segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Quando Boris Vian desertou

 


 4 de dezembro de 2023  Olivier Cabanel  Sem comentários

OLIVIER CABANEL — O jovem do trompete tinha mais do que um truque na manga e já é altura de compreendermos o seu significado.

O aniversário da morte de Boris, a 23 de Junho de 1959, há 50 anos, não teve a ressonância que merecia.

Teremos compreendido quem foi este cometa que, em menos de 20 anos, virou a vida cultural do nosso mundo de pernas para o ar?

Um pau para toda a obra, já se disse, evocando por vezes um artista diletante, incapaz de levar uma criação até ao fim...

Um pouco fácil, talvez, e sobretudo errado, porque se trata de um verdadeiro génio.

Este grande artista estava desesperado por ser ouvido.

Devemos-lhe 461 canções.

canção, (há quem pense no fundo na cançoneta, uma arte menor), apenas boa para ser cantada no pátio de um edifício, ou no palco de uma improvável "starac".

No entanto, estas "chansonnettes" (cançonetas – NdT) não envelheceram nem um bocadinho.

De "Déserteur" a "La java des bombes atomiques", Vian demonstrou magistralmente que a canção era mais do que um vago refrão sobre o eterno tema do "je t'aime, t'en vas pas, je suis là, je reviens", destinado apenas a encher a gaveta do dinheiro.

Mas fica-se com a impressão de que ele o fez à pressa, e não é verdade.

Fê-lo porque tudo o que tinha tentado até então só tinha tido um eco modesto, limitado a um círculo de iniciados...

Isso seria esquecer que, quando actuou em palco, foi mais do que uma vez alvo de insultos, zombarias e assobios.

Tal como Gainsbourg, com quem partilha muitas semelhanças, e que o conheceu.

Mas antes das canções, havia, antes de mais, o jazz.

Diz-se aqui e ali que ele tinha "um pouco de talento" como trompetista.

Isso é um pouco simplista, porque antes de qualquer outra pessoa, ele tinha descoberto os grandes nomes: Amstrong, claro, Ellington, assim como Miles Davis, e tantos outros.

Aqueles que tiveram a oportunidade de o ouvir perceberam que ele não era um artista menor e que tinha um verdadeiro talento para a improvisação.

Muito mais tarde, uma grande editora discográfica confiou-lhe mesmo a tarefa de criar uma colecção.

Foi um dos primeiros a oferecer aos ouvidos europeus Ellington, Basie, Hampton e tantos outros, numa colecção de discos de vinil de 25 cm que os coleccionadores ainda hoje compram.

Escreveu regularmente colunas na revista Jazz Hot, nas quais se colocava sem hesitações do lado da modernidade, enfrentando sem pudor os "Panassié" e outros déspotas culturais rígidos que queriam fazer cair no esquecimento o chamado jazz moderno.

Sobre estas crónicas foi publicado um livro escrito por Gilbert Pestureau (Fayard/1999).

Mas, no fim de contas, este engenheiro de minas era sobretudo um escritor.

Um escritor que conviveu com os maiores, de Sartre a Prévert, mas sem partilhar o seu sucesso.

Tanto assim que, para sobreviver, escreveu romances policiais sob um pseudónimo (Vernon Sullivan), dos quais se dizia apenas tradutor, e que acabaram por se vender: 500.000 exemplares de "J'irai cracher sur vos tombes" (Cuspirei nos vossos túmulos), que causou um escândalo tal que foi proibido.

Um estranho agradecimento do público, que tinha rejeitado a maior parte dos seus romances, que venderam apenas mil exemplares na altura.

Outro grande escritor sofreu reveses semelhantes: Frédéric Dard, que não era desejado por muita gente, e que se tornou famoso ao lançar-se naquilo a que ele próprio chamava literatura de estação, com os seus romances "San Antonio".

Mas é menos conhecido que Boris Vian foi pintor, expôs as suas obras ao lado de alguns dos maiores artistas do seu tempo (Picasso, por exemplo), mas os seus quadros não alcançaram o sucesso que mereciam.

Por obra do destino, o Hotel Salé, onde viveu o seu avô, tornou-se entretanto o Museu Picasso.

Ficamos espantados com a carreira rápida e terrível deste grande artista que, em menos de vinte anos, desafiou os géneros, sempre com sucesso, mas sem conseguir verdadeiramente o êxito público.

Nada lhe escapou: nem a escrita, nem a música, nem a pintura, nem o teatro, nem o cinema (interpretou o papel de Cardeal de Paris no filme de Jean Delannoy, Notre Dame de Paris).

Actualmente, muito poucas pessoas desconhecem a sua existência.

E, no entanto, continua a ser um grande incompreendido.

Porque, como dizia um velho amigo africano:

"Quando a porta resiste, tenta a janela".

 

Fonte: Quand Boris Vian désertait – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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