24 de Outubro de 2023 Robert Bibeau
Tareq S. Hajjaj é o correspondente do Mondoweiss em Gaza. É membro da União dos Escritores Palestinianos. Estudou literatura inglesa na Universidade Al-Azhar, em Gaza. Começou a sua carreira no jornalismo em 2015 como editor e tradutor do jornal local Dounia al-Watan. Trabalhou também para Elbadi, Middle Eat Eye e Al Monitor. Siga-o no Twitter em @Tareqshajjaj
Este poderia ser o meu último relatório de Gaza
.Tareq S. Hajjaj, 15 de Outubro de 2023. Sempre que saio para o campo para trabalhar, tenho a consciência de que estou a dirigir-me directamente para a minha própria sepultura. Deslizo de esquina em esquina, andando com tanto cuidado que é como se fosse uma ameaça mortal para alguém. Não sou um lutador. Nunca peguei numa arma ou entrei em combate. Não me considero uma ameaça para Israel ou qualquer outra pessoa: sou apenas um escritor que conta as histórias das pessoas. Mas estou enganado.
Do ponto de vista de uma potência ocupante, posso ser mais perigoso para Israel do que um combatente.
Os combatentes podem morrer e o seu percurso termina, mas se eu morrer como escritor, os meus escritos podem sobreviver para sempre. O seu objectivo é contar a história do meu povo. O poder da ocupação vem da sua capacidade de esconder a história. O nosso papel é defendê-la e mantê-la, preservar a verdade sobre o nosso povo que foi sistematicamente massacrado pelos seus ocupantes, cuja nação foi apagada porque o colonizador queria ficar com a nossa terra.
Nos primeiros dias do ataque, saí para o terreno para fazer reportagens. Os sítios onde fui eram sempre os mais seguros de Gaza, como o hospital al-Shifa, na cidade de Gaza. Nunca pensei que os hospitais fossem o alvo das máquinas de guerra israelitas. Mas aqui estamos nós, e Israel provou que não vai parar por nada em Gaza.
Fui a um pequeno café ao lado do hospital, onde um grupo de jornalistas estava estacionado, porque ainda havia electricidade e acesso à Internet. Cada segundo que passava fazia-nos sentir que estávamos a viver num tempo emprestado. Sabíamos que Israel queria isolar Gaza do mundo e que mataria aqueles que quisessem mostrar ao mundo o sofrimento da população e revelar os crimes israelitas.
Trabalhamos com medo da morte. Sabemos que somos alvos de Israel. Mas cumprimos o nosso dever.
Uso o meu casaco com a palavra "PRESS" gravada como um escudo e cubro a cabeça com um capacete azul, pensando que isso me vai proteger, que serei reconhecido como jornalista e poupado aos mísseis israelitas. Mas não me vai proteger. Os meus colegas estão a ser mortos todos os dias. Os ataques aéreos israelitas mataram dez deles na semana passada, e dezenas ficaram gravemente feridos.
De cada vez que recebo as notícias, estas atingem-me com muita força, como se fosse a primeira vez. Cada vez que dou um passo, parece que é o último. Continuo a rezar, pedindo a Deus a sua protecção, não só para mim, mas também para o meu filho de 9 meses, para que não cresça sem pai. Aceito o meu próprio sofrimento, mas não suporto vê-lo sofrer.
Quando me preparo para sair de casa e visto o colete da PRESS, para a minha família é como se fosse um alvo em movimento. Tentam impedir-me de sair. A minha mulher traz-me o meu filho. Eu sei o que ela está a fazer; ela quer que eu volte atrás na minha decisão e fique em casa com eles. Mas eu despeço-me e vou-me embora antes de me ir abaixo e chorar à frente deles. Eles precisam de mim para serem fortes.
Para todos nós, este não é o adeus habitual que partilhamos antes de eu partir. Pode ser o último adeus, a última vez que os abraço.
Mas esse não é o único desafio que enfrento actualmente no meu trabalho como jornalista em Gaza. A morte segue-me como uma sombra, e a dificuldade é manter a compostura perante todas as cenas de cortar a respiração que vejo todos os dias, manter os olhos secos enquanto ouço as histórias dos sobreviventes.
Mesmo aqueles que não foram mortos não sobreviveram de facto. Como poderiam, se todas as suas famílias foram mortas ou estão ainda enterradas sob os escombros?
Neste momento, em Gaza, ninguém está a garantir a sua segurança ficando em
casa, enquanto aqueles que saem para o terreno para fazer o seu trabalho tomam
as suas vidas nas mãos e seguem em frente. E para pessoas como eu, já não
importa se somos mortos. Somos escolhidos para sermos os mensageiros do
sofrimento do nosso povo.
O que me motiva é saber que a minha voz é ouvida e também o apoio
inabalável da minha equipa. Mesmo quando não consigo escrever e só posso falar
ao telefone, os meus colegas do Mondoweiss traduzem os meus pensamentos em
histórias. É graças a eles que a minha voz é ouvida.
Hoje estou a falar-vos das vítimas. Amanhã, posso ser eu a vítima. Não sei
se vou conseguir escrever outra história nos próximos dias. Não sei se
sobreviverei. Israel decidiu, juntamente com os Estados Unidos e os países
europeus, arrasar toda a Faixa de Gaza. Tencionam voltar a fazer de nós
refugiados, e agora estão a pressionar o Egipto para nos acolher. Mas a maioria
dos habitantes de Gaza decidiu ficar nas suas casas, mesmo que isso signifique
a sua exterminação.
A minha mensagem para todos os que estão a ler isto é que os países mais
poderosos do mundo estão a matar civis em Gaza. Não acreditem neles quando
falam de direitos humanos e de humanidade. Eles não têm humanidade. Durante os
últimos 17 anos, implorámos-lhes que levantassem o cerco. Eles nunca nos
ouviram. Agora estão a correr para nos matar.
Mantenham as minhas histórias vivas para me manterem vivo. Lembrem-se que
eu queria uma vida normal, uma casa pequena cheia do riso dos meus filhos e dos
aromas dos cozinhados da minha mulher. Lembrem-se que o mundo que se dizia
salvador da humanidade participou na morte de um sonho tão pequeno.
Lembrem-se de mim, enquanto me preparo para deixar este mundo à força, e
juntar-me a um mundo melhor - um mundo onde os Estados Unidos e Israel não
existem.
Tareq S. Hajjaj, 15 de Outubro de
2023
Artigo
original em inglês em Mondoweiss / Tradução
Chris e Dine
Autor: Tareq S. Hajjaj
Fonte: «Ceci pourrait être mon dernier reportage de Gaza» – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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