14 de Dezembro de
2023 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
Desde há vários meses, os jovens desordeiros em França têm dado muito trabalho à polícia e ao regime de Macron. Os meios de comunicação social, por seu lado, recorrem regularmente a especialistas para se debruçarem sobre o fenómeno da violência juvenil, para decifrarem as causas dos comportamentos desviantes e violentos dos adolescentes.
De um modo geral, foram apresentadas muitas análises diferentes para
explicar o fenómeno do desvio e da violência entre os jovens. Alguns
investigadores privilegiaram uma abordagem sociológica ou psicológica, outros
uma abordagem socio-económica ou mesmo política. Alguns incriminam directamente
os pais, que são acusados de laxismo, enquanto outros apontam o dedo à sociedade,
culpada das desigualdades sociais que favorecem a violência. É apresentada uma
série interminável de factores para explicar o comportamento violento dos
jovens: a ausência de educação, a falta de socialização, o individualismo
todo-poderoso, a perda geral de valores, o colapso da autoridade, etc.
Como abordar os novos aspectos da delinquência juvenil, cuja expressão e
causas mudaram nos últimos anos? Comecemos por dizer que a delinquência juvenil
foi durante muito tempo considerada como obra de jovens que eram tratados como
marginais. Reflectia, assim, os sintomas de uma delinquência iniciática
inerente à adolescência, fenómeno que se desvaneceu com o tempo. Trata-se
essencialmente de uma delinquência ligada à procura de identidade.
Mas a partir dos anos 80, época do liberalismo desenfreado impulsionado por
Reagan e Thatcher, os paradigmas da desregulamentação económica e do
desmantelamento da protecção social, a delinquência juvenil sofreu uma
metamorfose. Tem agora uma dimensão patogénica, ou mesmo beligerante.
De facto, e este é um dado essencial sobre o qual todos estão de acordo,
não só a violência juvenil aumentou consideravelmente como, sobretudo, foi
acompanhada por novas formas de violência designadas por
"incivilidades" (no plural, porque as incivilidades são de natureza
proteana).
Mais do que a violência criminal, a sociedade francesa está confrontada com
a proliferação de incivilidades, a contrapartida económica do aumento da
especulação financeira mafiosa dos bandidos capitalistas contra a produção industrial
espezinhada pela sua política de deslocalizações, despedimentos, contracções
salariais, especulação inflaccionista, fontes de insegurança social e de
angústia psicológica, dois flagelos que são vectores da incerteza existencial,
do medo permanente do futuro, agora hermeticamente fechado pelo empobrecimento,
que se tornou o único viático social concedido pelo mundo capitalista senil.
Na construção da identidade da criança, o adulto representa um modelo de
identificação. Imagos (a imago representa o protótipo de personagens - pais,
professores - que influenciarão inconscientemente a personalidade da criança).
Mas quando se trata de imagos, os adultos de hoje tornaram-se seres afectados
por vícios redibitórios, dispensando um discurso educativo demagógico baseado
na glorificação do ego cínico e tirânico, elevado à categoria de princípio
pedagógico universal.
Em termos gerais, o conceito de incivilidade refere-se a um vasto leque de
comportamentos desviantes de jovens cada vez mais jovens, cada vez mais violentos,
que deixam os adultos perplexos. A este respeito, assiste-se a um
rejuvenescimento da sua composição e ao aparecimento de grupos de raparigas.
Etimologicamente, o termo incivilidade designa a inobservância da etiqueta
social, das boas maneiras e das regras de bom uso impostas pela vida em
sociedade. Em suma, a incivilidade é a falta de educação, o desrespeito pelas
pessoas e pelos lugares.
Hoje em dia, o conceito é frequentemente utilizado num sentido mais lato
para designar actos de violência de crianças entre si, mas sobretudo contra
adultos e entidades institucionais (pais, professores, polícia, bombeiros,
etc.). O leque de comportamentos designados por incivilidades inclui ofensas
contra pessoas, bens e tranquilidade pública.
Globalmente, as incivilidades traduzem uma perda de referências e uma
desorganização da sociedade, reflectindo o enfraquecimento dos laços sociais e
a quebra da autoridade.
De um modo geral, ninguém contesta o facto de muitos países terem problemas
graves com os seus jovens. No entanto, a França está no topo do pódio. A
violência verbal e muitas vezes física de muitas crianças é preocupante. Até ao
final dos anos 80, a incivilidade e a violência eram apanágio dos jovens dos
subúrbios franceses mais desfavorecidos, mas, nas últimas décadas, alastraram
muito para além da periferia operária. Alastraram para os centros das cidades,
afectando novas populações que antes tinham sido relativamente poupadas. Assim,
os comportamentos desviantes e violentos dos jovens deixaram de estar
estritamente confinados às zonas reservadas às classes populares, passando a
afectar também uma grande parte dos jovens das classes médias.
A violência juvenil enraizou-se no coração da sociedade urbana
"civilizada", a cidade democrática burguesa. Esta violência juvenil
tende a banalizar-se, como se a brutalidade se tivesse tornado a única norma de
socialização dispensada por uma sociedade dilacerada pelas desigualdades
sociais, poluída por um espírito de predação, de "cada um por si", de banalização do mal.
Em França, a agressão é cada vez mais uma característica das relações
interpessoais e sociais. As incivilidades, muitas vezes gratuitas, são actualmente
um meio de expressão dos jovens, independentemente do seu meio social ou da sua
origem étnica.
Paradoxalmente, nas últimas décadas, numa altura em que a violência
exercida por crianças pequenas é objecto de debate, estas mesmas crianças nunca
foram tão glorificadas, protegidas, mitificadas, transformadas no "Menino
Rei". Como se houvesse uma correlação entre a sobreprotecção das crianças,
caracterizada pela "política de não-intervencionismo parental"
(baseada na teoria liberal do "laissez-faire, laissez-aller", cara
aos economistas burgueses) e a sua insubordinação agressiva, a sua rebeldia
regressiva, a sua propensão para a anarquia emocional, a contrapartida da
anarquia económica capitalista.
Mas tanto as crianças como a economia precisam de uma regulação social
colectiva, caso contrário abre-se a porta à ditadura do mercado incontrolável,
no caso da economia, e ao despotismo das emoções anárquicas e desviantes, no
caso das crianças. Uma criança entregue a si própria (sem qualquer estrutura
social normativa) é um animal predador, um ser governado apenas pelos seus
instintos destrutivos. Uma sociedade entregue ao mercado é uma selva económica,
uma zona de guerra permanente.
Este liberalismo desenfreado na educação foi acentuado pela adopção, em
1989, da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), um documento que garante
o interesse superior das crianças e o respeito pelos seus direitos. Mas os
deveres das crianças estão claramente ausentes deste texto.
O cúmulo do cinismo é o facto de estes jovens, em nome do respeito
incondicional pelos direitos da criança, serem condicionados pelo Estado a
enfrentar os pais. Nas últimas três décadas, o Estado concedeu às crianças
todos os direitos, incluindo o direito de denunciar os pais à polícia pela mais
pequena repreensão considerada injusta, e de apresentar queixa contra eles por
qualquer educação considerada autoritária. Hoje, surpreendemo-nos com o facto
de as crianças serem omnipotentes e impunes e de os pais serem impotentes,
porque foram destituídos dos seus deveres parentais pelo Estado.
Assim, através da intervenção castradora do Estado na esfera da parentalidade
e da atribuição de direitos desproporcionados às crianças, a hierarquia
familiar terá sido invertida, ao ponto de os pais tremerem perante os seus
filhos adolescentes transformados em tiranos. Esta política mutiladora do
Estado conduziu a uma inversão da hierarquia familiar e, correlativamente, ao
enfraquecimento da autoridade parental. Nalguns lares, a autoridade dos pais
foi mesmo aniquilada.
Depois de os ter desavergonhadamente despojado de toda a autoridade sobre
os seus filhos, o Estado francês acusa agora esses mesmos pais de serem
responsáveis pelo comportamento desviante e violento dos seus filhos. Que são
pais falhados. Por isso, o Governo Macron está a preparar uma lei que condena
os "pais faltosos" a serviços comunitários e a pesadas multas. Por
outras palavras, depois de ter desqualificado os pais, ao destacá-los pela
vingança dos seus filhos, que são encorajados a questionar a sua autoridade, o
Estado francês estigmatiza-os e penaliza-os pelo fracasso escolar. Desta forma,
o Estado designa os pais (qualificados como falhados) como delinquentes.
Actualmente, as incivilidades não se distinguem facilmente da delinquência,
cada vez mais frequente, praticada por jovens, adolescentes mal saídos da
infância.
E as incivilidades desenvolvem-se e propagam-se em todas as esferas das
relações pessoais e sociais: entre pares (as próprias crianças pequenas) ou
entre estas e o mundo dos adultos, dos pais e das instituições cuja autoridade
é posta em causa. A própria existência da vida em sociedade parece estar a ser
posta em causa. Os próprios fundamentos da educação e da autoridade estão a ser
abalados.
Hoje em dia, a desobediência generalizada dos jovens tornou-se a regra,
enquanto a autoridade dos adultos e das instituições se desmoronou e se tornou
a excepção. E com razão. Com a desagregação e a recomposição do núcleo
familiar, ou seja, com o desmoronamento do modelo familiar dominante e a
difusão das famílias monoparentais, os filhos sem pai estão a ficar sem pontos
de referência. A autoridade paterna carece agora de uma âncora, numa sociedade
em colapso. Uma crise de estrutura, de pedagogia e de autoridade instalou-se
incontestavelmente na parentalidade.
Esta perda de autoridade parental explica-se pelo facto de a informação,
outrora centralizada nas mãos dos pais (mas também dos professores, dos
funcionários públicos), vectores essenciais da educação, ser agora transmitida
e veiculada pelos meios de comunicação social exteriores e pela Internet, as
famosas redes sociais a partir das quais as crianças são alimentadas e deixadas
à sua sorte. Por conseguinte, a família, tal como a escola, deixou de ser vista
pelas crianças como a principal fonte de conhecimentos e de normas. A sua
missão educativa está, portanto, a ser posta em causa, se não mesmo negada.
Estamos a assistir ao fracasso do modelo educativo capitalista, corolário
do fracasso do capitalismo.
É preciso dizer que este desinteresse pela parentalidade se traduz,
correlativamente, num desinvestimento na escola e numa falta de adesão às
normas sociais da sociedade, isto é, às normas dispensadas pelas instituições
educativas do Estado. As normas adoptadas pelas crianças pequenas emanam do
mundo exterior, fora da estrutura da família e da escola, onde a informação
instantânea destilada pelas redes sociais, a influência dos pares ou o
constrangimento da vizinhança (o que explica o fenómeno da doutrinação islâmica
levada a cabo pelos pares ou pela Web virtual sobre os jovens desprovidos de
imagens parentais) tomam o lugar da laboriosa transmissão educativa pela
família e pela escola.
Nunca é demais recordar que os jovens envolvidos em actos de desvio e
violência estão frequentemente em conflito com as suas famílias. Mesmo que
permaneçam na casa da família, a desconstrução das figuras parentais torna
difícil, se não impossível, o acesso das crianças jovens à aprendizagem e à
socialização.
Na verdade, a crise da parentalidade esconde uma crise de confiança na
sociedade, encarnada pelo Estado. Esta crise traduz-se numa falta de confiança
na sociedade, representada pelos adultos, hoje desacreditados e desprestigiados
pela sua pusilanimidade e laxismo, e pelo Estado, hoje desacreditado e
deslegitimado. Esta desconfiança é multifacetada e exprime-se contra os pais,
os professores, as polícias, a lei, o Estado, etc.
Pelo contrário, pode argumentar-se que estes jovens interiorizaram
perfeitamente estes valores burgueses dominantes, que se tornaram as suas
únicas normas de socialização.
Os jovens franceses e os imigrantes são também acusados de criar um clima
de insegurança nos bairros e nos centros urbanos. Mas isto ignora a insegurança
financeira, residencial, alimentar, sanitária, existencial e profissional que
sofrem, directa ou indirectamente (através dos seus pais empobrecidos) de forma
estrutural. Assim, este enfoque na insegurança dos jovens, definido do ponto de
vista policial, tem por objectivo ocultar as outras formas de insegurança
estrutural de que os jovens são vítimas. Esta insegurança é particularmente
aguda quando estes jovens, nomeadamente os de origem imigrante, estão
confinados a bairros de habitação segregados.
Para restabelecer a "ordem republicana", como dizem os políticos,
alguns idealistas defendem a reeducação dos jovens, ensinando-lhes valores
morais e cívicos. Mas esquecem-se de que a violência é consubstancialmente
inerente às relações sociais do sistema capitalista. E nenhuma forma de
educação pode moralizar as relações intrinsecamente violentas do capitalismo.
Sobretudo neste período de decadência marcado pelo colapso económico, pelo
aumento do desemprego, pelo alastramento do empobrecimento absoluto, pela
descompressão do discurso racista, pela desinibição da violência policial e
pela banalização do genocídio.
É preciso dizer que um novo espectro assombra o Ocidente decadente e, por
conseguinte, a França. Não é o comunismo, como Marx profetizou no Manifesto, não é a revolução, como
Lenine desejou, nem sequer o terrorismo islâmico, agora, curiosamente,
evanescente por força de uma instrumentalização escandalosa, nem a farsa
sanitária da pandemia de Covid-19, mas a implosão social. De facto, para além
da explosão e da decomposição, estamos a assistir à eclosão da implosão social,
definida pelos diccionários como "uma série de explosões dirigidas para
dentro". Por outras palavras, estamos perante uma autodestruição.
"A criação mais perigosa numa
sociedade é um homem sem nada a perder", escreveu um autor
afro-americano. É esta a situação social da juventude francesa contemporânea:
perdeu a batalha da vida muito antes de ela ter começado. Estão a queimar as
velas da sua existência em ambas as extremidades, sem nunca vislumbrarem uma
luz nas suas vidas acidentadas e caóticas.
O aumento exponencial da violência e das incivilidades, num contexto de
deterioração das relações interpessoais, ilustra bem esta implosão social. Para
descrever estas novas formas de violência específica, os comentadores
ajuramentados (sociólogos, politólogos, criminólogos) falam de "violência
gratuita", "violência indiscriminada" e "violência
absurda". Para estes observadores míopes, trata-se de uma "violência
silenciosa", ou seja, uma violência sem reivindicações nem porta-voz.
Na verdade, a emergência desta violência, ensurdecedora de avisos políticos
subjacentes, reflecte uma mutação antropológica da conflitualidade social. Este
novo conflito social manifesta-se na revolta permanente dos jovens privados de
futuro.
Será que a violência juvenil é a última forma de luta de classes
desesperada contra um mundo capitalista decadente que absorveu, corrompeu e
desintegrou todas as organizações políticas e sindicais que agora fazem parte
do sistema? Como nos perguntámos na nossa anterior contribuição sobre a revolta
dos jovens nos subúrbios franceses após o assassinato de Nahel, será que os jovens
mais corajosos, através da sua violência, cumpririam a tarefa subversiva dos
adultos trabalhadores cobardes e sem espinha, mas com a inconsciência e a
imaturidade que caracterizam esta faixa etária, com meios improvisados: a sua
raiva infantil, a sua raiva auto-destrutiva, numa dinâmica de auto-mutilação
infraestrutural e de suicídio urbano?
Historicamente, a violência foi sempre uma prerrogativa das classes
dominantes. Desde o nascimento das sociedades de classes, a violência dos
poderosos é simbolizada pela dominação nas suas múltiplas e variadas formas:
exploração, opressão, espoliação, escravatura, colonização, etc. Esta violência
histórica, unilateral e estrutural das classes dominantes teve dimensões
económicas, políticas, culturais e físicas. No século XX, esta violência dos
poderosos assumiu um carácter bárbaro com a eclosão de duas carnificinas
mundiais, o extermínio genocida de populações civis, o ensaio da bomba atómica
sobre a população japonesa e a institucionalização da tortura, nomeadamente
durante a guerra da Argélia.
Hoje, à violência histórica estrutural de cima contrapõe-se uma violência
sistémica de baixo, provocada não por homens e mulheres adultos politizados com
um projecto de emancipação humana, agora integrado no capitalismo, mas por
jovens desesperados, os novos protagonistas das rebeliões contemporâneas, que o
exprimem de forma niilista e anómica por falta de maturidade política.
De facto, a violência indiscriminada dos jovens contra o mundo dos adultos,
materializada em incivilidades, estas calúnias juvenis caracterizadas por
posturas desordeiras, fazem parte do pedido de socorro enviado à sociedade
capitalista individualista para lhe recordar o abandono dos seus deveres socio-económicos
para com os seus filhos abandonados à sua própria sorte. Para denunciar o
fracasso do Estado capitalista no seu papel de educador das crianças, de protector
da prole.
Filhos sacrificados no altar da rentabilidade e da competitividade, de onde
apenas uma minoria sai vencedora (sempre a mesma: a classe privilegiada, dotada
dos meios intelectuais e financeiros para monopolizar o sucesso social). Os
seus descendentes são privados de futuro (a mobilidade ascendente já não existe
e a posse de um diploma já não é garantia de segurança material). Mas para os
fazer pagar a sua cobardia, a sua pusilanimidade, o seu laxismo em matéria de
educação, objectivado pela desintegração dos valores morais, transformados em
valores comerciais, a corrida ao lucro, a apologia do consumismo.
É também evidente que a degradação do clima das relações, marcado por
explosões de violência, se explica pela desagregação social. Esta fractura
social minou a noção ilusória de "viver
juntos", primeiro suplantada pelo viver lado a lado, e agora pelo
viver frente a frente entre as duas
principais classes antagónicas, atrás das linhas da frente protegidas pelas
forças da ordem, último baluarte erigido pelo Estado dos ricos para assegurar a
perpetuação de um sistema de dominação contestado pelos oprimidos, nomeadamente
pela sua franja turbulenta, os jovens.
A sociedade está agora minada pela decomposição, se não mesmo pela
implosão, marcada por uma dinâmica de confronto radicalmente explosiva,
impulsionada pelos jovens, adolescentes e crianças "dessocializados",
"desfilializados", esses novos párias da modernidade, confinados a
espaços de relegação e segregação, condenados à deserdação social e à
deambulação profissional, prometidos a empregos precários, a estágios
profissionais e, inexoravelmente, ao desemprego endémico, organizado a montante
pelas classes de lixo das sucatas das escolas secundárias, essas antecâmaras do
vazio existencial e intelectual. Condenados a uma vida que oscila entre a
anomia e a anarquia, acorrentados a uma vida de privações, sem perspectivas de
mobilidade social ascendente, numa sociedade de consumo inacessível aos seus
modestos recursos financeiros, os jovens vivem na frustração e na exclusão.
Esta exclusão social, associada à "frustração consumista", deu
origem a uma nova forma de violência: o ódio reactivo. Não se trata aqui de uma
violência política ou social exercida objectivamente e teorizada racionalmente
por jovens conscientes, mas de uma violência estéril, nervosa, temperamental,
neurótica, sem motivações explícitas e sem motivos aparentes.
Não admira que as suas distracções se transformem em destruição, ou melhor,
que a destruição se tenha tornado a sua única distracção. Seguindo o exemplo da
sociedade adulta, em particular dos governantes e dos poderosos que destroem
empresas e massacram populações civis em guerras irracionais.
Não é esta a única distracção da sociedade capitalista contemporânea em declínio:
a destruição (da indústria, das empresas, dos empregos, dos países soberanos,
das liberdades individuais e colectivas, das florestas, do ecossistema, dos
hospitais, da saúde, das culturas milenares, do amor, da amizade, da família,
da vida, etc.).
As guerras são outra distracção que foi reactivada. Por um lado, a guerra
social dos poderosos contra os proletários, cujas vidas explodem todos os dias
com as bombas anti-sociais lançadas pelos governos, com os projécteis
liberticidas lançados contra os cidadãos, agora privados dos direitos políticos
fundamentais. Por outro lado, a guerra armada, ceifadora de vidas humanas, está
de novo a ser mobilizada no campo de batalha por potências imperialistas rivais
em várias frentes mundiais.
Desde que o capitalismo entrou na sua fase de declínio, assistimos ao
aprofundamento da pobreza e ao aumento da insegurança. A sociedade está hoje
mergulhada na desregulamentação económica e na desestruturação psicológica,
ambos vectores da delinquência e da criminalidade. A delinquência e a
criminalidade são a consequência da miséria económica e da decadência moral da
sociedade, geradas pela decadência do sistema capitalista. Decadência rima com
delinquência.
A crescente insegurança social e económica está a corroer a sociedade. Cria
um clima venenoso. Mergulhando a sociedade numa atmosfera de violência.
Este flagelo que está a corroer a sociedade não tem solução possível no
capitalismo. Porque, como dizia Albert Einstein, "não se pode resolver um
problema com o mesmo modo de pensar que o criou". Muito menos com a classe
dominante exploradora que o criou. Muito menos com a ajuda da polícia, esses
capangas contratados exclusivamente pela burguesia para defender a sua ordem
estabelecida, o seu sistema capitalista mortífero.
Paradoxalmente, nesta época de belicismo e de anomia, a violência é
perpetrada por jovens delinquentes, deixados à sua sorte, e pela polícia,
isenta de toda a responsabilidade e culpa, porque tem licença para matar do
Estado francês falido. São estas as duas categorias que fazem frequentemente as
manchetes dos noticiários.
Neste período de crise e de falência do Estado capitalista francês, os
subúrbios exalam miséria, desemprego e tédio do seu corpo social em
decomposição. Um mal-estar social propício aos motins. Como expressão de
impotência e desespero, os motins dos jovens (activos, desempregados ou
estudantes do ensino secundário) são compreensíveis, mesmo que se limitem a
queimar carros do bairro e a danificar edifícios públicos locais. Em todo o
caso, os motins prestam um mau serviço aos interesses dos habitantes dos
bairros populares.
Por outro lado, se os motins são totalmente prejudiciais aos interesses dos
habitantes dos bairros populares, esta violência instrumentalizada permite às
autoridades justificar o reforço do seu próprio arsenal repressivo para
supostamente proteger os "cidadãos de bem", que deixam à sua sorte o
resto do tempo.
Em última análise, os motins geram mais polícias e mais policiamento. Mais
repressão policial e controlo social.
Quando os motins tiverem sido contidos e a calma do cemitério social tiver
regressado aos bairros que se insurgiram por pouco tempo mas que foram
devastados para sempre, os jovens e os seus pais continuarão a ser apanhados no
vício da pobreza e da repressão policial.
Para sair destes
horrores sócio-económicos, a burguesia e o seu Estado falido oferecem-lhes
apenas duas perspectivas, duas saídas ilusórias, ambas nefastas: a armadilha dos motins e a armadilha
eleitoral. Às provocações da polícia, os jovens responderão com uma nova
revolta desesperada e auto-destrutiva; ou às promessas tentadoras e falsas dos
políticos, participando em simulacros eleitorais fraudulentos... duas
armadilhas que mostram que a classe proletária ainda não conseguiu
posicionar-se ideológica e politicamente para oferecer uma alternativa
revolucionária a estes jovens perturbados.
Uma coisa é certa: os motins são o melhor álibi para reforçar o arsenal
policial. E, consequentemente, para perpetuar o sistema de exploração e
opressão capitalista.
Khider MESLOUB
Fonte: Délinquance juvénile : défaillance des parents ou faillite de l’État français? – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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