quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A hipocrisia do Ocidente em relação à revolta de Gaza dá vómitos (Cook)

 


 11 Outubro 2023  Robert Bibeau  

Por Jonathan Cook, em https://reseauinternational.net/lhypocrisie-de-loccident-sur-le-soulevement-de-gaza-est-a-vomir/

Quando forem bombardeados por Israel, os palestinianos sitiados na Faixa de Gaza não receberão mais simpatia do Ocidente do que em ocasiões anteriores. A frase "retaliação israelita" será mais uma vez utilizada para justificar o seu imenso sofrimento.

A actual manifestação de simpatia por Israel deveria causar arrepios a qualquer pessoa com coração.

Não porque não seja horrível ver civis israelitas a morrer e a sofrer em tão grande número. Mas porque os civis palestinianos de Gaza têm sido regularmente sujeitos, durante décadas, a agressões israelitas que lhes causam um sofrimento muito maior, sem nunca suscitarem uma fracção da preocupação actualmente expressa pelos políticos ocidentais ou pela opinião pública.


É impressionante a hipocrisia do Ocidente face aos combatentes palestinianos que matam e ferem centenas de israelitas e mantêm dezenas de outros reféns em comunidades à volta e dentro da Faixa de Gaza sitiada.

É a primeira vez que palestinianos presos no enclave costeiro de Gaza conseguem lançar um ataque em Israel a uma escala que reflecte vagamente a selvajaria que regularmente se abateu sobre eles desde que foram enjaulados há mais de 15 anos, quando Israel iniciou o seu bloqueio terrestre, marítimo e aéreo em 2007.

Os meios de comunicação ocidentais classificam como "sem precedentes" a forma como os palestinianos em Gaza se conseguiram escapar da sua prisão ao ar livre e a passar ao ataque, bem como o mais abismal fracasso dos serviços secretos de Israel desde a Guerra do Yom Kippur, quando também foi apanhado desprevenido há exactamente 50 anos.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, acusou o Hamas, que teoricamente gere a prisão ao ar livre de Gaza, de desencadear "uma guerra cruel e diabólica". Mas a verdade é que os palestinianos não "começaram" nada. Eles conseguiram, depois de décadas de luta, encontrar uma maneira de causar algum dano ao seu carrasco.

Inevitavelmente, para os palestinianos, como também observou Netanyahu, "o preço a pagar será pesado", especialmente para os civis. Israel infligirá a mais severa punição aos prisioneiros pela sua impudência.

Verão quão pouca compaixão e interesse o Ocidente demonstrará aos muitos homens, mulheres e crianças palestinianos que Israel continuará a assassinar. O seu imenso sofrimento será obscurecido e justificado pela expressão "retaliação israelita".

As verdadeiras lições

Toda a análise actual que se concentra nos "erros" da inteligência israelita desvia a atenção da verdadeira lição a ser aprendida com esses eventos em rápida evolução.

Ninguém se importava verdadeiramente com os palestinianos em Gaza que estavam sob o bloqueio israelita que os privava de bens de primeira necessidade. As poucas dezenas de israelitas mantidos reféns pelos combatentes do Hamas empalidecem em comparação com os dois milhões de palestinianos mantidos reféns por Israel numa prisão ao ar livre há quase duas décadas.

Quem se preocupou quando se soube que os palestinianos em Gaza estavam a ser sujeitos a uma "dieta de fome" por parte de Israel, que permitia apenas a entrada de uma pequena quantidade de alimentos, apenas o suficiente para que a população não passasse fome?


Quem se importou com o facto de Israel bombardear o enclave costeiro a cada dois ou três anos, matando centenas de civis palestinianos de cada vez? Israel chama a isso "aparar o relvado". A destruição de grandes áreas de Gaza, a fim de devolver o enclave à Idade da Pedra, como se gabavam os generais israelitas, tornou-se uma estratégia oficial conhecida como a "Doutrina Dahiya".

Quem ficou alarmado quando franco-atiradores israelitas atiraram bombas contra enfermeiros, jovens e utilizadores de cadeiras de rodas que vieram protestar contra o cerco israelita? Vários milhares de pessoas tiveram de ser amputadas porque estes franco-atiradores receberam ordens para atirar nas pernas ou nos tornozelos dos manifestantes.

A preocupação ocidental com a morte de civis israelitas às mãos de combatentes palestinianos é reconfortante. Não morreram centenas de crianças palestinianas nos últimos 15 anos nas repetidas campanhas de bombardeamento de Israel em Gaza? As suas vidas não importam tanto como as dos israelitas – e se não, porquê?

Depois de tanta indiferença durante tanto tempo, é difícil suportar ver o horror alastrar-se subitamente aos governos e meios de comunicação ocidentais, porque os palestinianos encontraram finalmente uma forma – semelhante às políticas desumanas a que Israel os tem vindo a sujeitar há décadas – de reagir eficazmente.

As máscaras estão a cair e toda a gente vê que o que está a tentar fazer-se passar por preocupações morais nas capitais ocidentais é, na verdade, puro racismo.

A hipocrisia personificada

Volodymr Zelensky, o presidente ucraniano, personifica essa hipocrisia. No fim de semana passado, ele publicou um longo tuíte condenando os palestinos que chamou de "terroristas" e oferecendo a Israel o seu apoio inabalável.

Afirmou que "o direito de Israel a defender-se é indiscutível", acrescentando: "O mundo deve estar unido e solidário para que o terrorismo não consiga subjugar ou suprimir a vida em qualquer lugar e a qualquer momento".

Tal inversão da realidade deixa a pessoa sem palavras. Os palestinianos não podem "subjugar a vida" em Israel. Eles não têm esse poder, embora alguns tenham conseguido escapar da sua jaula por um curto período de tempo. É Israel que subjuga a vida dos palestinianos há décadas.


Parece que nem todas as formas de "terrorismo" são iguais aos olhos de Zelensky ou dos seus patronos nas capitais ocidentais. Certamente não o terrorismo de Estado de Israel, que fez da vida palestiniana uma provação durante décadas.

Porque é que Israel tem o "direito inquestionável" de se "defender" contra os palestinianos cujo território ocupa e controla? Porque é que a Rússia não tem o mesmo direito de se "defender" quando ataca cidades ucranianas em "retaliação" por ataques ucranianos que visam libertar o seu território da ocupação russa? Israel, de longe a parte beligerante mais forte, está a devastar Gaza "em retaliação", como diz a BBC, pelo mais recente ataque palestiniano.

Como é que Zelensky ou os seus ministros condenarão Moscovo quando este dispara mísseis "em retaliação" pelos ataques da Ucrânia em território russo? Se a resistência palestiniana à ocupação israelita de Gaza é terrorismo, como afirma Zelensky, então a resistência ucraniana à ocupação russa não é também terrorismo?

Não há para onde fugir

Israel está tão habituado a ser protegido pelos seus aliados que se permite proferir mentiras cada vez maiores. No fim de semana passado, Netanyahu disse aos palestinianos em Gaza para "saírem imediatamente" porque as forças israelitas se preparavam para "agir com toda a força necessária".

Mas Netanyahu sabe, tal como os seus cúmplices ocidentais, que o povo de Gaza não tem para onde fugir. Não há onde se esconder. Os palestinianos estão encurralados em Gaza e Israel está a sitiá-los por terra, mar e ar.

Os únicos palestinianos capazes de "sair de Gaza" são as facções armadas que escaparam da prisão onde Israel guarda a chave e que são acusadas de serem "terroristas" por políticos e meios de comunicação ocidentais. Os governos ocidentais tão horrorizados com o ataque palestino a Israel são os mesmos que permanecem em silêncio quando Israel corta electricidade, água e comida à prisão que é Gaza, novamente sob a sua chamada "retaliação".

A punição colectiva dos dois milhões (2.300.000) palestinianos no enclave de Gaza, que dependem de Israel para obter electricidade porque Israel os rodeia e controla todos os aspectos das suas vidas, é um crime de guerra.

Estranhamente, as autoridades ocidentais entendem que é um crime de guerra quando a Rússia bombardeia centrais eléctricas na Ucrânia e, assim, corta electricidade. Eles clamam para que o presidente russo, Vladimir Putin, seja levado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia. Então, por que razão não conseguem ver que Israel está a fazer exactamente a mesma coisa em Gaza?

Uma fuga ousada

Há duas lições imediatas e opostas a retirar do que aconteceu em Gaza.

A primeira é que a mente humana não pode ser enjaulada indefinidamente. Os palestinianos em Gaza nunca deixaram de imaginar novas formas de se libertarem das suas correntes.

Eles construíram uma rede de túneis, a maioria dos quais foram vistos e destruídos por Israel. Eles dispararam foguetes que eram invariavelmente abatidos por sistemas de interceptação cada vez mais sofisticados. Eles protestaram em massa contra as cercas fortemente fortificadas, cobertas com postes, com as quais Israel os cercava, antes de serem abatidos por franco-atiradores.

Hoje, eles encenaram uma fuga ousada. Israel sujeitará o enclave a bombardeamentos maciços, apenas "em retaliação", é claro. Isto não diminuirá a sede de liberdade e dignidade dos palestinianos.

Outra forma de resistência, sem dúvida ainda mais brutal, surgirá. E os principais culpados por esta violência serão Israel e o Ocidente, que tão generosamente apoia o Estado judeu, porque Israel se recusa a parar de martirizar os palestinianos que obriga a viver sob a sua bota.

A segunda lição é que o apoio indulgente de Israel por parte dos seus patronos ocidentais não o leva a acordar para a verdade fundamental acima mencionada. A retórica do seu actual governo, composto por fascistas e supremacistas judeus, é, sem dúvida, particularmente detestável, mas existe, em todo o caso, um amplo consenso entre os israelitas de todas as convicções políticas de que a opressão dos palestinianos não deve ser travada.

É por isso que a chamada oposição não hesitará em apoiar o bombardeamento militar do enclave sitiado de Gaza e em matar ainda mais civis palestinianos para lhes "ensinar uma lição", sendo a lição de que os palestinianos devem aceitar, de uma vez por todas, ser tratados como inferiores e viver na prisão.

Os "bons israelitas" - os líderes da oposição Yair Lapid e Benny Gantz - já estão em conversações com Netanyahu para se juntarem a ele num "governo de unidade de emergência".

Que "urgência"? A urgência de lidar com os palestinianos que exigem o direito de não viver como prisioneiros na sua própria pátria.


Os israelitas e o Ocidente podem continuar as suas acrobacias mentais para justificar a opressão dos palestinianos e negar-lhes qualquer direito à resistência. Mas a sua hipocrisia e duplicidade não passam despercebidas ao resto do mundo.

fonte: Middle East Eye

Tradução Crônica da Palestina – Dominique Muselet

 

Fonte: L’hypocrisie de l’Occident sur le soulèvement de Gaza est à vomir (Cook) – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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