uma terceira dimensão tem a ver com a própria natureza do establishment militar sudanês e a sua tendência para interferir nos assuntos políticos. [...]
O Presidente Omar al-Bashir cometeu um erro fatal quando decidiu, em
2013, transformar as forças "Janjaweed" em Forças de Apoio Rápido e
colocá-las sob um comando independente das forças armadas. Isto deu origem a um
exército dentro de um exército que acabou por ter mais de 100 000 combatentes.
Está agora bem estabelecido que controla a maior parte das minas de ouro; o seu
líder, Dogolo, tornou-se uma das pessoas mais ricas do Sudão. [...]
Assim, a instituição militar sudanesa já não está sob uma liderança
unificada como no passado, mas é disputada por duas lideranças, cada uma
tentando conquistar uma facção civil para o seu lado. Por exemplo, Dogolo acusa
o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, Al-Burhane, de pertencer à corrente
política islamista que tenta reproduzir o regime de Omar al-Bashir, enquanto
ele próprio é um produto do regime de al-Bashir que o nomeou Comandante das
Forças de Apoio Rápido.
Por conseguinte, podemos dizer que, a nível local, as ambições pessoais
desempenham um papel importante na actual crise, o que faz com que esta se
assemelhe mais a uma luta pelo poder entre duas alas militares do que a uma
luta política entre duas agendas, com cada um dos dois generais a procurar
obter o controlo do exército para ganhar poder e perpetuar o governo militar.
A
nível regional, Israel conseguiu concluir em Outubro de 2020 um
acordo de normalização das relações com o Sudão, um acordo assinado por
Al-Burhane. E embora a activação deste acordo exija a ratificação do parlamento
sudanês, que ainda não foi formado, os contactos entre Israel e as duas alas do
governo militar estão a correr bem, como prova a recente declaração de
Netanyahu oferecendo-se para mediar entre as partes em conflito.
E é evidente que o Primeiro-Ministro etíope, que já mediou entre as diferentes partes, tem relações profundas com os intervenientes na actual crise. Por conseguinte, não é improvável que ele tente interferir em nome de interesses e objectivos específicos da Etiópia.
Além disso, Dogolo e Al-Burhane mantêm relações estreitas com a Arábia
Saudita e os Emirados Árabes Unidos, que têm grandes interesses económicos no
Sudão; unidades do exército sudanês e das Forças de Apoio Rápido participaram
na sua guerra contra o Iémen. E o Guardian publicou recentemente uma reportagem
sobre a existência de uma relação privilegiada entre o Dogolo e os EAU, que
compram a maior parte da produção de ouro das minas sudanesas que controlam.
Se acrescentarmos a
isto que a instabilidade no Sudão afecta directamente a segurança nacional do Egipto,
compreendemos que o que está a acontecer no nosso país vizinho constitui uma
crise regional em todos os sentidos da palavra.
Quanto ao nível mundial, a explosão de um conflito armado de tal magnitude num país tão estratégico e cobiçado como o Sudão constitui uma ameaça aos interesses de todos e pode afectar o equilíbrio internacional. Isto explica o grande interesse demonstrado pelos Estados Unidos, a Rússia, a China e a União Europeia, todos eles presentes de uma forma ou de outra na cena sudanesa, cada um tentando orientar a crise na direcção dos seus interesses.
Por conseguinte, o mundo árabe tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para encontrar uma solução para esta crise e trabalhar de todas as formas possíveis para impedir a sua internacionalização, caso contrário teria muito a perder. A questão é: será que consegue?
Fonte: انطباعات أوليّة عن الأزمة السودانية]
***
Sudão /
História, calendário e pistas para a guerra em curso; por Hosni Mhali
Dias após a visita surpresa de Omar al-Bashir a Damasco, em 16 de Dezembro
de 2018, o primeiro presidente árabe a visitar a Síria desde o início dos
acontecimentos em Março de 2011, começaram os protestos em muitas cidades
sudanesas e culminaram no golpe militar que o derrubou em 11 de Abril de 2019,
quatro meses após o seu encontro com o Presidente Bashar al-Assad. [...]
Todos se lembram de como Washington e as capitais ocidentais cancelaram as
sanções impostas ao Sudão e o retiraram da lista de países que apoiam o
terrorismo, de modo que a normalização com Israel se tornou o elo mais
importante da conspiração militar, não só contra o povo sudanês, mas também
contra o mundo árabe em geral.
Todos se lembram também do apoio sudanês à agressão saudita-emiradense ao
Iémen e de algumas informações que revelaram, durante mais de um ano, a
estreita cooperação entre Cartum e Telavive nos domínios militar e dos serviços
secretos. Isto é explorado pela entidade sionista nos seus planos para a África
árabe e para a África em geral.
A relação das instituições militares e dos serviços secretos sudaneses com Telavive, juntamente com outras informações sobre o apoio dos Emirados a Dogolo e o apoio saudita a Al-Burhane, indicam que o momento dos recentes acontecimentos no Sudão está ligado aos recentes desenvolvimentos na região. Os mais importantes são a reconciliação entre a Arábia Saudita e o Irão sob os auspícios da China, com o apoio da Rússia, bem como a abertura dos países árabes a Damasco, uma abertura contra a qual Telavive procura obstruir, tal como o Qatar, o aliado estratégico do Presidente Erdogan, se não tivermos em conta outros países árabes, incluindo Marrocos, um aliado tradicional de Telavive.
É também necessário recordar o grande interesse que o Presidente Erdogan
tem em Al-Burhane, que foi recebido em Ancara em duas ocasiões, apesar de este
último ter derrubado o seu amigo Al-Bashir, esquecendo que moveu o céu e a
terra contra o Presidente egípcio, Abdel Fattah Al-Sisi, que derrubou o seu
outro amigo Mohammad Morsi.
Muitos esperam que a explosão da situação no Sudão bloqueie as repercussões
positivas da reconciliação saudita-iraniana na Síria, no Iraque, no Líbano e no
Iémen. Isso serviria a certas partes, incluindo os Estados Unidos e a França,
que não escondem o seu desagrado com o envolvimento da China e da Rússia em
África. Tal como não escondem a sua preocupação com os recentes papéis
combinados destas duas potências no Médio Oriente. Isto levou o Presidente
Macron a visitar subitamente Pequim para discutir todos estes desenvolvimentos,
a fim de garantir os interesses franceses na China e no seu ambiente.
Além disso, a súbita
visita do Secretário de Estado americano Anthony Blinken ao Sudão, e o seu
encontro com Dogolo e Al-Burhane, provam a importância que Washington e os seus
aliados atribuem à situação estratégica do Sudão. [...]
A intervenção americana e a ingerência israelita no Sudão, directa ou indirectamente, não serão a única arma utilizada para impedir a via do desanuviamento no Médio Oriente. O Egipto, que apoia a reconciliação saudita-iraniana, está ameaçado, tal como a Líbia, que vive um conflito político-militar entre o Egipto, apoiado pelos Emirados Árabes Unidos e pela Arábia Saudita, e a Turquia, apoiada pelo Qatar.
Por outras palavras, as capitais ocidentais e os seus aliados regionais estão a revezar-se para impedir qualquer progresso no sentido da segurança, da estabilidade e da paz na região. Veja-se os esforços de Israel para opor o Azerbaijão ao Irão por razões étnicas e sectárias. É sabido que Telavive tem beneficiado muito da sua relação com Baku, incluindo bases militares e de informação em terras azeris perto da fronteira com o Irão, com o objectivo de incitar a minoria azeri à revolta. Baku também cobre as necessidades de petróleo de Israel através do oleoduto azerbaijanês que atravessa a Turquia.
A Turquia, que Israel quer ver envolvida em qualquer tensão entre o Irão e o Azerbaijão, acolhe igualmente bases militares turcas estabelecidas durante e após a guerra de Karabakh; Telavive e Ancara apoiaram o Azerbaijão contra a Arménia. E já não é segredo que a Turquia tem ambições nacionais e estratégicas na região do Cáucaso, perto do Mar Negro; uma região que considera ser a sua porta de entrada para a Ásia Central, onde as repúblicas islâmicas de origem turca continuam a ser consideradas pela Rússia como o seu quintal.
Em todo o caso, e quaisquer que sejam as consequências dos acontecimentos no Sudão, todos sabem que os inimigos da região só respirarão de alívio após a destruição de todos os países que a compõem no interesse da entidade sionista. Por isso, foram, são e continuarão a ser contra os povos da região que esperam que a reconciliação irano-saudita atinja os seus objectivos.
Fonte: أحداث السودان.. التاريخ والتوقيت والدلالات]
***
Sudão e o
Buraco Negro Árabe, por Nasser Kandil
Todos os países árabes
são acusados pelos Estados Unidos de não respeitarem as normas democráticas,
com excepção do Sudão. Este é o consenso de milhares de instituições e
associações de defesa dos direitos humanos em todo o mundo desde a destituição
do antigo presidente Omar al-Bashir, que terá colocado o Sudão numa via
democrática promissora. O mesmo não acontece com nenhum outro país árabe, seja
ele amigo do Ocidente ou aliado de Washington.
No entanto, é paradoxal que as forças que conduzem esta "promissora via democrática" persistam em recusar a realização de eleições, nas quais o povo escolheria os seus representantes nas instituições governamentais, e exijam manter as rédeas do poder sob a forma de um "governo civil" [tal como anunciado pelo general Al-Burhane em Julho de 2022, durante as manifestações que mobilizaram centenas de sudaneses exigindo o fim do regime militar e da sua repressão].
Um governo civil sem eleições? Será que as eleições iriam contrariar os objectivos da revolução de Dezembro de 2018 contra Omar al-Bashir? Foi isso que desencadeou a guerra que está actualmente a destruir o Sudão e que, segundo os especialistas, poderia ter sido evitada se a alternativa fosse "um governo eleito"; uma oportunidade que foi perdida durante mais de quatro anos.
Uma guerra em que se batem os defensores da normalização pró-EUA e sionista, e que tende a transformar a terra fértil dos árabes que alimenta o seu celeiro e os nutre num buraco negro para a sua segurança nacional.
Um buraco negro que ameaça a Arábia Saudita e a estabilidade de que necessita do outro lado do Mar Vermelho, à medida que se aproxima de uma resolução da guerra no Iémen para a garantir.
Um buraco negro que também atinge o Egipto no seu sul natural e que abala os alicerces da sua segurança hídrica em relação à Etiópia com a retirada do Sudão da equação.
No entanto, muitos se interrogavam sobre a situação no mundo árabe após o fim da guerra no Iémen. Outros perguntaram-se como é que Washington iria reagir à nova posição saudita e que pressão poderia exercer sobre o Cairo. Mais importantes são as questões de como pode haver democracia sem eleições e quem inventou a ideia de "governo civil" como alternativa ao governo eleito?
A resposta é: a normalização com a entidade sionista explica e justifica tudo.
Estamos à espera que as forças vivas do Sudão sejam realmente apoiadas pelo Cairo e por Riade, para que possam libertar-se das garras dos monstros locais, bem como das garras do monstro internacional e regional.
Fonte:http://www.topnews-nasserkandil.com/final/Full_Article.php?id=12946
Em conclusão, podemos dizer
"procurem o erro" nesta caricatura do famoso Latuff, mesmo admitindo
que os Emirados Árabes Unidos são o principal apoiante de Dogolo, sendo o
Egipto o principal apoiante do exército sudanês?
Resenha de imprensa e tradução por Mouna
Alno-Nakhal
19/04/2023
Fonte: Mouna Alno-Nakhal
Fonte
secundária: Primeiras
Impressões da Tragédia Sudanesa – Solidariedade com a Palestina
(palestine-solidarite.fr)
A guerra por procuração no Sudão
Postado por Jean-Pierre |
23 Abr
2023 | África Negra | 0 |
Dagalo,
à esquerda, e Al Burhan
Por Abdel Bari Atwan
Abdel
Bari Atwan, Rai Al Youm, 18/4/2023
Traduzido
por Fausto Giudice, Tlaxcala
Uma nova
calamidade fabricada pelos EUA e Israel com a cumplicidade dos regimes árabes
Enquanto a guerra no Iémen termina ou começa a terminar, uma nova guerra
está a ser travada no Sudão. Estes dois conflitos, que se desenrolam de um lado
e de outro do Mar Vermelho, têm em comum o facto de serem, em grande parte,
guerras por procuração, em que a intervenção externa (nomeadamente das
petro-monarquias do Golfo) desempenha um papel importante.
Foi à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos que o secretário de
Estado norte-americano Anthony Blinken se dirigiu para os exortar a redobrar os
esforços para restabelecer a calma e pôr fim à guerra que rebentou no sábado
entre os dois grandes aliados: O general Abdelfattah Al Burhan e o seu adjunto,
o general Mohamed Hamdan Dagalo (também conhecido por Hemedti, "Little
Mohamed"). Este último atingiu a sua alta patente sem ter frequentado
qualquer academia militar ou civil, mas graças à sua liderança das Forças de
Apoio Rápido (RSF, milícias), com 100 mil efectivos - famosas pelos assassínios
e pela repressão (no Darfur) - e à aquisição de grandes quantidades de ouro
roubado.
Tjeerd Royaards
Vários indícios puseram em evidência as alianças dos partidos que lutam
pelo poder no Sudão e a identidade dos seus apoiantes externos.
Em primeiro lugar, o ataque do RSF ao pessoal egípcio estacionado na base militar de Merowe, muitos dos quais foram capturados, implica que o Egipto é acusado de apoiar Burhan e o exército regular que ele comanda.
Em segundo lugar, as estreitas ligações entre a Hemedti, que controla o
comércio e as minas de ouro do Sudão, e o Grupo Wagner russo. Os EUA
pressionaram Burhan a expulsar o grupo, alegando que este é parceiro na
extracção e venda deste ouro e que utiliza os lucros para financiar a guerra da
Rússia na Ucrânia, lidera a influência russa em África e está a preparar o
caminho para uma base militar russa no Sudão.
Rumo aos Emirados - Omar Dafalla
Em terceiro lugar, os Emirados Árabes Unidos tornaram-se o maior investidor
externo no Sudão. Há alguns dias, compraram 1,5 mil milhões de dólares em ouro
sudanês, que Hemedti controla, bem como milhões de hectares de terras
agrícolas. As duas partes são claramente muito próximas. O RSF de Hemedti lutou
ao lado dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita na guerra do Iémen,
enviando para lá milhares de combatentes.
Em quarto lugar, a posição saudita continua pouco clara e vacila entre os
dois lados. A complicar a situação está o facto de os laços da Arábia Saudita
serem tensos com o Egipto e os Emirados Árabes Unidos, que são os principais
apoiantes dos dois campos rivais. Os EAU enviaram um conselheiro presidencial,
e não o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, à recente conferência
ministerial de Jeddah sobre a Síria, convocada pelo príncipe herdeiro saudita
Mohamed Ben Salman. As relações com o Egipto também não estão no seu melhor. O
Presidente Abdelfattah Al Sissi não conseguiu, durante a sua breve visita a
Jeddah no Ramadão, obter o rápido pacote de ajuda financeira que procurava.
Numa demonstração de neutralidade, a Arábia Saudita instou Hemedti e Burhan a
encontrarem-se em Riade para negociar o fim da guerra.
Hemedti (a serpente) face a Burhan com o seu projecto "Damj" (a fusão das RSF no exército oficial) -Omar Dafalla
No papel, o exército regular sudanês ocupa o 75º lugar no mundo, com
205.000 homens, 191 aviões de guerra (envelhecidos) e 170 tanques. Em teoria,
isto significa que está em vantagem e que tem mais hipóteses de derrotar as
forças rebeldes de Hemedti. Mas isso está longe de ser certo, dada a crescente
intervenção externa.
Esta guerra só pode terminar se um dos lados derrotar e esmagar o outro, e
não através de mediação ou de apelos eloquentes a um fim imediato. Tudo indica
que poderá prolongar-se e transformar-se numa guerra civil ou inter-regional
que conduziria à anarquia armada no país.
Se a guerra do Iémen, que deveria ter sido resolvida em três meses, durou
oito anos, e a guerra civil libanesa quinze anos, quanto tempo poderia durar
uma guerra civil sudanesa, se viesse a eclodir?
Seria uma perspectiva terrível. Os combates já fizeram 200 mortos e
centenas de feridos, muitos dos quais civis. É de esperar que se chegue
rapidamente a um cessar-fogo*. Mas a preocupação e o pessimismo são justificados
pela interferência dos actores externos que ajudaram a iniciar esta guerra e
que continuam a deitar achas para a fogueira, bem como pelo agravamento das
disputas entre eles.
O único aspecto positivo dos relatos contraditórios sobre o desenrolar da
guerra é o facto de o bom povo sudanês não apoiar nenhum dos lados. Considera
ambos os lados responsáveis pelo colapso económico, pela insegurança, pela fome
crescente (um terço dos sudaneses está abaixo do limiar da fome, segundo o
Programa Alimentar Mundial) e, sobretudo, pelo fracasso do acordo de
transferência de poder para os grupos civis que lideraram a revolução contra o
regime militar e os seus golpes de Estado em série.
O Sudão é vítima de uma grande maquinação que pode levar a qualquer
resultado, incluindo a partição ou a guerra civil. O establishment militar é,
sem dúvida, o principal responsável por esta calamidade. As lutas de poder
entre generais e comandantes são motivadas por razões puramente egoístas, sem
levar em conta a unidade territorial do país ou os interesses e o bem-estar de
sua população.
A "tatbia" (normalização das relações com Israel) – Omar Dafalla
Este é o resultado da normalização e da grande fraude americana que
prometeu ao povo sudanês prosperidade e generosidade se Burhan apertasse a mão
de Benjamin Netanyahu e Hemedti se curvasse a Tel Aviv e considerasse Israel
como um Estado amigável que resolverá todos os problemas do Sudão.
Em suma, estamos a assistir a uma nova grande catástrofe inventada pelos
EUA e Israel com a cumplicidade, voluntária ou não intencional, dos regimes
árabes.
Ndt
* Um cessar-fogo humanitário de 24 horas
de 19 a 20 de Abril, acordado sob os auspícios do Mecanismo Triplo
(ONU-AU-IGAD) durou apenas algumas horas. António Guterres acaba de apelar às
partes em conflito para um cessar-fogo de 3 dias por ocasião do Eid al-Fitr.
Fonte: TLAXCALA
https://tlaxcala-int.blogspot.com/...
O que está a acontecer no Sudão do Norte? As minhas
suposições
por Franklin Nyamsi
Alguns dos nossos leitores criticaram-nos por não falarmos sobre o que está a acontecer no Sudão. Em vez de nos limitarmos a enumerar o número diário de mortos, que nos parece pouco interessante, esperámos por uma análise mais séria, baseada numa visão mais alargada da situação. No vídeo que se segue, o Professor Franklin Nyamsi dá-nos uma imagem clara do que está a acontecer no Sudão, que vai muito além das histórias estereotipadas que nos são transmitidas pelos meios de comunicação social, que tentam fazer-nos crer que se trata apenas de rivalidades entre facções pelo poder.
Fonte: RI
fonte: África da Liberdade
Fonte: Soudan: nouvelle victime de la guerre mondialisée par proxit (Dossier) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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